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COLUNA

Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

A China

Breves notas sobre como o Maranhão pode se integrar à Rota da Seda.

Allan Kardec

Atualizada em 02/05/2023 às 23h38
 
 

Retorno algumas décadas e busco, por entre as páginas viradas de minha pouca memória, os anos a fio em que estudei História – que em geral se dividia em História do Brasil e História Geral. Do que lembro, tanto uma como a outra é sobre a Europa Ocidental. Nunca soube nada sobre a África, por exemplo. Quem são meus ascendentes africanos, de que países eles vieram? Ou sobre os índios! Sobre estes últimos, aprendi algo graças uma larga convivência na infância com meus queridos amigos Guajajara, em Grajaú – nas aldeias, nas matas ou nos rios. Ou nas saborosas memórias de Yves D’Évreux sobre o Maranhão de 1613 e 1614.

Lembro de um dos professores que nunca esqueci. Voltaire. Quase tão sarcástico quanto o original francês. Falava da invasão da Península Ibérica pelos árabes e repetia, em quase todas as aulas “os bárbaros que não eram bárbaros!” Todos sabemos da exuberante contribuição árabe para Portugal e Espanha em diversos conhecimentos, como em matemática ou arquitetura.

Só depois de passar pela escola é que fui entender o quão superficial eram os conhecimentos que nos repassavam sobre a famosa região de Al-Andalus, que é como os árabes chamavam a Península Ibérica durante sua dominação por mais de 700 anos.

Por exemplo, o sábio Abbas Ibn Firnas é absolutamente desconhecido dos estudantes. Ele projetou relógios de água, inventou um meio de fabricar vidro incolor – baixando extraordinariamente o preço dessa matéria, inventou uma cadeia de anéis que poderiam ser usados para simular os movimentos dos planetas e estrelas e desenvolveu um processo para cortar cristal de rocha que permitia que Al-Andalus deixasse de exportar quartzo para o Egito.  Também, antes de Leonardo da Vinci, fez um projeto para o homem voar e os relatos contam que conseguiu.

Creio que os programas de História Geral tenham mudado algo nos anos recentes. Mas será que já incluíram a Hungria, Croácia ou Rússia? Dinamarca, Suécia ou Noruega? Pensando aqui na possível trajetória de Marco Polo - quais as informações que hoje são repassadas a nossos estudantes sobre a Mongólia, China ou Vietnã? Morei quase uma década no Japão, mas além da língua tive de estudar a História daquela país. Afinal, como se aprende língua sem cultura? E cultura sem História?

Só para ilustrar: diferente do português, o japonês se fala com o verbo no final. Eu passei uns dois anos para ter uma certa fluência, mas o que me confundia era quando a frase tinha de vir com dois, como em “Maria disse que José vai a praia”. Demorou para eu saber onde colocar os verbos “dizer” e “ir” apropriadamente. Ah, quase esquecia o principal: a conjugação, em vez de ser pelo pronome como eu, tu, ele, etc, é de acordo com a hierarquia. Eu falo com meu professor usando uma conjugação e ele me trata com outra conjugação. Afinal, naquela cultura, respeito é fundamental assim como solidariedade e cooperação.

Falo isso tudo para contextualizar uma pergunta que me faço há alguns anos: como analisar um país cuja cultura e História são absolutamente diversas da nossa, sem se integrar àquele povo? Mais especificamente: a nossa formação nacional, política e religiosa é fundamentada na filosofia de Aristóteles. Que, aliás, é chamado de “Pai da Filosofia”, como se não houvesse pensamentos completamente diversos e mais antigos do que os dele. Os Vedas, na Índia, por exemplo.

Todas as vezes que visitei a China e convivi com aquele amável povo, tive uma vívida impressão que eles são muito parecidos com os japoneses. Talvez porque ambos tenham suas filosofias baseadas no confucionismo. Confúcio, como os outros estudiosos, buscava o Tao. E nessa procura, organizou, nos idos de 500 a.C., uma filosofia largamente pragmática para harmonia entre as pessoas, em que basicamente cada um cumpre seu dever.

Eu não sou versado nem em Filosofia nem em História. Aliás, o Zen Budismo sugere que você tenha sempre a cabeça de estudante, já que o professor já sabe de tudo... Pois bem, o que sempre pergunto a meus colegas conhecedores é como podemos analisar a China sem levar em consideração o confucionismo. Ou o budismo.

Talvez com o perigo de super simplificação, eu diria que a filosofia aristotélica é dualista, aborda o mundo onde existe um “sujeito” e um “objeto”, em posições conflitantes. Já as filosofias de sabor oriental são fundamentalmente monistas. Alguns hinduístas, por exemplo, defendem que não existe diferença entre o eu e o outro. Um bom exemplo é aquela figura do Ying e Yang que se integram e não podem ser divididos. Somos um!

Complicado, não? Também acho! Ainda assim, o maior volume de nossa balança comercial é com a China, e já que queremos fazer mais negócios com aquele país, como devemos proceder sem conflitar? Aliás, outro livro saborosíssimo é o “Sobre a China” de Henry Kissinger. Ele foi conselheiro de relações exteriores de vários presidentes americanos, e conta toda essa ascensão da China até a exuberância de hoje. Com uma diferença: fala em primeira pessoa, como participante da História. Elias Jabour também estuda profundamente essa China de hoje, e como ela continua, por exemplo, surpreendendo o mundo investindo fortemente em tecnologia e acabando com a pobreza, ao mesmo tempo. 

Quem esteve aqui esta semana foi o Professor Paul Lee, da Universidade de Zhejiang, especialista em logística e Rota da Seda. Conversou, discutiu, debateu e dialogou com muita gente, se aprofundando nas relações bilaterais ou dando dicas importantes. “Não se fecha negócios na primeira rodada”. “Chinês gosta do olho no olho”. “O senhor é fundamental para garantir que o Maranhão participe da Rota da Seda” – disse ele para o ex-presidente José Sarney, em uma conversa que o acompanhei com o ex-Governador José Reinaldo Tavares. E completou “a China nunca esquece a História! E aquele país relembra sua relação com Deng Xiaoping”.

O Maranhão tem o exuberante Porto do Itaqui e um condomínio de portos extraordinário – Ponta da Madeira, São Luís e Alcântara. Por exemplo, como vamos concorrer com a Austrália em minério de ferro? Resposta: 1. Aproveitar a geopolítica! O Brasil tem de se colocar soberanamente no cenário internacional, em vez de tentar integrar um projeto ocidental; 2. Desenvolver os “corredores verdes” em que os navios teriam política de carbono zero, como hoje ocorre entre os Portos de Los Angeles e Xangai. Afinal, emissão de poluentes entra na equação dos grandes órgãos financiadores hoje.

 A China tem cinco políticas de segurança: alimentar, energética, matérias primas, cadeia de manutenção e tecnologias disruptivas. O Maranhão tem condições de trabalhar algumas delas para garantir mais comércio com aquele país. Afinal, Henry Kissinger relembrou que historicamente a China não tem política de invadir países, preferindo manter-se entre suas belas muralhas, nos últimos milênios. Mas a ela interessa os negócios. Ao Maranhão também. 

*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.

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