Maranhão

MPT tem 90 investigações contra trabalho análogo ao escravo no Maranhão

De acordo com levantamento semestral elaborado pelo órgão, 30 empregadores maranhenses constam da lista de trabalho escravo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h59
(Homem realiza trabalho análogo ao escravo)

O Ministério Público do Trabalho no Maranhão (MPT-MA) tem cerca de 90 investigações ativas contra o trabalho análogo ao escravo no estado. Além disso, 30 empregadores maranhenses constam na lista de trabalho escravo, elaborada de acordo com levantamento feito semestralmente pelo órgão. Os números demonstram que, apesar de a escravidão ter sido abolida no país em 1888 – há 127 anos –, ainda é comum no Brasil o trabalho forçado em condição degradante, a jornada exaustiva e a servidão por dívida.

O MPT acompanha aproximadamente 70 Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) e outras 60 ações civis públicas e execuções de TAC não respeitados. O órgão também revela que o Maranhão é o estado que mais fornece mão de obra escrava para outras regiões do país. Um levantamento do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mostra que 25,5% dos trabalhadores resgatados em condições análogas às de escravo no Brasil nasceram em território maranhense. Se não bastasse a importação de mão de obra em condições análogas à escravidão, o estado ocupa o 5º lugar no ranking nacional de exploração do trabalho escravo.

Combate – Para romper com esse ciclo, o MPT possui uma Coordenadoria de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) que recebe denúncias, investiga e resgata os trabalhadores submetidos a situações degradantes (trabalho forçado, servidão por dívidas, jornadas exaustivas, alojamento precário, água não potável, alimentação inadequada, desrespeito às normas de segurança e saúde do trabalho, falta de registro, maus tratos e violência).

“Por meio das fiscalizações, os trabalhadores resgatados têm seus vínculos empregatícios regularizados e são libertados da condição de escravidão. A partir daí, o MPT realiza ações judiciais e extrajudiciais que promovem a punição do empregador, prevenção ao ilícito e a inserção das vítimas no mercado de trabalho com todos os direitos garantidos”, explicou a procuradora do Trabalho Virgínia de Azevedo Neves.

Segundo o MPT, os municípios maranhenses com maior número de casos de trabalho escravo são Santa Luzia, Açailândia, Carutapera, Bom Jesus das Selvas, Codó e Bom Jardim. Boa parte da mão de obra análoga à escrava é empregada na criação de bovinos para corte, na pecuária, no cultivo de milho e na produção de carvão vegetal.

Carvoarias – Em seu trabalho “Escravizados do Carvão: historiando identidades e memórias em Açailândia-MA no tempo presente”, o historiador do Instituto Federal do Maranhão (IFMA), Fagno Soares, explica o que é o trabalho escravo contemporâneo e traça um perfil dessa prática existente principalmente no Sul do Maranhão. Mestre em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), desde 2010 ele investiga a vida de trabalhadores escravizados em municípios maranhenses e no Pará e relata algumas das violações típicas cometidas por empregadores de mão de obra escrava, principalmente em carvoarias.

Fagno Soares aponta que, em algumas carvoarias de Açailândia, os trabalhadores são obrigados a viver em alojamento precário, sob péssimas condições de higiene, com indisponibilidade de água potável. “Estão sujeitos ao isolamento geográfico. Moram em barracos improvisados cobertos com lonas no meio da mata, em condições subumanas e água suja, sem banheiros”, disse.

Segundo o pesquisador, os trabalhadores são submetidos a uma jornada exaustiva. Eles também são vítimas de maus tratos e são privados de liberdade. “Sofrem ameaças físicas e psicológicas. Têm a dignidade usurpada. Falta-lhes o registro em carteira de trabalho. Têm retidos documentos e salários. Em muitos casos vivem sob a ameaça de capangas armados, uma espécie de capitães do mato modernos”, explicou.

Nas carvoarias, os homens costumam assumir posturas penosas, exigindo muito esforço muscular. Eles carregam manualmente toras de madeira e enchem os fornos que transformam o material em carvão. “A exigência física é enorme”, relatou o pesquisador.

Na transformação da madeira em carvão, utilizado principalmente por siderúrgicas, os fornos expelem toxinas como o monóxido de carbono. As partículas ultrafinas penetram no sistema respiratório dos trabalhadores escravizados, provocando doenças. E na maior parte das vezes não há nenhum equipamento de proteção cobrindo o rosto dos trabalhadores, para evitar esse processo. “Além disso, não há assistência médica”, destacou Fagno Soares.

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Municípios maranhenses com maior número de casos de trabalho escravo:

- Santa Luzia

- Açailândia

- Carutapera

- Bom Jesus das Selvas

- Codó

- Bom Jardim

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ABRINDO O JOGO

Fagno Soares, historiador do Instituto Federal do Maranhão (IFMA)

O Estado – Afinal, o que é o trabalho escravo contemporâneo?

