Crônica

No brilho do Arraial da Cidade

Ivan Sarney

Atualizada em 11/10/2022 às 12h57

Sinto o cheiro da pólvora queimada que o vento da noite espalha no arraial. O cheiro, no entanto, não seria tudo se pudesse ser apartado do som, ora grave ora agudo, do estalido das bombas e dos fogos de artifício que se queimam colorindo essas noites de junho, tão íntimas de nossas vidas e de nossos destinos.

Impossível estar nesses lugares, nessas noites de fascínio e magia, só com o nosso corpo atual, com nossa alma contemporânea. Todo o acervo de nossa vida que já é lembranças nos toma pelas mãos e nos conduz para realçar lugares, pessoas, emoções e fatos que ficaram cristalizados no tempo, como referências essenciais de nossa existência.

O cheiro da pólvora queimada, por exemplo, é um laço, um elo que não se dissipa, nem se dissolve com o passar dos anos. Ele é imutável na essência do seu odor e no simbolismo de sua existência. E como é imutável, como faz ligação entre tempos, no exato momento em que se desprende e exala, tem o dom de tornar atuais e vivas, todas as lembranças que a ele se vincularam, no tempo.

A lembrança de passar fogueira, nas noites de São João, é uma delas que me ocorre agora. Sempre com a fogueira já apagando, consistindo em brasas, sem fogo e labaredas. De mãos dadas, pulando o braseiro, firmava-se o compromisso de ser compadre.

Mas não quero, no brilho pleno destas noites de junho, deixar-me levar pelos arraiais: do Ceprama, da Maria Aragão, do antigo IPEM, renascido; do Parque da Vila Palmeira. Não quero deixar-me levar pelas lembranças de minha infância e juventude, senão na exata medida que o som das matracas, dos pandeiros e dos tambor-onça conseguem suscitar em mim, sem lamentar deliberadamente nada, sem saudosismo algum.

Sem saudosismo algum para poder deixar-me levar pelo encanto cromático, melódico, coreográfico e estético do boi de Nina Rodrigues, o das mais belas e graciosas índias; para deixar-me envolver pela poesia, pela riqueza de ritmos, pela beleza e graciosidade do Boizinho Barrica, que tanto nos encanta e nos divulga lá fora; para deixar-me enternecer com o brilho e a riqueza das toadas do Boi de Axixá, de Pindaré, da Maioba, do Maracanã, da Madre de Deus, que são bois tradicionais e exibem a excelência de seus cantadores e a riqueza de suas vestes bordadas.

Os bois, esses boizinhos lindos que vão se multiplicando, com o correr dos anos, são promessas que alguém fez ou faz a São João que permanece dormindo durante todo o dia de seu aniversário, porque se ele acordasse o mundo se acabaria, segundo a crença cristã.Ivan Sarney

Os turistas vieram. E aqui estão, entre nós, como amigos, como cidadãos, inclusive de outras nacionalidades, curtindo nossas festas, com tudo aquilo de encantador e mágico que elas possuem.

Eles estão por toda parte, dando mais cor à nossa cidade e nos enchendo de alegria, por estarem aqui. Serão eles e outros que aqui vierem, que divulgarão, de forma mais permanente e eficaz, o que temos de belo e diverso para mostrar aos que nos visitam.

O bom é sentir a cidade como nossa própria casa, sem teto e sem paredes que a limitem. Sentindo a cidade assim, poderemos tratá-la melhor para que nela possamos melhor exercer a parcela de nossa vida. Os que nos visitarem compreenderão essa nossa relação com esse espaço de vida e a ele se integrarão, colaborando pela preservá-lo melhor.

Como é bom viver numa cidade onde somos reconhecidos e podemos reconhecer centenas de pessoas que encontramos, no dia a dia. Assim vou pensando, enquanto percorro o Arraial da Cidade, com meu amor, Janaína, e meu pequeno Caio, que é miolo de boi, há quatro anos, por decisão inteiramente sua, em perfeita sintonia com nossa cultura e tradição. Como está belo e bem organizado, com excelente estrutura para adultos e crianças, aquele local.

Percorro-o, parando em barracas de palha, em perfeita comunhão com a noite e tudo o que dela emana. E, ali, sinto o cheiro e o gosto de nossa comida tradicional, tão farta nestas festas de junho: arroz de Maria Izabel; torta de camarão e cuxá, vatapá e peixe frito.

No Arraial da Cidade, sob a Coordenação do competente amigo, vereador e atual Presidente da Câmara, Astro de Ogum, com apoio do vereador Roberto Rocha Júnior e do amigo, Senador Roberto Rocha, curtimos a noite de São João, soltando fogos e vendo queimar fogueira. Um arraial repleto de nossas tradições, sentindo o espírito fraterno e solidário com que todos brincam essas festas, neste dia de São João.

O farto policiamento parece dispensável, para a alegria e a paz das pessoas que cantam e dançam sob o ritmo dos bois, das quadrilhas, dos cocos, dos tambor-de-crioula, e só querem brincar.

Esse espírito fraterno e solidário está na alma de todos. Afinal, as festas de junho têm caráter religioso também porque são festas devocionais: Santo Antônio, São João, São Pedro, São Maçal.

Os bois, esses boizinhos lindos que vão se multiplicando, com o correr dos anos, são promessas que alguém fez ou faz a São João que permanece dormindo durante todo o dia de seu aniversário, porque se ele acordasse o mundo se acabaria, segundo a crença cristã.

Como são festas devocionais, as novenas, as ladainhas, são tradições que se mantêm no aconchego das famílias, com bolo de tapioca, com canjica, com pamonhas, com milho cozido e assado, com bolo de milho e macaxeira.

Nas casas de muitas famílias acontecem as mais alegres e fraternas festas aos Santos integrantes do ciclo de junho, que o povo festeja com devoção crescente. Eles são protetores de famílias e habitam oratórios em nossas casas de seus devotos, protegendo-nos em nossas vidas terrenas.

Que brilhem os arraiais, as lembranças e nossas tradições. Amar a cidade é viver nossa cultura. É preciso amar a cidade.

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