Mary Del Priore em lançamentos na Ilha
Historiadora autografa hoje na Leitura do São Luís Shopping os livros “Beije-me onde o sol não alcança” e “Histórias da gente brasileira: Colônia”, este último, seguido de um debate com membros do IHGM
A historiadora Mary Del Priore estará neste sábado em São Luís para uma tarde/noite de autógrafos na Livraria Leitura (São Luís Shopping) de dois de seus livros. O primeiro será às 15h com o lançamento do romance “Beije-me onde o sol não alcança” (Editora Planeta), que marca a estreia da escritora neste gênero literário. O outro é o primeiro volume da série “Histórias da gente brasileira: Colônia” (LeYa), que será lançado às 19h, seguido de um debate com o presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM) Euges Lima. O mediador será Sebastião Moreira Duarte.
O romance, inspirado em um caso verídico e em documentos da época, é a porta de entrada usada pela escritora para narrar um triângulo amoroso ambientado no Brasil oitocentista, com reconstituição dos cenários, bem como das cidades e ambientes nos quais se passa a história.
Os documentos usados como base por Mary Del Priore chegaram às mãos da escritora por meio do também escritor Affonso Romano de Sant´Anna que desejava fazer uma minissérie para a TV. Após a pesquisa, Del Priore convenceu a proprietária do acervo, que é baiana, a doá-lo ao arquivo do IHGB (Instituto Histórico e Geográfico da Bahia).
O outro lançamento da noite será o primeiro volume da série “Histórias da gente brasileira” na qual a autora se debruça sobre as narrativas do cotidiano, apresentando uma história do Brasil diferente. No “Volume 1: Colônia”, a autora lança luz sobre o universo multicolor das pessoas comuns e coisas pequenas que formaram um caráter nacional ainda hoje presente em nas vidas e formas de pensar.
“O que parece uma cacofonia, ruído desencontrado, é música. São os sons da rua, da casa, dos instrumentos de trabalho ou de festas. Para isso é preciso olhar pelo retrovisor para ver como nossa gente era, como morava, vestia, comia, trabalhava, ria, amava e sonhava. De que forma seus problemas foram ultrapassados de geração em geração. Mas é preciso também olhar pelo buraco da fechadura, para enxergar como se comportava em sua intimidade nos momentos de medo, dor ou prazer”, escreve Mary na apresentação.
Você vem a São Luís para dois lançamentos. O primeiro é o romance “Beije-me onde o sol não alcança”, seu primeiro trabalho neste gênero, mas os personagens e cenários são reais. Sendo assim, o livro é mais um romance ou o romance é pano de fundo para mostrar aspectos da história do Brasil em que ele se passa? Onde o leitor encontra essa separação dentro da narrativa? E que aspectos históricos você quer mostrar? É possível contar a história do país por meio de "ficção" e por quê?
Tenho feito grande esforço para que leitores tenham tanto prazer em ler história quanto o tem, de ler ficção. Costumo lembrar que até o século XIX, ambas andavam de mãos dadas. Basta pensar em Alexandre Dumas e “Os Três Mosqueiros” ou “Os miseráveis”, de Vitor Hugo, ambos livros que contam a História do Antigo Regime ou da vida dos mineiros na França. O distanciamento entre as narrativas se dá com a História transformada em "ciência" pelos positivistas e os acadêmicos no início do século XX. Num país com muita gente interessada pelo passado ou pela vida de seus ancestrais, teses e livros pesados não ajudam a gostar a de História. Tento criar, portanto, uma linguagem acessível, que convide o leitor a embarcar numa viagem prazerosa ao passado, com descrições suficientes para fazê-lo " ver" o que outros livros não mostram, preocupados que estão com explicações. O romance histórico, baseado num triângulo amoroso entre um conde russo, a neta do barão de Piraí e uma escrava foi todo baseado na troca de correspondência autêntica que se encontra no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. É uma história de amor verdadeira passada entre os anos de 1860 e 1890, época de grandes transformações como a Abolição e a República! Consegue costurar um enredo de paixão e traições com episódios importantes de nosso passado, sempre atento aos detalhes. Pois, num romance histórico, Deus e o Diabo estão justamente...Nos detalhes!
O segundo lançamento da noite será o primeiro volume da tetralogia “Histórias da gente brasileira – Vol. 1: Colônia”, no qual você se debruça sobre histórias de pessoas comuns. Por que buscou este viés?
Porque permite ao leitor se aproximar do passado. Saber como as pessoas comiam, moravam, do que viviam, com o que sonhavam, como nasciam, casavam e morriam, tudo isso é mais apaixonante do que entender conceitos. Lembro-me sempre de uma menininha de 10 anos perguntando para a professora "O que é mercantilismo?". Não seria melhor ensinar com quais brinquedos as crianças brincavam, se tinham medo de fantasmas, quando começavam a trabalhar, o que ocorria com as "enjeitadas", quando começaram a estudar? A coleção é uma tetralogia e vai da Colônia aos dias de hoje. O terceiro volume, todo dedicado à República Velha será baseado exclusivamente nas Memórias de grandes escritores brasileiros sobre o período. É curioso constatar que a chagada da "radiola" e do Ford Bigode, para muitos, foi mais definidor do período do que o próprio Getúlio Vargas. E o Maranhão estará bem representado com Humberto de Campos e Odylo Costa, filho. No quarto volume, só entrevistas com personagens variados (artistas, esportistas, intelectuais e gente da mais variada origem) que contarão, com suas palavras como viveram entre 1950 e 2000. Olhando para trás, será possível ver, como as coisas miúdas, os gestos do dia a dia, explicam o que mudou ou não em nossa sociedade.
