(Divulgação)

COLUNA

Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

A banalidade da pobreza

Elaboramos um pouco sobre a necessidade do desenvolvimento do Arco Norte do Brasil e o combate à pobreza.

Allan Kardec

Atualizada em 02/05/2023 às 23h39
 
 

Ontem assisti, pela enésima vez, à “Operação final”, na Netflix. O filme é baseado em uma história real em que uma equipe liderada por Peter Malkin, do Mossad — o serviço secreto de Israel — vai à caça do oficial mais temido de Hitler: Adolf Eichmann.

O enredo mostra o criminoso já morando na Argentina, para onde fugiu a fim de se livrar do julgamento por ter sido o principal responsável pela “Solução final”, ou seja, pelo genocídio de judeus nos Campos de Concentração. Eichmann se passa por um cidadão qualquer, que pega ônibus e vai para o trabalho diariamente, vivendo pacificamente em uma casa isolada.

No fundo, a película é inspirada no trabalho da filósofa Hannah Arendt. Ela foi para Jerusalém a fim de acompanhar o julgamento do facínora, como repórter da revista The New Yorker. No entanto, a escritora – que era judia - chegou à conclusão de que não havia nada em especial a se contar: Adolf era um sujeito qualquer, com aspirações e necessidades de qualquer outro.

Arendt relatou o que apurou nas páginas de um de seus livros, hoje um clássico, “Eichmann em Jerusalém”, publicado dois anos depois do veredito que condenou o médico à forca, em 1961. Nele, a filósofa mostra que ele se defendia dizendo que estava apenas cumprindo ordens. A pergunta que a compele era: o que teria levado um homem comum a se tornar um dos maiores expoentes do nazismo na Alemanha de Adolf Hitler?

Na obra, a filósofa propõe que, devido à massificação da sociedade, criou-se uma multidão incapaz de fazer julgamentos morais, razão que explica por que indivíduos aceitam e cumprem ordens sem questionar. Eichmann não é retratado por ela como um monstro, mas apenas como um burocrata zeloso que foi incapaz de resistir às ordens que recebeu. O mal se torna trivial e, dessa forma, a estudiosa cunha o termo “banalidade do mal”.

Hoje aconteceria o mesmo? Em que momento a sociedade se torna insensível a certas pautas? Uma indiferença que beira a indecência! Não podemos esquecer que há menos de dois séculos escravos caminhavam pelas ruas de São Luís. Em particular, quando vou ao Centro Histórico, lembro os “tigres” que eram os homens com as costas marcadas pela amônia que escorria dos baldes das urinas e fezes dos senhores que eles levavam para despejar no mar. 

Vamos falar também do outro lado humano. Steven Pinker, psicólogo de destaque e diretor do Centro de Neurociência Cognitiva do MIT, defende em seu livro “Os anjos bons da nossa natureza” que, nos últimos dois séculos, a violência do mundo diminuiu sensivelmente. Ele mostra, com números, que o que percebemos sobre a violência é constituído por um senso comum incompatível com as estatísticas.

De um lado, Arendt chamou a nossa atenção à massificação da indiferença moral da sociedade, enquanto Pinker mostrou a massificação do discurso sem fundamento na realidade fática. Ou seja, em sociedades de massa, vivemos de discursos e narrativas que não são ancorados nem nos fatos nem na realidade.

E a fome? A miséria? pobreza? Agora mesmo, o Brasil e, em particular, a região que chamamos de Arco Norte, ou seja, toda a área ao norte de Brasília, tem uma oportunidade extraordinária pela frente: a Margem Equatorial do Brasil (MEQ) – a segunda maior fronteira exploratória do planeta! E qual o debate, ou melhor, a narrativa que está sendo imposta? A defesa do Norte e Nordeste? O amparo ao pobre? O combate à fome?

Vamos apertar o botão de pausa. Imagine o Rio de Janeiro sem o petróleo. Ou o Brasil sem o óleo do Pré Sal. Vou ajudar. Segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em 2022, aquele Estado recebeu, em royalties, R$ 12,8 bilhões (repito, bilhões!) de reais. Já os municípios, o total de R$ 14,5 bilhões, com destaque para Maricá (R$ 2,5 bilhões), Macaé (R$ 1,4 bilhões), Niterói (R$ 1,1 bilhões) e Saquarema (R$ 1,9 bilhões). Total para o Rio de Janeiro: R$ 27,3 bilhões.

Falemos do Brasil, ou melhor, da União. Ela levou R$ 8,5 bilhões para educação e saúde, R$ 6,3 bilhões para o Fundo Social, R$ 5,0 bilhões para o Fundo Especial, R$ 1,7 bilhões para o Comando da Marinha e R$ 1,2 bilhões para Ciência e Tecnologia. Total: R$ 22,8 bilhões para a União! Revise, por favor, estes últimos números e imaginemos o que seria do SUS (saúde), por exemplo, ou o FUNDEB (educação), sem o petróleo do Rio de Janeiro.

Voltemos à pergunta: qual a narrativa que está se impondo? Que “pode haver vazamento”. Alguém teve o cuidado de olhar os números? Sim, porque o Brasil tem uma das legislações mais rígidas do planeta para a área de petróleo. Pois é, nunca (repito, nunca!) houve vazamento de petróleo no Brasil na fase de exploração – que é o período de testes para saber se vale a pena fazer investimento.

A Margem Equatorial faz parte do litoral dos estados do Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão, Pará e Amapá. Quer saber a receita total desses estados no mesmo período de 2022? R$ 408 milhões (sim! Milhões!). A maior foi a do Rio Grande do Norte, com R$ 318 milhões. Sabe quais estados receberam zero royalties, nesse ínterim? Três: Amapá, Pará e Piauí. São estados ricos?

Os especialistas nos chamam a nós aqui do Arco Norte, que não temos acesso nem voz às decisões nacionais sobre nosso próprio futuro, de “excluídos da energia”. De certa forma, a mim me parece que, a partir dos discursos que vejo na mídia diariamente, moramos ou na Noruega ou na Alemanha e não em bolsões de pobreza, miséria e fome. Creio que, no fundo, os brasileiros somos testemunhas da banalidade da pobreza!

*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.

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