(Divulgação)
COLUNA
Rogério Moreira Lima
Engenheiro e professor, foi coordenador Nacional da CCEEE/CONFEA e vice-presidente CREA-MA (2022). É membro da Academia Maranhense de Ciência e diretor de Inovação na Associação Brasileira de
Rogério Moreira Lima

Convergência Digital ou Divergência Profissional?

As telecomunicações nasceram da necessidade do ser humano se comunicar à distância, desde as centrais telefônicas eletromecânicas, passando pelas Centrais de Programa Armazenado, até chegar às Redes de Nova Geração.

Rogério Moreira Lima

As telecomunicações nasceram da necessidade do ser humano se comunicar à distância, desde as centrais telefônicas eletromecânicas, passando pelas Centrais de Programa Armazenado, até chegar às Redes de Nova Geração.

As Redes de Nova Geração supriram a convergência. Elas não apenas fornecem o transporte, como também telefonia e dados (vídeos, fotos, etc.). Porém, a necessidade se comunicar em movimento, a liberdade de não se estar mais preso a um telefone fixo avançou e começamos a nos libertar, tendo a comunicação a todo instante e local através da cobertura da telefonia móvel que utilizam, como elemento essencial, uma ERB (Estação Rádio Base).

Mas somente a liberdade de comunicação e acesso ao mundo digital não foram suficientes e fomos à banda larga móvel, provemos a conexão das pessoas através do 4G e, finalmente, o 5G, conectando as coisas e as pessoas as coisas. 

O processo de nos conectar ao mundo digital passou por migração tanto dos padrões de telefonia fixa quando móvel, todos no caminho da conexão IP (Protocolo Internet), e isso só foi possível devido a um grande avanço da eletrônica e da computação e a integração de ambos.

As telecomunicações são uma atividade profissional do campo da Engenharia de Telecomunicações, onde os Profissionais do Grupo Engenharia Modalidade Eletricista, Engenheiros,  com a devida atribuição do artigo 9º da Resolução nº 218/1973-CONFEA (amparo legal no art. 27 alínea (f) da Lei nº 5.194/1966), sendo atos privativos as atividades profissionais referentes ao planejamento, estudos, projetos, análises, avaliações, vistorias, perícias, pareceres e divulgação técnica, fiscalização de obras e serviços técnicos, direção de obras e serviços técnicos, execução de obras e serviços técnicos e produção técnica especializada industrial (art. 7° da Lei nº 5.194/1966).

Mas o porquê de as telecomunicações serem atividades características dos engenheiros se deve ao alto potencial lesivo quando estas atividades forem feitas por leigos ou quando ocorre má conduta profissional. Nestes casos, podem ocorrer danos coletivos, inclusive com vítimas fatais, a sociedade.

As telecomunicações, dependendo do tipo, uso de meios confinados ou sem fio, envolvem os três tipos ou algum pelo menos um destes riscos ao trabalhador: eletricidade, trabalho em altura e radiação não-ionizante. As famosas NRs (Normas Regulamentadoras) são elaboradas e periodicamente revisadas pelo Ministério do Trabalho através de suas comissões tripartites compostas por representantes do governo, empresas e trabalhadores, e para área de telecomunicações três se destacam: NR-10- Segurança em Instalações e Serviços de Eletricidade, NR-15- ANEXO 7- Radiações Não- Ionizantes, NR16- ANEXO 4 – Atividade e Operações Perigosas com Energia Elétrica, NR-21- Trabalho a Céu Aberto, NR-33- Segurança e Saúde nos Espaços nos Trabalho em Espaços Confinados, e NR-35 – Trabalho em Altura.

Desde a fabricação dos equipamentos de telecomunicações ao seu uso  nos sites e datacenter das operadoras de telecomunicações e provedores de internet, passam por atividades de projeto,  execução e manutenção tanto destes quanto suas instalações, inclusive de suas instalações elétricas com redundância a fim de garantir comunicação mesmo nas faltas de energia,  lembrado que choques elétricos a partir de 30 mA, ou seja, apenas 0,03A são suficientes para produzir fibrilação cardíaca, motivo pelo qual a NBR 5410 instituiu a obrigatoriedade do uso dispositivo diferencial residual para fugas a partir de 30 mA em 1997.

