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COLUNA
Rogério Moreira Lima
Engenheiro e professor, foi coordenador Nacional da CCEEE/CONFEA e vice-presidente CREA-MA (2022). É membro da Academia Maranhense de Ciência e diretor de Inovação na Associação Brasileira de
ROGÉRIO MOREIRA LIMA

Crise de estabilidade Elétrica na Era das Renováveis: o Caso Ibérico de 2025

A Península Ibérica tem um sistema elétrico que interliga Portugal e Espanha, mas também se conecta ao Marrocos, Andorra e França

Rogério Moreira Lima

Atualizada em 06/05/2025 às 16h31

A Península Ibérica tem um sistema elétrico que interliga Portugal e Espanha, mas também se conecta ao Marrocos, Andorra e França, com linhas de transmissão relativamente curtas, especialmente quando comparado a países continentais, e apresenta elevado índice de penetração de fontes renováveis, como a energia eólica e solar fotovoltaica, que atualmente é a de maior participação durante seu pico próximo ao meio-dia.

No dia 25 de abril, a Espanha atingiu o recorde de produção solar fotovoltaica, com um máximo de 20.540 MW às 12:15, como mostra a Figura 1, sendo que junto das demais fontes renováveis compunha 81,9% da produção total de eletricidade. Fato que já vinha sendo comemorado na mídia especializada.

Recorde de geração solar fotovoltaica na Espanha
Recorde de geração solar fotovoltaica na Espanha

Em horários de pico solar, como o registrado no dia do apagão de 28 de abril de 2025, as energias renováveis representavam mais de 70% da matriz elétrica instantânea na Península Ibérica, sendo aproximadamente 59% proveniente da energia solar fotovoltaica e 12% da energia eólica (Reuters).

No entanto, essa dependência elevada de fontes intermitentes, embora essencial para a sustentabilidade ambiental, impõe riscos significativos à estabilidade do sistema elétrico. Isso foi demonstrado no evento ocorrido 3 dias após o recorde histórico (28/04). No final da manhã, o sistema espanhol estava produzindo em torno de 18 GW a partir de fontes fotovoltaicas, e começou a sofrer oscilações subamortecidas de tensão e frequência, inicialmente atribuídas à interligação entre Espanha e França, mas ainda sem uma explicação definitiva. Essas oscilações resultaram na abertura da interligação elétrica com a França, isolando a Península Ibérica do restante do sistema europeu.

Oscilação na interligação entre Espanha e França
Oscilação na interligação entre Espanha e França

O que sucedeu essa abertura foi um desbalanço entre carga e geração que em apenas 5,6 segundos levou ao colapso interno das redes da Espanha e Portugal, com perda de sincronismo e desconexões em cascata. Aproximadamente uma hora depois, a perda de carga somava 14,38 GW, equivalente a 54% da demanda espanhola, como mostra a Figura 3. A retomada de carga foi bastante lenta, evidenciando a baixa resiliência da rede Ibérica.

Diferença entre a carga prevista e realizada no dia 28/04
Diferença entre a carga prevista e realizada no dia 28/04

Apesar de especulações iniciais sobre possíveis fenômenos atmosféricos ou ataques cibernéticos, tanto a Red Eléctrica de Espana (REE) quanto a Redes Energéticas Nacionais (REN), de Portugal, descartaram interferências externas, apontando causas técnicas internas associadas à dinâmica da rede elétrica sob alta penetração de renováveis. Também se atribui que o apagão tenha sido causado primariamente pela falta de inércia do sistema.

Embora a ausência de inércia eletromecânica típica dos sistemas tradicionais contribua para aumentar a fragilidade de redes modernas, o gatilho principal do evento foi a sequência de oscilações subamortecidas e a subsequente falha da interligação internacional, seguida pelo rápido colapso interno da Península Ibérica, o que tem que ser cuidadosamente investigado.

