Reportagem especial

Em cinco anos, mais de 300 casos de importunação sexual contra mulheres são registrados na Grande São Luís

Denúncia dos casos de importunação sexual permite que as autoridades investiguem e responsabilizem os agressores, contribuindo para a busca por justiça.

Adriano Soares e Cíntia Araújo / Imirante.com*

Atualizada em 31/05/2023 às 15h59
24 registros de ocorrências de importunação sexual foram registrados na Grande Ilha, somente neste ano. Foto: André Nadler/ Imirante
24 registros de ocorrências de importunação sexual foram registrados na Grande Ilha, somente neste ano. Foto: André Nadler/ Imirante

SÃO LUÍS - Medo, impotência e revolta, esses são alguns dos sentimentos compartilhados por mulheres que diariamente sofrem importunação sexual no Brasil. Essa conduta criminosa – que acontece em locais públicos, meios de transportes, festas e outros ambientes – é considerada uma violação de direitos, pois afeta diretamente a dignidade e a intimidade da pessoa que sofre o abuso.

De 2018 até maio deste ano, foram registrados mais de 300 casos de importunação sexual contra mulheres somente na Grande São Luís. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública do Maranhão.

Em um desses caos, foi o da estudante de nutrição Fernanda Mota, que em agosto de 2021, então com 20 anos, foi vítima de importunação sexual dentro de um ônibus coletivo, em São Luís, no trajeto para a faculdade.

“Um homem que subiu junto comigo ficou atrás de mim e ficou lá. Após umas pessoas saírem, eu fui um pouco ‘pro’ lado e ele me prendeu, ficando com as duas mãos entre mim. Então fui me saindo e indo ‘pro’ lado, mas na minha, sem falar nada mas super assustada, porém com medo de falar algo e ele vir ‘pra’ cima de mim ou algo do tipo”, disse Fernanda.

Fernanda disse, também, que uma passageira do coletivo viu a situação e começou a gritar com o homem, pedindo para ele se afastar da vítima. Ele negou o assédio a jovem dizendo que a mulher estava louca. “Após a reação dela, me senti confortável ‘pra’ sair do lado dele e ir ‘pra’ outro lado”, desabafou a estudante.

Dois anos após o ocorrido, Fernanda Mota ainda relembra com medo da situação em que viveu. Ao Imirante.com, ela explica que fez um boletim de ocorrência, na tentativa de conseguir justiça para o caso, mas, infelizmente, nada foi resolvido. 

“Fui chamada pra depor e fazer um retrato falado do assediador mas já tinha passado muito tempo e já tinha apagado da memória a imagem dele”, diz.

A estudante conta que desde então, ela não andou mais de ônibus, mas que sofre mesmo andando na rua e ainda é assediada por homens que passam, geralmente, em carros buzinando ou até mesmo, assobiando.

“O alerta que eu dou é que elas estejam sempre atentas e não se sintam impotentes, como eu me senti. Se acontecer, que grite, peça ajuda e principalmente, denuncie”, afirma.

Trauma que Valéria* (nome fictício criado para manter a identidade da vítima preservada) também viveu dentro de um ônibus que faz o transporte de passageiros de São Luís. Ao Imirante.com, ela conta que sentada em das cadeiras ao lado da janela quando, de repente, um homem que estava sentado na cadeira ao lado da dela, passou a mão em suas pernas duas vezes durante a viagem sem seu consentimento. Na ocasião, muito nervosa sua única reação foi de se levantar e descer do coletivo. Um trauma que ela guarda até hoje.

Outro relato que o Imirante.com teve acesso foi o de Vanessa* (nome fictício criado para manter a identidade da vítima preservada). Ela conta que pé num ônibus lotado e um cara ficou roçando, esfregando o pênis dele na bunda dela. Isso três vezes, até que a mesma percebeu a saliência e gritou. O cara chegou a dizer q era mentira e desceu do ônibus. Hoje ela afirma que medo de entrar em ônibus lotado. 

Casos como o de Vanessa e Valéria acabam entrando na estatística de substantificação, uma vez que as vítimas não procuraram uma delegacia para fazer a denúncia. Muitas mulheres não fazem a denúncia por medo e vergonha.

Medo que gera ação

Diariamente, dezenas de mulheres procuram a Casa da Mulher Brasileira em São Luís, um órgão estadual especializado em atendimentos de mulheres vítima de violência doméstica e familiar. São diversos relatos de mulheres fragilizadas por casos de abuso sexual, importunação sexual, estupro e violência. 

Somente em 2023, 24 registros de ocorrências de importunação sexual foram registrados de acordo com a SSP-MA. Dentre esses registros, a maioria acontece em locais.

