“Ah! a imponência dos velhos sobrados maranhenses! As varandas escancaradas. As sacadas de ferro. As frontarias de azulejos. E este bater de sinos que me restituiu à infância esmaecida, devolvendo-me a mim próprio.” Estes versos do romancista Josué Montello, citados por Flaviano Menezes da Costa, dão o tom da leitura que o autor propõe em seu livro “Moradas e Memórias”. Para quem acredita na máxima de que os livros nos fazem viajar, nada como aproveitar a literatura para conhecer uma cidade. E é esta a proposta de Flaviano Menezes da Costa. Mesclando literatura e história ele nos conduz a um passeio pelo Centro Histórico de São Luís e os hábitos de sua gente. “Moradas e Memórias” será lançado esse sábado, às 19h, na Casa do Maranhão, Praia Grande.
“Moradas e Memórias” tem origem no projeto “Guarnecer para não se perder”, que Flaviano Menezes da Costa, desenvolveu ainda no curso de Letras da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), tema que foi aprofundado durante seu mestrado. “Eu estava com outro tema, mas quando apresentei um trabalho falando do projeto, decidimos, eu e a professora Dra. Marcia Manir, que poderíamos explorar melhor esse tema que fala sobre a relação de pertencimento entre os moradores e suas moradas no centro histórico de São Luis”, explicou Flaviano Menezes da Costa.
Já no primeiro dos quatro capítulos do livro ele situa o leitor ao falar da formação histórica da cidade através da evolução urbana da cidade fundada em 1612 por franceses cujo território foi retomado pelos portugueses em 1615. A forma como se deram as primeiras construções da vila, as marcas deixadas pelos franceses e o modelo arquitetônico adotado pelos portugueses são relatados, assim como a perda da centralidade do Núcleo Antigo de São Luís bem como um plano de modernização, na primeira metade dos anos 1900, que colocou em risco todo o patrimônio arquitetônico que seria reconhecido pela Unesco em 1997.
Depois de apresentar São Luís sob uma perspectiva histórica o autor tem o cuidado de apresentar aos leitores a São Luís dos romancistas que moraram no Centro Histórico, cujas obras remetem às suas memórias e relações com a velha cidade. “[...] Nasci na Rua da Estrela, número dois, na primeira casa à direita, na grande ladeira que desce para a Praia Grande, centro do comércio que as águas da baía não banham. Dessa casa não tenho recordação. Quando a deixamos eu não tinha dois anos. Mais tarde eu a contemplava e imaginava o seu silêncio interior naqueles três andares elevados e esse silêncio imaginativo tinha a força de me entristecer”, como narra Graça Aranha em sua obra “O meu próprio romance”, publicada em 1932.
Nascido em São Luís, mas morando em outras cidades até seus 15 anos, o autor sempre foi fascinado pelo Centro Histórico. “Olhar essas moradas e imaginar como foram construídos, quem os habitou e porque não existiam ações de preservação mais efetivas com relação a estas moradas antigas eram alguns dos questionamentos que sempre surgiam nas minhas caminhadas pelo bairro da Praia Grande”, comentou.
Inspiração
Motivado por esse sentimento e guiado pelas obras literárias e registros históricos que fundamentaram sua pesquisa ele começa a mostrar como a literatura reflete sobre o espaço habitado, o lar e a sensação de pertencimento ao local. Aqui ele recorre a outras disciplinas como a geografia para mostrar como a organização do espaço urbano reflete as diferenças sociais da população de determinado local. Em São Luís, as construções do Centro Histórico são classificadas em pelo menos 10 tipos diferentes e a escolha pelo tipo de imóvel que seria erguido levava em conta não apenas sua função (se residencial, comercial ou ambos), mas também a classe social do proprietário.
E hoje estas construções servem também de testemunho para as transformações econômicas, urbanas e sociais da cidade. Se nos idos do século XVIII, a Praia Grande tornou-se um bairro comercial cuja consolidação se deu em decorrência da ampliação das atividades portuárias da cidade, a construção de rampas, da primeira Alfândega e a grande produção de algodão para exportação que fez do bairro o primeiro e mais importante centro econômico da jovem cidade.
Foi nessa época que tiveram início as construções dos casarões históricos, mirantes e sobrados revestidos de azulejos, uma das principais características da arquitetura colonial da cidade. A Praia Grande era também um dos maiores pontos de recepção de escravos para as fazendas de algodão ou para trabalharem em benefício da aristocracia rural que passou a habitar os grandes sobrados da localidade. Com a estagnação econômica, as firmas comerciais instaladas no bairro foram desaparecendo e os velhos sobrados que não foram ocupados por órgãos públicos acabaram se deteriorando e alguns chegaram à completa ruína.
Aqui quatro obras literárias ajudam a entender não apenas os modelos arquitetônicos dos imóveis da São Luís antiga, bem como a distribuição das classes sociais e as condições urbanas e econômicas da cidade. Recorrendo a’Os Tambores de São Luís, de Josué Montello, uma das quatro obras, Flaviano Menezes da Costa conta como eram as moradas dos pretos alforriados da cidade ao apresentar a casa de Genoveva Pia descrita como “baixa, de seis janelas sobre a rua, reboco escalavrado e reboco de batente de pedra”, que contratava com o rico sobrado de Ana Jansen cujo “luxo da casa começava no amplo vestíbulo, com duas janelas gradeadas sobre a rua, uma de cada lado da porta”.
Chegando ao fim de sua viagem pela antiga cidade, ele recorre às obras literárias que recontam os crimes que marcaram a história da cidade e transformaram-se em lendas que por séculos assustam aos moradores mais sensíveis. Uma dessas narrativas é “O Palácio das Lágrimas”, de Clodoaldo Freitas, piauiense que morou em São Luís, que conta a morte de Joaquina, uma das muitas escravas-amantes do comerciante Jerônimo de Pádua, que é morta após desprezar as investidas de Bartolomeu, um dos escravos do comerciante. Bartolomeu envenena e mata os filhos do capitão Bernardo Soeiro, sócio de Pádua que mora com a família no Palácio das Lágrimas. Bartolomeu esconde o veneno no baú da escrava, que é condenada à morte. O nome do palácio é uma referência ao choro da escrava condenada injustamente e cujas lágrimas ficaram tão entranhadas nos degraus do palácio que nunca mais secaram.
Com o romance de Clodoaldo Freitas e outras duas obras que tratam de crimes reais ou imaginários ocorridos em São Luís, Flaviano Menezes da Costa resgata ao leitor debates como o lugar do lar, que representa também o lugar da honra, dos princípios legítimos e rígidos da autoridade e do preconceito.
Sobre a obra, que conta ainda com vasto material fotográfico para apresentar e situar os leitores os casarões e seus moradores no espaço-tempo, Flaviano Menezes da Costa conta que este foi um trabalho revelador. “Não só pela riqueza de informações que encontrei nas obras literárias sobre a vivência e a arquitetônica dos seculares imóveis da cidade, mas também pela inquietante vontade de visitá-los, conhecê-los e, consequentemente, conservá-los”, disse.
Ao longo da pesquisa, percebi que a literatura é uma fonte privilegiada e inesgotável de saber sobre o mundo social. Ao representar e descrever o que se move e o que se fixa em uma cidade, ela permite ao leitor o acesso a uma ou várias dimensões espaciais sobre a estrutura e a vivência urbanaFlaviano Menezes da Costa, escritor
Serviço
O quê
Lançamento do livro “Moradas e Memórias”
Quando
Sábado, dia 12, às 19h
Onde
Casa do Maranhão, Praia Grande
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