A beleza morre
“A beleza é apenas a promessa da felicidade”, dizia Montaigne. Alain Delon há de ter sido feliz com ela.
Guardo a impressão de que, a par da exuberância e fartura da beleza humana postas à disposição do público atual para deleite e consumo, somente duas personas da metade do século passado para cá exerceram esse fascínio a ponto de terem se transformado em sinônimos de beleza: No Brasil, Marta Rocha para a beleza feminina e, para o mundo, Alain Delon, como protótipo da beleza masculina.
O curioso é que mesmo numa época machista e preconceituosa quando esse apogeu ocorreu (anos 60 a 70) os homens não se sentiam constrangidos em revelar essa admiração com receio de provocarem suspeição maldosa. Era comum se elogiar um sujeito bem aparentado chamando-o de Alain Delon, o que enchia de orgulho o objeto referente. Algo semelhante acontecia com o público feminino tratando-se de alusões à Marta Rocha.
Profissionalmente, é natural que Alain Delon haja perseguido sobrepor o seu talento artístico ao seu dom natural de propalada beleza física. Isso aconteceu, por exemplo, com Sofia Loren e Marylin Monroe (expoentes, na mesma época, da beleza física feminina). Enquanto a norte-americana não o conseguiu da forma que ansiava, a esplendorosa atriz italiana impôs seu talento teatral desde cedo aferindo um Oscar por sua atuação em Duas mulheres, baseado no pungente romance de Alberto Morávia A Ciociara .
Não lembro se Alain Delon ganhou algum Oscar de melhor ator ou coadjuvante. Assisti a vários filmes dele, especialmente os policiais, mas destaco, entre estes, uma fita que se tornou marcante em minha memória juvenil intitulada A primeira Noite de Tranquilidade. É um filme pouco conhecido, mas, neste, Alain Delon se desvencilha da decantada beleza (viciante e pegajosa em qualquer grande ator), para interpretar um professor amargurado, poético, misterioso e infeliz em sua relação conjugal, caminhando para a tragédia final que é sua primeira noite de tranquilidade: a morte.
Após sua ida soube-se que o ator que encarnou um dia o belo universal, talvez seu principal papel ao longo da vida, atormentado pela decadência física manifestou desejar ardentemente a morte através da eutanásia, o que acabou não acontecendo.
“A beleza é apenas a promessa da felicidade”, dizia Montaigne. Alain Delon há de ter sido feliz com ela, ou apesar dela, com suas mulheres lindas (Romy Shneider foi uma delas), sua misoginia “sic” e sua vaidade, que o fazia referir-se ao astro Alain Delon na terceira pessoa. Mas a beleza também morre e o grande ator, beleza e glória eclipsadas, teve alcançada como desejada, ao fim, a sua primeira noite de tranquilidade. Tal o personagem do filme, que interpretou magnificamente.
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