A delegada Kazumi Tanaka, da Casa da Mulher Brasileira de São Luís, conta que os relatos mais corriqueiros que chegam à delegacia são de mulheres que estão dentro dos ônibus e que são surpreendidas por homens que chegam até mesmo a ejacular nas vítimas. Segundo Kazumi, não é possível identificar quais são os principais trajetos e linhas em que casos de importunação sexual mais acontecem dentro dos ônibus da capital maranhense.

O medo de denunciar aumenta os casos de subnotificação destes crimes. Foto: André Nadler/ Imirante
O medo de denunciar aumenta os casos de subnotificação destes crimes. Foto: André Nadler/ Imirante

Subnotificação

Ainda de acordo com a delegada, há ainda o problema da subnotificação. Muitas mulheres vítimas de importunação sexual, por medo, vergonha e sensação de impunidade, acabam não denunciando as violências sofridas dentro de ônibus do transporte coletivo ou em outros espaços. Entretanto, a denúncia permite que as autoridades investiguem e responsabilizem os agressores, contribuindo para a busca por justiça.

Ao denunciar, as mulheres ajudam a prevenir futuros casos de importunação sexual, rompendo, assim, o ciclo da impunidade. Ao relatar, as mulheres podem acessar apoio jurídico, serviços de aconselhamento emocional e outras formas de assistência, que, no caso de São Luís e Região Metropolitana, são oferecidos na Casa da Mulher Brasileira, situada no bairro Jaracati. A unidade funciona 24 horas por dia e sete dias por semana.

Casa da Mulher Brasileira, em São Luís. Foto: Divulgação.
Casa da Mulher Brasileira, em São Luís. Foto: Divulgação.

A Casa da Mulher Brasileira é uma inovação no atendimento humanizado às mulheres. Integra no mesmo espaço serviços especializados para os mais diversos tipos de violência contra as mulheres: acolhimento e triagem; apoio psicossocial; delegacia; Juizado; Ministério Público, Defensoria Pública; promoção de autonomia econômica; cuidado das crianças – brinquedoteca; alojamento de passagem e central de transportes.

“No caso da importunação sexual, nós temos um número até bem considerado, dado que esse crime foi introduzido na nossa legislação em 2018, mas pelo pouco tempo que a lei está vigorando, a gente já vê um número cada vez mais interessante de mulheres que passam por esse tipo de situação e quem vêm a delegacia comunicar. Isso também é fruto a grande divulgação que nós fazemos. E não falo apenas nós da delegacia, da Casa da Mulher Brasileira, mas, também, que a própria imprensa faz. Então, quanto mais se fala de que aquela situação é importunação sexual, de que ela (a mulher) deve denunciar, de que as pessoas têm que se movimentar e dar o apoio pra ela, mais as situações aparecem e a mulher é estimulada a buscar os organismos de defesa da mulher”, afirma a delegada Kazuni Tanaka.

 

Casos de importunação sexual na Grande São Luís

De acordo com um levantamento realizado pela Polícia Civil do Maranhão (PC-MA) e obtido com exclusividade pelo Imirante.com, de 2018 a março de 2023, foram registrados 314 casos de importunação sexual na Grande Ilha, que compreende os municípios de São Luís, São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa.

A sociologia reconhece a importunação sexual como um fenômeno social complexo, como uma manifestação fruto da desigualdade de gênero e das relações de poder desequilibradas entre homens e mulheres, influenciada pelas normas culturais e expectativas socialmente construídas.

Entenda a diferença entre assédio, importunação sexual e estupro
 


Lei da Importunação Sexual

Sancionada em 24 de setembro de 2018, a Lei da Importunação Sexual (13.718), conhecida como LIS, alterou o Código Penal. Assim, tipificou e criminalizou comportamentos como cantadas invasivas, beijar sem consentimento, entre outras condutas abusivas.

O crime se manifesta em espaço público, sem uso de força ou hierarquia entre vítima e agressor.

A lei também criminaliza o ato de ejacular em uma pessoa dentro de transportes e espaços públicos. Este ainda pode configurar estupro dependendo das circunstâncias, como utilização de força para imobilizar a vítima, por exemplo.

A denúncia destes crimes pode ser feita através do 190 ou do site da Delegacia Online do Maranhão (delegaciaonline.ssp.ma.gov.br). O site também disponibiliza ferramentas para o pedido de medida protetiva e a denúncia de violência contra a mulher. Na grande São Luís, as mulheres também podem denunciar por meio do aplicativo Salve Maria Maranhão. O usuário, ao baixar o aplicativo em seu celular, deverá preencher com dados pessoais, onde poderá acionar, em caso de urgência, um botão de segurança. O dispositivo que vai gerar ocorrência, com a localização em que foi acionado, de forma imediata, para o atendimento no 190 (CIOPS).

Até o momento o App está disponível apenas para Androide porém ele já está passando por expansão para ser disponibilizado para IOS e em outras regiões do Maranhão.


*Esta reportagem contou com apoio de mentoria do curso Jornalismo Investigativo da Abraji.
 

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