
José Sarney: Entre erros, acertos e a força da resiliência
Chegar aos 95 anos de vida com lucidez, firmeza de espírito e disposição para dialogar sobre o Brasil é, por si só, um feito notável.
Chegar aos 95 anos de vida com lucidez, firmeza de espírito e disposição para dialogar sobre o Brasil é, por si só, um feito notável. Mas quando essa longevidade se entrelaça com mais de meio século de protagonismo político, atravessando regimes, crises e reconstruções democráticas, estamos diante de uma trajetória rara, singular e — apesar das contradições — digna de registro e reconhecimento. O ex-presidente José Sarney é, sem dúvida, uma das figuras mais longevas e resilientes da história republicana brasileira.
Sua trajetória é marcada por ambivalências. Foi aliado do regime autoritário instaurado em 1964, ocupando espaços estratégicos e sustentando a ordem vigente. Mas, nos anos 1980, movimentou-se em direção à abertura democrática, num gesto que, embora tardio, foi politicamente relevante e institucionalmente corajoso. Enquanto muitos à sua volta tentavam resistir à transição, Sarney soube compreender os sinais do tempo — e sua decisão de compor a chapa com Tancredo Neves, ainda que nas entranhas de um colégio eleitoral imposto pela ditadura, contribuiu para o fim do ciclo autoritário. Esse gesto não foi simples, nem isento de críticas, mas exigiu desprendimento e leitura histórica.
Eu mesmo fui, com orgulho, parte do movimento radical pelas Diretas Já, posicionei-me de forma contundente contra a eleição indireta entre Tancredo e Maluf, e fui crítico da posse de Sarney em 1985. Militei nas greves gerais entre 1986 e 1989, combatendo políticas econômicas de contenção de direitos e denunciando o conservadorismo que ainda permeava o Estado brasileiro. Fui, durante muito tempo, um dos maiores opositores da hegemonia política de Sarney no Maranhão — uma hegemonia baseada em práticas patrimonialistas, centralização de poder e exclusão de novos projetos políticos.
Minha resistência se estendeu também aos governos de Roseana Sarney, especialmente nos anos 1994 e início dos 2000, quando ela operou um processo agressivo de liquidação e privatização de empresas públicas e sociedades de economia mista no estado, em sintonia com a lógica neoliberal do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) que tomou conta do país naquele período. A liquidação do patrimônio público e o enfraquecimento do papel do Estado foram combatidos com veemência por mim e por tantos outros que acreditam que o desenvolvimento precisa caminhar ao lado da justiça social. Mas, hoje, tenho convicção de que a Roseana Sarney de hoje já não reproduziria aquela mesma lógica, porque a história também ensina e transforma.
O tempo, como educador silencioso, me humanizou. Compreendi que, apesar das diferenças ideológicas, de classe social e de projetos de Estado, há um bem maior que nos une: a democracia, os direitos humanos e a soberania popular. Por isso, hoje consigo olhar para José Sarney com outros olhos — sem apagar as críticas, mas reconhecendo a importância de suas escolhas no processo de redemocratização e sua disposição em aceitar, com dignidade, a alternância de poder. Foi vencido por uma nova força, liderada por Flávio Dino, que representou a ruptura com o ciclo político anterior. Ainda assim, Sarney não se tornou um inimigo do novo projeto democrático, e isso revela uma grandeza rara em tempos de polarização e ressentimento.
Sarney também deixou legados esquecidos, como a criação da Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão (CAEMA) em 1966, voltada para garantir água aos municípios mais pobres do estado, especialmente aqueles com menos de cinco mil habitantes. Um gesto que demonstra que, apesar dos vícios da política tradicional, havia também uma preocupação social com os invisíveis do Maranhão.
Ao completar 95 anos, desejo a José Sarney vida longa, serenidade e lucidez para continuar refletindo sobre o Brasil. Que ele possa olhar para sua história não apenas como um conjunto de acertos e glórias, mas também como um campo fértil de aprendizado. Que seus erros não sejam prisões, mas lições. E que as boas ações que praticou — e foram muitas — sejam seu maior legado.
E que agora, nesse momento decisivo para o país, possa contribuir, com sua experiência, para consolidar ao lado do presidente Lula uma frente ampla capaz de vencer as eleições de 2026 e dar continuidade à reconstrução do Brasil, com desenvolvimento econômico, justiça social e responsabilidade ambiental.
Sarney, siga firme. Que venham mais aniversários. A vida ainda tem muito a ensinar — e a agradecer.
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