(Divulgação)

COLUNA

Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

Lugar de fala

Uma crônica sobre a necessidade inserção do Norte e Nordeste no mundo da energia.

Alla Kardec

Atualizada em 02/05/2023 às 23h38
 
 

Debulhar o trigo

Recolher cada bago do trigo

Forjar no trigo o milagre do pão

E se fartar de pão   

A pintura estampada nas linhas acima é dos oitentões Chico Buarque e Milton Nascimento. Este último fez um show antológico na semana passada, em BH, na sua despedida dos palcos. Aliás, de uma beleza oriental a parada estratégica e apoteótica. Elis Regina teria dito que "se Deus cantasse, teria a voz de Milton Nascimento".

Em semana da COP27, estive em Belém, no PDPETRO, que é o Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Petróleo e Gás. Lá estavam professores, pesquisadores e estudantes de todo o Brasil, além da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que apresentavam seus últimos resultados e discutiam caminhos para o nosso país. Que fazer? 

Gostaria de dividir com você, leitor, o que sugeri quando convidado a falar. Obviamente não tenho a intenção de convencer ninguém, mesmo porque falei aos colegas que havia uma premissa essencial: a tarefa é de todos e o caminho tem de ser encontrado coletivamente, com debates, discussões, trabalho e, principalmente, conhecimento e sensibilidade.

No trajeto do meu para o hotel do evento, fui a pé. No caminho, a beleza da cidade centenária, agitação e comércios. E, como acontece em várias capitais, gente nas calçadas, mendigos e pedintes. Fiz minha primeira pergunta: como tirar esses brasileiros da rua e dar alguma dignidade? E a seguinte, já que minha fala a seguir exigia: uma vez libertos da miséria, que tipo de energia esses cidadãos consumirão?

Os estudiosos reiteram que há uma relação direta entre consumo de energia e desenvolvimento de um país. Basta observar a figura que estampa o início desta crônica. Olhe, por favor, os países que pouco consomem energia e seu PIB, assim como seu contrário. Neste momento, atingimos 8 bilhões de pessoas no planeta, segundo a ONU, mas há 800 milhões, segundo esse mesmo órgão, que estão abaixo da linha da extrema pobreza, ou seja, ganham menos de R$ 10 reais por dia. Qual o caminho para inclusão? 

Comecei minha fala no evento lembrando que vivemos uma crise mundial de energia, com a Europa completamente dependente dos países que fornecerão petróleo, gás ou mesmo carvão para sobreviver ao inverno que se iniciou. Recordemos que aquele continente não é autossuficiente em qualquer tipo de energia. Nesta semana, os jornais noticiaram que a escassez energética os obrigou a procurar a Venezuela, de Nicolas Maduro, que vinha sendo isolada pelo Ocidente há mais de uma década! Em seu favor, Emmanuel Macron, o presidente francês afirmou que seu país precisava de “diversificação das fontes de abastecimento de petróleo”. Isso significa o quê?

Aqui cabe acrescentar mais uma pergunta: nas próximas décadas, de que lado o Brasil quer estar? Dos que possuem segurança energética ou dos que dependem dela? Mais outra: para onde vai o Brasil, se decidir continuar ser autossuficiente em energia ou mesmo exportador? Dados da ANP mostram que as reservas de petróleo do Brasil cresceram em uma taxa constante até 2013. Depois começaram a cair. Não existe reserva infinita e obviamente o Pré Sal mostra sinais de esgotamento em termo de óleo.

O mesmo não acontece, no entanto, com o gás. O país inteiro tem reservas para suportar algumas décadas, talvez mesmo mais um século. As diversas bacias sedimentares aparentam ter capacidade de saciar a sede brasileira por energia. Com uma matéria prima que é hoje reconhecida, pela própria União Europeia, como limpa. O gás é a transição da transição!

Esse caminho, tampouco, é fácil. Depende de decisões que expus acima, do que os brasileiros querem, se o país quer continuar sendo autossuficiente. Se for positiva a resposta, tem de aumentar o conhecimento de suas bacias sedimentares e, igualmente, organizar suas redes de distribuição, ou gasodutos. Hoje, como era de se esperar, eles estão concentrados quase que inteiramente abaixo do Paralelo 16: todos abaixo de Brasília. Mais uma pergunta: distribuiremos gás barato para todo o país ou só para os que já têm gasodutos?

Hoje a maior fronteira exploratória do planeta de petróleo e gás está no Norte e Nordeste: a Margem Equatorial (MEQ), no litoral do Amapá, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte. Você sabe se tem petróleo ou gás nela? Pois é, ninguém sabe. Perguntei aos especialistas lá em Belém: queremos conhecê-la? Se a resposta for não, qual a opção para atender a região Norte, com quase 20 milhões e o Nordeste com outros 60 milhões de pessoas?

Quando o jornalista do Valor Econômico me ligou querendo saber minha opinião sobre a MEQ, externei um desejo coletivo: o Norte e o Nordeste queremos ser ouvidos. Não temos problemas em ter pessoas que decidam, a partir de Brasília ou Rio de Janeiro, o que acontecerá em nossas terras ou em nossos mares. Eles são competentes. Mas o farão sem nos ouvir?

Neste momento, lembro de minha avó, Zelinda, de Barra do Corda. Quando nasci, ela já pintava seus cabelos longos e deixava claro a nossa ascendência indígena, o que também lembrava meus amigos Guajajara de Grajaú, com quem brinquei a infância inteira. andando na mata entre os pés de pequi, bacuri ou mutamba ou nadando, tentando atravessar o rio em um único fôlego.

Ora, quem nunca comeu cupuaçu, como vai saber do seu gosto ou o seu perfume? Conhecer e não saber ainda é não conhecer – como diria o epíteto oriental! Eu não conhecia amora até provar... Quais os benefícios da erva cidreira ou do chá de boldo? Quais suas propriedades químicas que podemos potencializar para se tornarem remédios melhores? Quem conhece esses chás secularmente? Alguém responderia sozinho a tantas perguntas?? Não necessitaríamos do cientista conversando com um local? Por que na área de energia seria diferente? Para uma tarefa dessa envergadura, quem decide? Um técnico sozinho ou uma equipe?

A beleza da criação, da alegria de ouvir o choro do bebê pedindo comida está nas entranhas da Humanidade, de sermos uma espécie capaz de amar! O conhecimento científico é um braço amigo para afagar o mundo, o próximo! Nos ajudar! Isso me recorda um vídeo que vi, de um nanorobô ajudando um espermatozoide preguiçoso a fecundar um óvulo. Compartilho com você abaixo.

Afagar a terra

Conhecer os desejos da terra

Cio da terra, propícia estação

E fecundar o chão

*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.

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