
Junho Laranja: Fio Exposto, Risco Exposto
As queimaduras são lesões traumáticas causadas, em geral, por agentes térmicos, químicos, elétricos ou radioativos.
Em 5 de outubro de 2023, o CONFEA (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia) instituiu oficialmente a “Campanha Junho Laranja”, voltada à prevenção de incêndios e de sinistros causados por queimaduras, especialmente as provocadas por eletricidade. A iniciativa dialoga com a Lei nº 12.026/2009, que criou o Dia Nacional de Luta contra Queimaduras, celebrado em 6 de junho, e reconhece a gravidade da situação enfrentada pela população brasileira diante dos números alarmantes de acidentes e mortes por queimaduras elétricas.
As queimaduras são lesões traumáticas causadas, em geral, por agentes térmicos, químicos, elétricos ou radioativos. Atingem os tecidos de revestimento do corpo humano, podendo provocar destruição parcial ou total da pele e seus anexos, além de alcançar camadas mais profundas, como tecido subcutâneo, músculos, tendões e até ossos. A gravidade da queimadura é determinada pela sua profundidade e pela extensão da área afetada.
Segundo dados oficiais do Ministério da Saúde, entre 2015 e 2020, o Brasil registrou 19.772 óbitos por queimaduras, sendo 10.545 por queimaduras térmicas, 9.117 por queimaduras elétricas, e 110 por outras causas, como agentes químicos, radiação e geladuras. Esses dados revelam que as queimaduras elétricas foram responsáveis por 46,1% dos óbitos, ou seja, quase metade das mortes por queimaduras no Brasil são causadas pela eletricidade. Isso representa uma média de 1.520 mortes por ano, 127 por mês ou 4 por dia. Não se trata de estatística fria, mas de uma epidemia silenciosa que exige ação imediata.
Diante desse cenário, a aprovação da Decisão Plenária CONFEA nº 1666/2023 não foi apenas simbólica, foi um posicionamento estratégico e coerente com os princípios que regem o Sistema CONFEA, CREA e Mútua, especialmente no que diz respeito à prevenção de sinistros e desastres. A engenharia brasileira, enquanto atividade essencial à segurança da sociedade, tem papel decisivo nesse enfrentamento. Essa ação integra um conjunto maior de iniciativas voltadas à prevenção, como a publicação da Resolução CONFEA nº 1.134/2021, que instituiu prioridade na fiscalização preventiva de sinistros e desastres, e a criação, em 2021, da C.A.P.A. (Comissão de Análise e Prevenção de Acidentes), vinculada ao CREA-MA, que atua de forma contínua na promoção de uma cultura de segurança, avaliação de riscos e prevenção de tragédias que poderiam ser evitadas com o devido rigor técnico.
No Maranhão, o CREA-MA tem se destacado nacionalmente por sua atuação permanente na campanha. Em 2025, mais uma vez participou do Junho Laranja, recebendo da AMASQ (Associação Maranhense de Apoio a Sobreviventes de Queimaduras) o reconhecimento como o primeiro conselho profissional do estado a apoiar oficialmente a campanha, fortalecendo uma parceria construída com seriedade ao longo dos últimos anos.
O combate a essas tragédias está intrinsecamente ligado à qualidade e segurança das instalações elétricas, que muitas vezes são o ponto de origem dos sinistros. Em especial, as instalações elétricas temporárias, muito comuns em eventos, obras e festividades, representam um desafio crítico devido à sua natureza provisória e à frequência de improvisações. Essas instalações expõem a riscos tanto o público quanto os profissionais envolvidos, e por isso merecem atenção rigorosa.
As instalações elétricas temporárias envolvem circuitos expostos a intempéries, alimentação improvisada, sobrecarga de sistemas e ausência de aterramento adequado. O improviso, aliado à ausência de projeto e de profissional habilitado, transforma essas instalações em potenciais focos de incêndio, choques fatais e colapsos estruturais. O risco inerente a essas instalações foi reconhecido pela ABNT, que criou uma norma específica para instalações elétricas em locais de afluência de público, a ABNT NBR 13570, que estabelece critérios técnicos para garantir segurança e confiabilidade nestes ambientes.
Por essa razão, o Sistema CONFEA/CREA é claro ao estabelecer que tais atividades são vedadas à atuação de profissionais sem habilitação específica. O exercício ilegal dessas atividades, seja por leigos ou por profissionais registrados no CREA sem a devida habilitação, constitui infração ética e legal.
Além disso, a grande maioria das instalações elétricas temporárias envolve conhecimentos técnicos especializados em diversas áreas do campo da engenharia elétrica, como circuitos elétricos, conversão de energia, eletromagnetismo, dispositivos e circuitos eletrônicos, eletrônica de potência, sistemas digitais, eficiência energética, instalações elétricas, sensores e instrumentação eletrônica, materiais elétricos e magnéticos, análise e processamento de sinais, e sistemas de controle e automação. Esses sistemas impactam diretamente a instalação elétrica, provocando fenômenos como distorções harmônicas, queda do fator de potência, aquecimentos indevidos e interferência na operação de dispositivos sensíveis, comprometendo a segurança, a confiabilidade e o desempenho da instalação.
