(Divulgação)

COLUNA

Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

Jacquard e Turing

Relembramos a história do computador e seus grandes criadores.

Allan Kardec

Atualizada em 02/05/2023 às 23h39
 
 

Quando entrei na faculdade, os monitores eram grandes e pesados. Talvez o primeiro ao qual eu me apresentei, tinha uma tela verde, com pouca definição. Mas eu estava claramente animado de fazer uma das mais saborosas disciplinas da engenharia, que era “cálculo numérico”. Basicamente, ela se constitui de traduzir as equações que escrevemos no papel para o computador. E dá certo – ao contrário de minhas suspeitas iniciais.

Meus professores falavam que nossa tecnologia era bastante superior porque, ao contrário da época deles, a gente fazia a programação no teclado, sem precisar de um tal “cartão perfurado”. Talvez algo bem parecido com eles sejam os cartões de loterias e apostas, como a Mega Sena: você preenche e a máquina lê.

Interessante que essa história começa com Joseph Marie Jacquard, filho de tecelões que, inicialmente, não gostava do seu trabalho como desenhista no negócio do pai. Assim que teve a oportunidade, abandonou a tecelagem para se tornar encadernador de livros. Entretanto, com a morte do genitor em 1772, Joseph Marie teve que assumir a tecelaria herdada, mas não teve muito sucesso em sua gestão.

A partir de sua experiência como encadernador, Joseph Marie percebeu que a tarefa do tecelão era repetitiva por natureza e ideal para ser mecanizada. Ele, então, decidiu se dedicar ao desenvolvimento de técnicas para automatizar o processo de fabricação, em vez de se preocupar apenas com o lucro da produção. Mas esse empreendimento levou-o a sérias dificuldades financeiras.

Os problemas de Joseph Marie eram pequenos comparados aos que surgiram em 1789 com a Revolução Francesa. Lyon era uma cidade leal aos monarquistas e defendia o “ancien régime”. Por isso, em 1793, foi cruelmente destruída. Joseph Marie, que havia sido membro de um regimento monarquista e perdido um filho em ação, teve que fugir e só pôde voltar para sua cidade natal dois anos depois.

No final do século 18, com a economia da França seriamente abalada pelos anos de luta, Napoleão Bonaparte estava empenhado em reconstruir o país e soube dos trabalhos de Jacquard em busca de um processo de mecanização dos teares. Com o patrocínio do governo, Joseph continuou suas pesquisas no “Conservatoire des arts et métiers”.

Joseph Marie finalmente concebeu o primeiro tear programável da história, o “Tear de Jacquard”! Esse artefato pioneiro usava cartões perfurados como dispositivos de entrada e armazenamento de programas. Maravilha de um lado, problema de outro. Teares de Jacquard foram destruídos por tecelões em Lyon que se rebelaram contra a novidade. Mas isso não impediu que a invenção se disseminasse pela França e Inglaterra, que pelejavam pela liderança industrial.

Estava criado o primeiro computador do mundo! Mas quem carregaria o epíteto de “pai da computação” seria o londrino Alan Turing, pelas suas contribuições extraordinárias para a área, como a “máquina de Turing” ou o famoso “teste de Turing”.

Em 1950, Turing publicou um artigo que discutia a capacidade das máquinas de pensarem e serem inteligentes. Ele começa o artigo com a seguinte questão: "As máquinas podem pensar?", mas reconhece que o processo de pensar é difícil de definir, então ele reformula a pergunta para "Podemos imaginar um computador que possa imitar com sucesso uma pessoa em uma conversa?"

O filme “O Jogo da imitação”, lançado em 2014, foi um grande sucesso e recebeu oito indicações ao Oscar. O enredo retrata a vida de Alan e um de seus feitos mais notáveis: a quebra da criptografia da máquina Enigma. Durante a Segunda Guerra Mundial, os alemães utilizavam a Enigma, uma máquina eletromecânica de criptografia, para codificar suas mensagens e evitar que os Aliados obtivessem informações em caso de interceptação. Essa decriptação foi crucial para o fim da guerra em 1945, uma vez que proporcionou a obtenção de informações valiosíssimas.

Mesmo com sua brilhante trajetória, Turing foi vítima de perseguição por sua orientação sexual na Inglaterra, o que resultou em sua condenação, prisão e punições severas. Infelizmente, esse é um exemplo da discriminação que muitas pessoas LGBT enfrentaram ao longo da história. Turing foi submetido a um tratamento cruel, sendo quimicamente castrado e impedido de trabalhar e de entrar nos EUA.

É simbólico e importante encerrar este texto lembrando que o Tear de Jacquard foi destruído enquanto Turing foi cruelmente perseguido, apesar de os dois terem revolucionado o mundo! A inteligência paga caro por enxergar longe. Neste momento, lembro dos avanços extraordinários da inteligência artificial, como o ChatGPT, que vem acompanhado de medo e críticas. Cartas e protestos. O que mais vem aí? Como serão tratadas as novas tecnologias?

* Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.

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