Neste sentido, o que mais chamou sua atenção durante a pesquisa? Por quê?
O que mais impressiona quando usamos a documentação histórica para ouvir os atores anônimos do passado é a sinergia entre diferentes grupos e culturas. Sinergia que permitiu à gente sobreviver, criar, adaptar-se a uma terra, misturar tradições e criar o que chamamos de "cultura brasileira". E isso em tudo: na comida, na indumentária, na relação com o campo e o plantio, na arquitetura, no lazer. E mais, sinergia que permitiu a mobilidade social das classes mais desfavorecidas, sobretudo dos escravos e ex-escravos que, graças às suas técnicas e saberes, compraram sua liberdade e a dos seus. Enriqueceram, tocaram seus negócios, foram grandes artistas, músicos, comerciantes. Um exemplo de sucesso foi o de Antônio Ferreira Cesarino, intelectual negro, fundador de um colégio frequentado pelas filhas da elite branca cafeicultora e assim descrito por um artigo no jornal Diário de Campinas, em 1889: “alto, acostado a um bengalão, tinha o rosto comprido, ornado da tradicional barba moldura [...] que ficou sendo o tipo de classe nos altivos burgueses do Porto. Seus grandes olhos eram pensativos, rasgada a boca, lentos os passos, ligeiramente vergado ao peso de seus honrados janeiros”. Nascido na Vila de Paracatu do Príncipe, órfão de mãe e filho de um tropeiro, foi levado pelo pai para Campinas onde se tornou agregado e ao deixar a fazenda onde trabalhava, carpinteiro, músico e alfaiate. Não se sabe onde aprendeu a ler e escrever, mas depois de se casar com Balbina Gomes da Graça, abriu o Colégio Perseverança. A 10 de março de 1860, a pujante cidade ganhava uma escola na Rua do Comércio. Os conteúdos ali ministrados eram variados, mas, impressionaram o imperador D. Pedro II que a visitou: “é conceituado”, anotou em seu diário. Em 1865, já tinha 44 alunas, muitas delas, segundo documentos, “bem-nascidas”. Vagas, porém, eram reservadas a estudantes pobres, órfãs e negras. As três filhas do casal eram aí professoras: Amância, Bernardina e Balbina. O sucesso do instituto foi tão grande que permitiu a Cesarino se tornar comerciante e abrir uma loja de fazendas finas e grossas. Mostro, mesmo para o século XVIII, muitos outros exemplos que não são conhecidos, mas ficaram na história.
Você é ex-professora titular de História da USP e PUC-Rio, pós-doutora, com mais de 45 livros publicados, premiações literárias nacionais e internacionais. Como é ser escritora no Brasil? Quais os principias desafios? E quais os maiores prazeres?
O maior desafio é continuar escrevendo sempre! O maior prazer, escrever! Para isso, acho muito importante estar em contato com os leitores, - como farei em São Luís - trocar ideias, ouvi-los, conhecê-los e saber para quem estamos escrevendo. Afinal, como sabem os estudiosos da questão, a boa leitura é um triângulo que se estabelece entre autor, obra e leitor. Esse último é tão importante quanto o livro. Ele é parte do livro. Ouvi-lo e abraçá-lo, faz parte do prazer de escrever.
Agora que você escreveu seu primeiro romance, como este gênero dialoga com a história em seu trabalho? Seu público pode esperar mais romances? Como tem sido a receptividade do livro?
O livro foi muito bem, inclusive foi finalista do prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte. Da universidade, recebi manifestações de vários colegas historiadores que o adotaram para estudos da escravidão no Brasil. Ele comprova que é possível, como já disse um filósofo, aprender sorrindo!
Com a reformulação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) houve uma grande discussão no Brasil sobre o ensino da História. Qual sua opinião sobre isso? E como tornar esta área do conhecimento atrativa para os jovens?
A reforma não é só nossa, nem original. Na França, por exemplo, os estudos sobre Antiguidade e Joana D´Arc estão sendo substituídos por estudos sobre o Norte da África e Ásia. A ideia é oferecer à sociedades complexas, informações sobre suas raízes, seu passado e ancestrais. Acho isso muito bom, excelente mesmo. Só que lá, o programa passa pelo crivo de muitos especialistas conhecidos e enfrenta debates e sugestões antes de ser implantado. Aqui, nem se sabe quem são os autores do projeto. O maior problema não é o assunto ou o tema, mas, quem vai ministrar as aulas. Os cursos sobre História da África, na graduação ou pós-graduação de história, são recentíssimos, talvez tenham 10 anos. Não temos bibliotecas sobre a história da África e de suas diferentes nações. Em suma, não temos "africanólogos" como Alberto da Costa e Silva, que morou em diferentes países da África, conhece vários dialetos e culturas. Receio que o curso se torne espaço para novas desinformações históricas e pior, proselitismo político.
A autora
Mary Del Priore, ex-professora de história da USP e da PUC/RJ, pós-doutorada pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, é autora de 45 livros de história. Recebeu mais de vinte prêmios literários nacionais e internacionais, foi colunista do jornal O Estado de S. Paulo por 10 anos e é sócia titular do IHGB, IHGRJ, Academia Portuguesa de História, Real Academia de la Historia de España, PEN Club do Brasil, Academia Carioca de Letras, entre várias academias latino-americanas. Atualmente leciona no curso de pós-graduação da Universidade Salgado de Oliveira.
Serviço
O quê
Lançamentos de Mary Del Priore
Quando
Sábado, 28, às 15h e 19h
Onde
Livraria Leitura – São Luís Shopping, Jaracati
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