Fagno Soares - A escravização contemporânea é um fenômeno mundial, ocorre nos campos e cidades, em carvoarias, garimpos, fazendas e indústrias, na produção de carvão para siderurgia, produção de cana-de-açúcar, de algodão, de grãos, de erva-mate e na roça da juquira. Trata-se, de uma patologia em estágio metástase, e se constitui como uma atividade laboral degradante que envolve cerceamento da liberdade, por meio de uma dívida, aliado a péssimas condições de trabalho, alojamento, saneamento, alimentação e saúde, além do uso da violência.

O Estado – Quais atividades econômicas mais utilizam o trabalho escravo no país?

Fagno Soares - As atividades econômicas em que trabalho escravo mais tem sido encontrado, na zona rural, são pecuária bovina, desmatamento, de pinus. Também há importante incidência em oficinas de costura e em canteiros de obras nas cidades. Nesses casos, sabe-se que o empregado é submetido a situações subumanas por seu empregador. São violados os direitos trabalhistas e a dignidade da pessoa humana. Ocorre desde a retenção de documentos do trabalhador quando da celebração do vínculo de subtrabalho, até a restrição total da liberdade de ir e vir. O indivíduo é impedido em seus aspectos físico, psicológico e moral de se constituir enquanto trabalhador com direitos básicos como salário e condições dignas de trabalho. O trabalhador é obrigado a prestar um serviço sem receber pagamento ou, quando recebe, trata-se de um valor insuficiente para suas necessidades básicas.

O Estado – Quando o Brasil reconheceu o trabalho escravo contemporâneo?

Fagno Soares - Somente em 1995, o Brasil reconheceu oficialmente junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT) a existência de trabalho escravo em seu território criando, assim, as primeiras estruturas para o seu combate como o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (GERTRAF) e o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), com o intuito de resgatar os trabalhadores escravizados. Estima-se que desde 1995 até hoje já foram libertados cerca de 45 mil trabalhadores no Brasil. Lastimavelmente, o Maranhão é o maior exportador de trabalhadores escravizados no Pará.

O Estado – Quais diferenças entre o trabalho escravo na Grécia, no Brasil Colonial e a atual escravidão?

Fagno Soares - O termo escravidão é por si, generalizante, capaz de abarcar desde as práticas ocorridas na Grécia Antiga até o Brasil nos tempos coloniais, possibilitando afirmarmos que, o que tem ocorrido hoje, no Brasil e no mundo, também pode ser chamado de trabalho escravo, com as devidas reservas, visto que o trabalhador não é escravo, mas escravizado. Também por isso há uma disputa conceitual para definir uma expressão adequada a este fenômeno que renasce das cinzas, ressurgindo na geografia do tempo e na história do espaço, mesclando novas e antigas características.

O Estado – Porque utilizar a expressão trabalho escravo mesmo sabendo que este foi abolido em 13 de maio de 1888 e que, portanto, jurídico e historicamente, não existe mais?

Fagno Soares - A adoção da expressão trabalho escravo no Brasil tem como objetivo político, visibilizar tal prática junto à sociedade e academia, com vistas ao enfrentamento e sua erradicação.

O Estado – Para o senhor qual foi pior a Escravidão do Brasil Colonial ou a atual?

Fagno Soares - A atual escravização é ainda mais truculenta, pois, por mais torpe e inclemente que fossem os algozes de um escravo no Brasil Colonial, estes sabiam que não deviam açoitá-lo até a morte, pois a morte de um escravo seria para o seu senhor um real prejuízo, uma vez que, durante o período imperial, para se mensurar a riqueza de um homem ou de sua família considerava-se a quantidade de terras e escravos que estes tinham. Atualmente, a prática da tortura é tão asselvajada que o trabalhador não é mais torturado só fisicamente, mas moral e psicologicamente a pretexto de uma dívida impagável, uma escravidão por dívida. Quando este sai vivo deixa parte de seu corpo na fazenda: uma orelha, um dedo, um braço, os sonhos e até sua dignidade, tamanha atrocidade contra a pessoa.

O Estado – O que diz o Código Penal e a Proposta de Emenda Constitucional - PEC 438/2001, aprovada no ano passado?

Fagno Soares - O artigo 149/1940, reformulado em 2003, do Código Penal prevê de dois a oito anos de reclusão para quem se utilizar dessa prática. Configura-se em crime quando gera o cerceamento de liberdade, servidão por dívida, condições degradantes de trabalho e jornada exaustiva. Já a PEC 438/2001 (PEC do Trabalho Escravo), prevê a expropriação de propriedades rurais e urbanas onde forem flagrados trabalhadores escravizados serão destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular. Se, por um lado, a aprovação da PEC do Trabalho Escravo representou um avanço na conquista dos direitos humanos enquanto importante instrumento de combate às formas contemporâneas de escravidão no Brasil, por outro, a sua regulamentação através do Projeto de Lei do Senado - PLS 432/2013, poderá ser um grande retrocesso no enfrentamento do trabalho escravo no Brasil, uma vez que alguns defendem um conceito muito evasivo de trabalho em condições análogas à de escravo, excluindo as condições degradantes de trabalho e a jornada exaustiva como elementos característicos. Outro importante instrumento de combate, é a lista suja, mantida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (TEM), que traz um cadastro nacional de empregadores flagrados utilizando mão-de-obra escravizada.

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