(Divulgação)
COLUNA
Ibraim Djalma
Ibraim Djalma é procurador federal
IBRAIM DJALMA

Deuses e mendigos

Ramsés II, o Grande. Faraó considerado deus em vida no contexto da religião egípcia antiga, reinou por cerca de 66 anos no idos do século XIII a.C.

Ibraim Djalma

Ramsés II, o Grande. Faraó considerado deus em vida no contexto da religião egípcia antiga, reinou por cerca de 66 anos no idos do século XIII a.C.

Era um líder militar poderoso, filho do deus Rá (o Sol) e representante dos deuses na Terra, se equiparando aos demais seres superiores ao mandar esculpir estátuas colossais de dimensões divinas ao lado de Rá, Amon e Ptah.

Assim como os demais reis que eram considerados divindades na Terra, Ramsés concebia o mundo pelo espectro de quem estava acima dele e, por isso, merecia receber tudo o que desejasse.

Atribuía essa prerrogativa a sua divindade. Portanto, desde quando nasceu se via legitimado a exigir do mundo qualquer coisa que quisesse sem lhes prestar contas.

Mandou construir templos em sua adoração, expandir a capital administrativa de Pi-Ramsés, além de mandar fazer centenas de estátuas suas e reescrever histórias de suas batalhas para ser exaltado em situações ambíguas.
 

Essa egoísta visão o cegava para qualquer hipótese de se achar devedor de alguma coisa. Tudo que fazia era em prol de sua própria imagem. Nada mais.

Do outro lado do mundo e mais de 3 mil anos após, Juan Carlos, venezuelano, ouviu dizer que no país ao lado toda pessoa que não tem renda declarada recebe no mínimo R$600,00 reais. Em alguns estados vários outros benefícios também são dados.

Pega suas trouxas, manda a mulher arrumar as crianças e vem para o Brasil em 2024. Param no Maranhão.

Descobrem que basta alegarem serem refugiados e ficam legalizados por aqui.

De imediato, Juan corre para pedir os benefícios brasileiros. Conseguiu mais de R$900,00 no Bolsa Família, além do auxílio gás, kits de alimentação, higiene, enxoval, aluguel social e curso de português; além do BPC/LOAS se um dos filhos for deficiente.

Bastante? Não, Juan Carlos alega que sua cultura tem o dia de pedir na rua esmola e vai para o sinal angariar mais dinheiro do que já recebe sem trabalhar. Leva os filhos para pedir junto e comover os motoristas que passam pelos sinais.

Negligencia as leis brasileiras quanto à proteção da exploração do trabalho infantil ao mandar seus filhos pedirem esmola e rejeitam as comidas brasileiras, deixando no ar que a incumbência de lhes dar assistência universal está insatisfatória pelos brasileiros.

Juan se comporta como se todos tivessem o dever de lhes dar tudo que quisessem sem retribuir nada em troca. Mesmo podendo trabalhar.

Acorda todos os dias movido pela sensação de que o coletivo tem o dever moral de lhe sustentar. Interpreta os direitos humanos unicamente a seu favor e em momento algum aceita um emprego, mesmo que lhe ofereçam, já que é merecedor de toda benesse pela qual muitos brasileiros percorrem todos os dias.

Sentimento de cooperação e participação ativa na sociedade? Prefere continuar como está.
 

Mas qual semelhança existe entre um deus egípcio de 1.274 a.C e um mendigo estrangeiro no sinal no Maranhão em 2024?

Ao longo do século XX, uma teoria da psicologia social sistematizou o que entendeu ser a base universal das relações humanas, a reciprocidade.

Estudada por ramos da antropologia, etologia, sociologia e filosofia, a reciprocidade foi encarada como o elemento fundamental para a coesão social e preservação da espécie. Portanto, remete a origens inatas ao ser humano o gesto de cooperar com a finalidade de fortalecer suas relações sociais e, em última análise, garantir a própria sobrevivência.
 

Na psicologia e biologia evolutiva, Robert Trivers (1971) amplia esse conceito para o que chama de altruísmo recíproco, apontando que a cooperação entre indivíduos vai além da reciprocidade material, para compreender deveres comportamentais morais e sociais, como empatia, justiça e até vingança.
 

Isso gera um repertório comportamental que cria parceiros confiáveis a partir das relações anteriores e seleciona também os considerados trapaceiros, o que evidentemente favorece as chances de sobrevivência.
 

Portanto, retribuir e cooperar vai além da perspectiva social, ela é vista como inerente à própria neurobiologia adaptativa, com o uso da memória, experiências passadas e emoções.

Reis e faraós de outrora que se viam como deuses – apesar de todas as vulnerabilidades inerentes ao homem – enxergavam o mundo como verdadeiros devedores de sua divindade. Não havia espaço para serem inseridos no comportamento universal de cooperação e retributividade como preditivo de sobrevivência individual e coletiva. Apenas tinham direitos. Nunca deveres.

Mais de 3 mil anos depois, as políticas de proteção à dignidade humana vivem diuturnamente o dilema de acertar o ponto em que os benefícios assistenciais são louváveis por evitarem a degradação humana de uma camada da sociedade que não pode ou não consegue trabalhar e, de outro lado, o receio de soarem como verdadeiros estimulantes a não participação ativa dos seus contemplados na sociedade e acabar alimentando parasitas nas costas de quem trabalha.

É uma linha tênue mais difícil do que definir a Curva de Laffer – aquela que tenta acertar o limite máximo de um tributo a ponto de não valer a pena o risco da inadimplência pelo contribuinte – e persegue os países ao longo do último século, desde que a seguridade social foi ampliada para o assistencialismo.

No Brasil agora uma agravante. Saber dosar a distribuição de renda para os migrantes que alegam serem refugiados só para se estabelecerem no país. O número de famílias estrangeiras beneficiadas pelo Bolsa Família saltou de 26,5 mil em 2019 para 172,5 mil em 2024. Um aumento assustador de 540%.

Com a maioria apta a trabalhar, a questão reacende debates sobre o acesso a benefícios assistenciais por estrangeiros diante da necessidade imensurável de brasileiros na fila.

Em alguns estados, como Santa Catarina, os imigrantes se dispõem a trabalhar e legalizar a vida e participação ativa na sociedade.

Em outros, o assistencialismo parece soar como um catalizador aos estrangeiros que, sem procurar empregos e se dedicando a somar as rendas recebidas sem trabalho com as angariadas nos sinais de trânsito, vem preferindo se valer da opção dos deuses antigos de somente receber sem retribuir nada em troca.

Nesse ponto se igualam às divindades. A perspectiva psicológica moral de se sentirem legitimados a somente receberem. Cooperação e reciprocidade são para os outros.

Muitos direitos. Poucos deveres. Deuses e mendigos.

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