Configura-se aí um potencial lesivo nesta atividade. No caso específico do Maranhão, já temos casos de acidentes com vítimas fatais em redes de fibra ópticas compartilhadas nos postes da distribuidora de energia que iniciou uma investigação por determinação da Câmara Especializada de Engenharia Elétrica [2], após fato noticiado pela TV Mirante  [4],   culminando em um auto de infração por exercício ilegal, sendo este auto julgado e mantido pela Câmara Especializada de Engenharia Elétrica [3], com determinação de comunicação a ANATEL, ANEEL e Ministério público para as demais cominações legais. 

Os sistemas de comunicação sem fio emitem radiação não-ionizante que, embora não se tenha comprovado a correlação entre doenças cancerígenas e este tipo radiação, temos o efeito térmico, este reconhecido por normas e organismos internacionais, e, no caso do Brasil, a Agência Reguladora dos serviços de telecomunicações revogou a Resolução nº 303/2002- ANATEL, atualizando-a através da Resolução nº 700/2018-ANATEL que trata do tema.

Os trabalhadores que fazem manutenção destes sistemas irradiantes têm que ter atenção ao uso dos EPI para mitigar os riscos devido à proximidade dos sistemas irradiantes, pois a EIPR (potência efetiva irradiada), que leva em conta tanto a potência quanto o ganho da antena, expõem os trabalhadores a efeitos nocivos, tais como fotoenvelhecimento, queimaduras, cataratas, etc.

Embora os riscos sejam mínimos à população em geral, os trabalhadores ficam muito expostos pela proximidade destes sistemas expondo-os a níveis altos de potência, e por isso devem ter atenção ao uso dos EPIs.

A ERB (Estação Rádio Rase) usada em cobertura celular pelas operadoras de telecomunicações detentoras da licença do SMP (Serviço Móvel Pessoal) é um exemplo de atividade laboral relacionada ao risco do trabalho em altura.

As ERBs que usam as macrocélulas em cobertura outdoor estão, na maioria dos casos, na faixa entre 10m e 50m de altura, e com certeza expõem os trabalhadores aos riscos nesse tipo de atividade profissional.

O risco das atividades de telecomunicações com eletricidade, trabalho em altura e exposição à radiação não-ionizante demonstram a real percepção do risco que a atuação de leigos e maus profissionais podem acarretar à sociedade em tais atividades e por isso estão caracterizadas como atividades de engenheiros, conforme o art. 1º, alínea (b), da Lei n.º 5.194/1966.

A Ciência da Computação, por outro lado, trata das técnicas e métodos computacionais e suas aplicações tecnológicas. Os profissionais desta área desenvolvem softwares e aplicativos. Assim, a ciência da computação é uma atividade profissional não regulamentada, tanto que o art. 3º da Resolução 1100/2018-CONFEA deixa claro que as competências do Engenheiro de Software são sem prejuízo aos demais profissionais do Sistema CONFEA CREA e da área de computação.

Nossa Constituição expressa, em seu art. 5º, inciso XIII, que a regra geral é a liberdade do exercício profissional, salvo as regulamentações que a lei estabelecer. Assim, em atividades profissionais que o potencial lesivo está caracterizado, existe a regulação do exercício profissional com vistas à defesa e à proteção da sociedade.

A convergência digital que integrou as áreas de telecomunicações e computação e transformou nosso dispositivo móvel em um computador móvel portátil não pode gerar uma divergência e atritos entre profissões, visto que os aplicativos passaram a fazer parte da vida cotidiana do usuário, convergência digital sim, mas divergência profissional não!

Devemos ter em mente que a análise pelo modelo OSI ajuda na delimitação das atividades profissionais, pois as camadas 1 (física) e 2 (enlace) do modelo OSI são justamente onde tem ocorrido os sinistros,  com um aumento de 633,33% das mortes envolvendo trabalhadores de telecomunicações por choque elétrico nas redes de transmissão e distribuição de energia elétrica entre os anos de 2015 e 2023[1], denotando o potencial lesivo tanto aos profissionais, quanto à população em geral se forem feitas por leigos ou maus profissionais.

Assim, sempre que pensar na área tecnológica, basta refletir: a atividade envolve risco? Se a resposta a essa pergunta for sim, então tem necessidade do engenheiro.

 

Fontes:

[1] Anuário Estatístico de Acidentes Elétricos ano 2024-ano base 2023. ABRACOPEL

[2] Decisão nº 354/2020-C.E.E.E./CREA-MA

[3] Decisão nº 60/2022-C.E.E.E./CREA-MA,

[4] Homem morre eletrocutado na cidade de Santa Inês. JM 2ª Edição, disponível em https://globoplay.globo.com/v/8910897/

 

 

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