Diante desse cenário, ganha relevância o conceito de inércia virtual, pois as energias renováveis representavam mais de 70% da matriz elétrica instantânea na Península Ibérica no momento do apagão. A inércia virtual é um campo ativo de pesquisa que busca emular, por meio de algoritmos e eletrônica de potência, o efeito estabilizador dos geradores síncronos. Instituições como UFRN, IFES e UFES têm desenvolvido estudos importantes sobre o tema, propondo estratégias aplicáveis a microrredes e sistemas fotovoltaicos trifásicos. Esses trabalhos demonstram que a adoção da inércia virtual, especialmente quando combinada com controle por decaimento, é capaz de reduzir oscilações de tensão e frequência, melhorar a resposta dinâmica do sistema e aumentar sua margem de estabilidade durante eventos transitórios.

Também é necessário se aperfeiçoar os mecanismos de certificação dos controles dos inversores e de seus respectivos modelos de simulação, para que o operador do sistema tenha ferramentas adequadas para antecipar esse tipo de situação e possa criar procedimentos para evitar que novos eventos dessa natureza aconteçam, bem como desenvolver estratégias de restauração mais ágeis.

Portanto, o apagão deve ser interpretado como resultado de uma interação complexa entre oscilações subamortecidas, e falha da interligação internacional, devido à elevada penetração de fontes intermitentes conectadas por inversores cuja característica de controle é desconhecida do operador, levando à ausência de suporte dinâmico adequado e limitações operacionais da rede. A resposta necessária envolve diversos aspectos, como normatização e certificação de inversores, investimentos em tecnologias de controle avançado, como a inércia virtual, reforço das interligações internacionais, e implementação de sistemas de armazenamento de energia, reforço das interligações internacionais e protocolos rápidos de contenção de perturbações, garantindo que a transição energética ocorra de forma segura e resiliente.

Artigo elaborado em colaboração com o Eng. Eletric.  Mauricio Sperandio, Doutor em Engenharia Elétrica/ Sistemas de Energia Elétrica pela UFSC, professor do PPGEE/ UFSM 

Fontes e Referências Bibliográficas:

https://demanda.ree.es/visiona/peninsula/demandaau/total

http://www.medfasee.ufsc.br/europe/

NARDOTO, A. F. et al. Aplicação de Inércia Virtual em Conversores CC-CC para Geração Fotovoltaica. VIII Congresso Brasileiro de Energia Solar – CBENS, 2020.

DANTAS, E. S. et al. Inércia Virtual e Controle por Decaimento em Sistemas Fotovoltaicos Trifásicos. UFRN, 2023.

G1. Portugal e Espanha enfrentam apagão. Publicado em 28/04/2025. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/04/28/portugal-e-espanha-enfrentam-apagao.ghtml

CNN Brasil. Vibração atmosférica? Entenda o fenômeno citado após apagão na Europa. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/vibracao-atmosferica

Veja. O que pode ter causado o apagão na Europa? Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/o-que-pode-ter-causado-o-apagao-na-europa/

BBC News Brasil. O que se sabe sobre o apagão que atingiu a Península Ibérica. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c793yx8wd98o

Reuters. What could be behind Iberian power outage? 29/04/2025. Disponível em: https://www.reuters.com/world/europe/what-could-be-behind-iberian-power-outage-2025-04-29/

Reuters. Large parts of Spain, Portugal hit by power outage. 28/04/2025. Disponível em: https://www.reuters.com/world/europe/large-parts-spain-portugal-hit-by-power-outage-2025-04-28/

Independent. Spain blackout: Solar and wind generation accounted for over 70% of power at time of collapse. 29/04/2025. Disponível em: https://www.independent.co.uk/climate-change/spain-power-cut-electricity-solar-wind-energy-b2741491.html

Financial Times. Grid instability under scrutiny after Iberian blackout. 29/04/2025. Disponível em: https://www.ft.com/content/1363127b-014e-4f30-ab5d-38f76d640274

Euronews Green. Did wind and solar really cause Portugal and Spain's mass blackout? 29/04/2025. Disponível em: https://www.euronews.com/green/2025/04/29/did-renewable-energy-cause-spain-and-portugals-mass-blackout-experts-weigh-in

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