Crônica

O meu pequeno “miolo” de boi

Ivan Sarney

Atualizada em 11/10/2022 às 12h57

Desde muito pequeno, ainda com seus dois anos de idade, nosso filho Caio demonstrou uma grande simpatia pelos sons, pelos ritmos, pela beleza plástica do nosso bumba-meu-boi.

Seu encanto começou a ser externado nas noites de junho, nos arraiais da cidade. Em especial, no arraial da Lagoa, onde costumávamos frequentar com mais assiduidade, Janaína e eu, na comunhão de nosso amor, e do amor às nossas tradições culturais.

Na primeira vez que o levamos a esse arraial, nosso pequenino externou um alumbramento incomum, em crianças de sua idade. Ali, diante de nós, em cima do palco, com o boi de Axixá dançando - vestindo uma camisa polo, vermelha, e uma bermuda jeans - nosso menino não se intimidou e dançou, sozinho, balançando seu corpo de criança entre os adultos, que logo notaram sua presença.

Mantinha uma atenção especial em alguns personagens, talvez por mais lhe impressionarem com seus volteios, e com as mesuras que lhe dedicavam: o brincante da “burrinha”, encantado com aquele pequeno brincante, que parecia incansável e feliz, a todo instante lhe estendia a mão, num gesto de cumprimento e reverência, e dançava em torno dele, para mais incentivá-lo.

O personagem “boi”, no entanto, era o objeto de sua maior procura, entre os volteios que os brincantes executavam, a cada nova melodia. O “Miolo” do boi (personagem que dança debaixo do boi) foi outro brincante que, ao notar aquele e menino dançarino, que não demonstrava cansaço e que se envolvia na magia daquela apresentação, vinha sempre diante dele e lhe prestava reverência, estendendo-lhe a mão calejada e experiente, e balançando, devagar e compassivo, para brindar sua presença naquele palco e naquela brincadeira.

Nosso pequeno brincante, algumas vezes, nos olhava ligeiro, como a buscar nossa aprovação e continuava: alimentando o prazer de brincar, segurando o rabo do boi, sem prendê-lo, todavia.

Quando parava, olhava fixo, os motivos dos bordados do couro e experimentava tocar a textura daqueles materiais: o veludo, os paetês, os canutilhos, as lantejoulas.

Quando parava, olhava fixo, os motivos dos bordados do couro e experimentava tocar a textura daqueles materiais: o veludo, os paetês, os canutilhos, as lantejoulasIvan Sarney

Além de tudo, teve o encanto de constatar que aquela armação, que imitava um boi, só parecia ter vida: dançando, rodopiando, porque havia, debaixo, um homem que dançava e produzia todo aquele movimento.

Assim foi aquela noite, a primeira vez, o primeiro alumbramento, coroado no momento em que o saudoso Francisco Naiva, como brincante, veio até ele e o cumprimentou, de forma especial, cantando a toada de sua autoria: “Quando eu me lembro, da minha bela mocidade/Eu tinha tudo a vontade, brincando no boi de Axixá...” Foi assim, aquele primeiro São João de sua vida.

No ano seguinte, ele já teve um boizinho seu, comprado por meu amor no Cantinho Doce, na Rua de Santana. Era todo bonito, mas feito de plástico emborrachado, e seus paetês eram presos com cola. Era belo e muito leve, como convinha a uma criança de três anos.

Com esse boizinho ele dançou em muitos arraiais, inclusive no shopping da Ilha, onde fez sucesso junto ao boi de “Upaon Açu”. Todos se encantaram como o nosso pequeno “Miolo”, dançando sem inibição, no meio dos grandes.

Levei-o para a festa dos Miolos, que o Zé Reis vem organizando há dez anos, na Praia Grande, e que reúne, em um único dia, todos os Miolos e os bois que carregam e dão vida.

Ele levou o seu boizinho e pude colocá-lo em um cavalete, entre os mais belos bois daquele ano. Nada foi tão especial e marcante para o nosso pequeno brincante, ver aquelas dezenas de bois, da mais bela construção, expostos aos olhos de centenas de admiradores que ali estavam. Ele pode dançar com outros Miolos grandes e, além de admirado e aplaudido, foi fotografado por vários turistas, nacionais e estrangeiros, encantados com a sua dança e seu boizinho.

A então Secretária de Estado da Cultura, Olga Simões fez questão de ir ao seu encontro e cumprimentá-lo, e ficou surpresa ao saber que era meu filho.

Desde então, ele passou a integrar o “Clube dos Miolos de Boi”, e recebeu um belo boizinho de presente, compatível com seu tamanho, mas com armação feita por boieiro profissional, e bordado por bordadeiras do boi de Maracanã, por interferência do amigo Nelson Faria.

Todos os anos, temos ido a arraiais, dançado com o boizinho, que tem o nome Caio, bordado e ladeado por Nossa Senhora Aparecida e por São Pedro.

Este ano, na festa junina da Escola Crescimento, os alunos do 1º Ano Fundamental, turma do meu filho, apresentaram, sob a competente e apaixonada orientação da professora Tatiane, o bumba-meu-boi. Caio foi o “Miolo” do seu boizinho e dançou, desinibido, encantando a todos, inclusive os vaqueiros e índias que formaram o seu batalhão.

Este ano, no dia 10 de julho, desde 2015, na Praia Grande, haverá o 10º Encontro dos “Miolos”, sob a dedicada organização de Zé Reis. Caio estará lá, aos 6 anos de idade, com seu boizinho encantado, para formar parelha com dezenas de bois, e para dançar, com outros boizinhos mirins e adultos, mantendo e cultivando essa nossa tradição cultural que nos irmana e orgulha. Amar a cidade é viver nossas tradições. É preciso amar a cidade.

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