Só falta doar a alma
Junta de cientistas acaba de descobrir que os órgãos dos pobres são incompatíveis para os ricos.
Volta e meia surgem reportagens estimulando as doações, em si uma atitude de generosidade que só engrandece quem as pratica. O problema são as incompatibilidades.
Isso mesmo. Junta de cientistas acaba de descobrir que os órgãos dos pobres são incompatíveis para os ricos, por isso sugere que o potencial beneficiário rico pense duas vezes antes. A questão não é mais de desprendimento e generosidade, mas do que foi feito dos corpos dos pobres ao longo dos séculos.
Cabeça. A cabeça do pobre não serve para rico. É cheia de vazios ou, melhor dizendo, de buracos mesmo. Reais (porque mora em um) e imaginários (se não sonhar com um buraco prazeroso, vai sonhar com o quê?). Pobre não pensa no futuro e no passado e sempre acha que o presente é melhor esquecer, ao contrário dos ricos. Definitivamente, um rico não aguentaria por muito tempo a cabeça de um pobre em seu pescoço.
Pé. Todo pobre é pé-de-chinelo, portanto, pé suado e arrebentado, sofrido, de andar muito. Calça sandálias sem qualidade, depósitos de fungos e bicheiras. Não serve para circular em shopping centers de luxo nem para subir em transatlânticos rumo ao exterior. Para o rico o pé de um pobre nunca vai dar pé.
Sangue. O sangue do pobre é sangue-de-barata. É sangue que não transmite vibração, a não ser quando está dançando reggae, forró, ou apanhando da polícia. Jamais serviria para um rico que precisa possuir o sangue azul dos nobres e arrogantes.
Peito. O peito do pobre é peito aberto, se não for pela natureza cordial é por causa de bala perdida ou endereçada. É um peito incompatível com o organismo do rico que precisa ter o seu absolutamente fechado para as coisas que considera bobas, como solidariedade e honestidade.
Pele. A pele do pobre é pele-de-cordeiro, de animal manso e obediente. Já a pele do rico tem que ser no mínimo parecida com a pele de um leão, de casca grossa, própria para a ferocidade de atacar quando põe a mão na grana dos mais humildes.
Olho. O olho do pobre conduz um olhar pedinte, subserviente, que só aumenta de tamanho quando leva um susto. Jamais se adaptaria às órbitas do olho de um rico, que precisa ter o olho- grande para se dar bem.
Enfim, os cientistas descobriram que o pobre não serve mais nem para DOADOR. Está mais para doa-dor do que para doador. Só falta agora que doem as almas.
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