Artigo

Joaquim Itapary: um cronista especial

De longa data nos conhecemos e de breve tempo o convívio para boas conversas sobre literatura e boas gargalhadas ao ouvir suas histórias hilárias tão bem contadas.

Por Aurora da Graça Almeida/ Poeta

Atualizada em 31/07/2024 às 11h49

É preciso alguma cerimônia para falar sobre Itapary e nenhuma para dialogar com o amigo Joaquim, com sua camisa florida e seus olhos azuis sempre atentos ao cotidiano. Seus olhos e sua memória focam em fatos que possam lhe oferecer uma bem escrita lauda e nela quase concretizar as emoções que tais impressões possam ter-lhe causado.

De longa data nos conhecemos e de breve tempo o convívio para boas conversas sobre literatura e boas gargalhadas ao ouvir suas histórias hilárias tão bem contadas.

Tempos atrás, em um lançamento no Café Literário (local e hora de encontro de pessoas interessadas em literatura) encontrei-o e lhe perguntei o que andava a fazer. Ele, quase inaudível me disse: “Estou procurando uma pessoa para organizar minhas crônicas...” Sem titubear, retruquei: “essa pessoa está em sua frente”.Daí, recebi seus arquivos de crônicas e após baixar os textos, com paciência e certa curiosidade, dediquei-me a suprir as falhas que se apresentaram na ordem cronológica de publicação no jornal O Estado. Firmamos uma parceria mais de alegria para mim ao me deparar com sua escrita do que algum trabalho que tal tarefa pudesse me causar.

Nada difícil. O cerne do conteúdo de cada crônica favorece imediatamente definir, se se trata de homenagem a alguma pessoa de destaque no seu referencial afetivo ou profissional, se se trata de uma crítica sempre construtiva à Administração Municipal ou Estadual, se se trata simplesmente de uma lembrança dos seus tempos de menino na Fazenda Sumaúma, se se trata de sua observação minuciosa sobre nossa cidade. Muito fácil separar os textos por sua própria natureza. E tal foi feito.

Esta tarefa de bibliotecário, aludida por Benedito Buzar em suas palavras sobre a edição da obra, me faz pensar no quanto é enriquecedor contribuir para que os textos literários saiam dos HDs para se transformarem nos belos exemplares que tantos poderão se deliciar com a leitura.

ARMÁRIO DE PALAVRAS é um belíssimo livro!!!! Um título poderoso!!! Capa delicada, forte e bela pela cor vermelha. Muito bem impresso e primorosamente acabado. A diagramação das crônicas desenhada ao modelo das grandes editoras, elucida para quem lê o que vai encontrar ali, posto que assinala sob o título da crônica o nome da pessoa ou de pessoas que aparecerão no texto, seja Shakespeare ou Zelinda Lima. Arabescos emolduram o número das páginas excluindo assim, a frieza comum à paginação dos livros.

A ilustração da capa insinua a beleza de sua escrita, que frequentemente aparece melancólica como a tela do A. Parreiras e, para quem já conhece as crônicas lembra o que é trazido de suas andanças pela fazenda Sumaúma de sua mocidade.

A escrita de Joaquim Itapary é leve e bela. Nela, também percebemos a sensibilidade para a realidade permeando o texto como na crônica “Não nos conhecemos” (p. 123). Relembra como as escolas que frequentamos na adolescência nos obrigava a decorar nomes de rios estrangeiros (Nilo, Yangtsé, Mississipi) e nenhum exercício que nos levasse, a saber, sobre o rio Mearim ou mesmo o Itapecuru, que me viu nascer... Ao final, apóia a iniciativa da Academia Maranhense de Letras sobre a “reedição de importantes livros sobre o Maranhão ou de autores maranhenses.”

Na crônica “Sim, é triste o mar” (p. 89)é de prestar atenção à sua descrição sobre o vôo dos guarás...” Não raro, as ondas vazam sobre a areia, rubras rêmiges primárias perdidas na muda por essas aves maravilhosas.” Sua escrita relata o que vê e o que lembra. Usando vocábulos corretos para cada tema, Itapary mostra que não titulou seu livro à toa. Ele guarda em sua memória prodigiosa um armário de palavras colhidas de seu hábito de leitura que na hora exata, pinça aquelas que dirão com clareza o que quer revelar. A erudição mesmo sorrateira aparece aqui e ali sem alardes.

Mais, vê o mar com melancolia... “Mas é tão triste quanto à vastidão de sua beleza, porque encerra o liquefeito mistério do sal das lágrimas e o travo dos tormentos de quantos choraram a definitiva perda de nautas, marinheiros, pescadores e...poetas.”

O que dizer sobre a orelha de ARMÁRIO DE PALAVRAS? Arlete Nogueira da Cruz Machado escreve com palavras vivas o que realmente é a linguagem e o estilo de Joaquim Itapary – “Sua crônica, irreverente, liberta e libertária, cerca-se às vezes de uma ironia refinada e devastadora. Mas, o que é melhor, há um incomum valor na forma de dizer; amiúde, sua linguagem arma-se de inefável beleza, valor indispensável para fazer fruir a emoção sem a qual toda arte nasce morta.”

Falar sobre ARMÁRIO DE PALAVRAS gastaria mais e mais páginas pois é grande o desejo de comentar cada crônica. Agora, quero apenas aludir o conforto intelectual que é ler a escrita de Joaquim Itapary. Apreciar seu estilo e com ele aprender sobre coisas da vida no campo, a vegetação, as frutas, os pássaros e ensaiar um outro olhar sobre nossa São Luís, posto que detalha com fluidez e poeticamente tudo o que possa vir de sua memória e de suas andanças pelas suas ruas, becos e ladeiras.

Em sua escrita, a delicadeza de tratar os assuntos (mesmo aqueles indigestos da política), o vocabulário erudito e irretocável, as estórias de sua infância, a visão amorosa e poética que tem desta cidade, a reverência aos amigos, os “causos” que ouviu, evidenciam que estamos diante de um cronista espetacular. Ave, Joaquim Itapary!

(São Luís, 14/05/2016)



 

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