Um aspecto técnico relevante e pouco conhecido é que, em sistemas de corrente contínua (CC), comumente presentes em instalações elétricas temporárias que utilizam painéis solares, iluminação LED e fontes eletrônicas, não é possível empregar dispositivos diferenciais residuais (DRs) de alta sensibilidade para proteção contra contato direto, como se faz rotineiramente em sistemas de corrente alternada (CA), nos quais são usados DRs típicos de 30 mA. Isso ocorre porque os dispositivos DR convencionais operam com base no desequilíbrio entre as correntes de fase e neutro, detectado por meio de transformadores diferenciais toroidais que respondem à variação do campo magnético gerada pela corrente alternada. Conforme a Lei de Faraday-Lenz, prevista nas equações de Maxwell, a indução eletromagnética ocorre apenas quando há campos magnéticos variantes no tempo. Como a corrente contínua mantém o fluxo magnético constante e não gera indução eletromagnética, o DR tradicional não consegue identificar o desequilíbrio em CC, tornando inviável a proteção contra contato direto por meio desses dispositivos. Dessa forma, a segurança em sistemas de corrente contínua depende prioritariamente de medidas preventivas e construtivas, tais como isolamento adequado, barreiras físicas, distanciamentos e dispositivos específicos para CC, demandando projeto técnico especializado e conhecimentos avançados da engenharia elétrica.
Dessa forma, evidencia-se a necessidade de profissional qualificado para instalações elétricas temporárias, especialmente engenheiros eletricistas que detenham integralmente as atribuições e competências previstas no artigo 7º e no artigo 27, alínea "f", da Lei nº 5.194/1966, e nos artigos 8º e 9º da Resolução CONFEA nº 218/1973, bem como demais engenheiros registrados no CREA que possuam a devida extensão de atribuições profissionais, conforme disposto no artigo 7º da Resolução CONFEA nº 1.073, de 2016. Essa exigência, de natureza técnica e legal, reforça o compromisso do CONFEA com a segurança da sociedade, ao delimitar com clareza os limites da habilitação profissional e assegurar que somente profissionais qualificados e devidamente habilitados possam executar atividades próprias da engenharia.
Nesse sentido, o CONFEA tem atuado com firmeza no combate a todo tipo de exercício ilegal da engenharia, inclusive nas situações de exorbitância de atribuições, quando profissionais extrapolam os limites legais de sua habilitação. As Decisões Plenárias nº 3519, 3520 e 3521, todas de 2003, são emblemáticas nesse aspecto. Nesses julgados, o CONFEA manteve, por unanimidade, autos de infração aplicados a um profissional sem habilitação para executar instalações elétricas temporárias, atividades que excedem as competências estabelecidas no artigo 7º da Resolução nº 218/1973. Tais decisões reafirmam o entendimento de que apenas engenheiros eletricistas, com atribuições plenas previstas nos artigos 8º e 9º da Resolução CONFEA nº 218/1973, ou engenheiros com extensão de atribuições profissionais iniciais em Instalações Elétricas Temporárias, nos termos do artigo 7º da Resolução CONFEA nº 1.073/2016, podem assumir tecnicamente serviços dessa natureza, em conformidade com a legislação profissional vigente.
É preciso romper, com urgência, a cultura da improvisação e do “jeitinho” nas instalações elétricas. A eletricidade não dá segundas chances, não há espaço para o amadorismo onde o risco é invisível, mas letal. Cada fio mal dimensionado, cada disjuntor trocado sem critério técnico, cada intervenção sem projeto e sem responsabilidade técnica é uma armadilha silenciosa que pode custar vidas.
Valorizar a engenharia é um gesto de responsabilidade social. Não se trata de luxo, nem de burocracia, trata-se de prevenção. Trata-se de vidas. Proteger pessoas, famílias e patrimônios começa com uma decisão simples, mas transformadora, confiar em quem estudou para projetar, executar e garantir a segurança de todos.
Engenharia não é custo. Engenharia é vida protegida por conhecimento.
Fonte:
[1] ANUÁRIO ESTATÍSTICO ABRACOPEL ACIDENTES DE ORIGEM ELÉTRICA 2025 Ano base 2024
[2] Lei nº 5.194/1966
[3] Resolução CONFEA nº 218/1973
[4] “Comunidade Segura, livre de queimaduras”: 06/6 – Dia Nacional de Luta Contra Queimaduras. Disponível em https://bvsms.saude.gov.br/comunidade-segura-livre-de-queimaduras-06-6-dia-nacional-de-luta-contra-queimaduras/#:~:text=Acidentes%20envolvendo%20queimados%20acometem%201,no%20ambiente%20dom%C3%A9stico%20(70%25).
[5] Boletim Epidemiológico | Secretaria de Vigilância em Saúde | Ministério da Saúde. Volume 53 | N.º 47 | Dez. 2022
[6] Decisão Plenária CONFEA Nº 1666/2023
[7] Resolução CONFEA nº 1.134/2021
[8] Junho Laranja 2025, disponível no perfil da AMASQ em https://www.instagram.com/p/DLSau8AAIkd/
[9] Decisão Plenária nº 022/2021-PL/MA
[10] PORTARIA Nº 282, DE 26 DE JUNHO DE 2023. Dispõe sobre diretrizes de prova e componente específico da área de Engenharia Elétrica, no âmbito do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), a partir da edição 2023.
[11] Decisão Plenária CONFEA nº 3519/2003
[12] Decisão Plenária CONFEA nº 3520/2003
[13] Decisão Plenária CONFEA nº 3521/2003
[14] Código de Ética Profissional da Engenharia, da Agronomia, da Geologia, da Geografia e da Meteorologia aprovado pela Resolução CONFEA nº 1.002/2002.
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