Orgulho LGBTQIA+

Preconceito e emprego: os desafios de pessoas trans em ambiente de trabalho no Maranhão

Junho é o mês do Orgulho LGBTQIA+; o Brasil tem cerca de 3 milhões de pessoas trans.

Neto Cordeiro/Imirante.com

Atualizada em 24/01/2023 às 07h31

SÃO LUÍS – Quantos dos seus colegas de trabalho são transexuais, transgêneros ou travestis? Ou quantos funcionários da sua empresa são pessoas trans? Neste mês do Orgulho LGBTQIA+, o Imirante conversou com um homem trans e duas mulheres trans sobre a inserção deles no mercado de trabalho e o preconceito.

A secretária e recepcionista Samantha Martins, que é também vice-presidente da Associação Maranhense de Travestis e Transexuais (Amattra), a jornalista e assessora de Comunicação Lohanna Pausini e o servidor público e analista de Qualidade e Gestão de TI Jr Caio Mendonça são exemplos de pessoas trans bem posicionadas no mercado de trabalho. Mas, conquistar e manter um emprego costuma ser um objetivo bastante difícil para muitos transexuais, transgêneros e travestis, principalmente, por causa do preconceito.

Samantha Martins, de 25 anos, é vice-presidente da Amattra e também atua como secretária. Foto: Arquivo Pessoal
Samantha Martins, de 25 anos, é vice-presidente da Amattra e também atua como secretária. Foto: Arquivo Pessoal

Houve uma época na vida de Lohanna que era obrigada a se vestir como um homem, pois era uma exigência da empresa onde a assessora de Comunicação trabalhava. “Tive que me submeter a isso porque precisava muito do emprego, mas sentia na pele essa violação da minha identidade de gênero, vestia terno e gravata e tinha que interpretar o papel de quem eu não era, apenas porque a empresa não queria associar sua imagem com a imagem de uma mulher trans ou travesti”, relembra.

Lohanna Pausini é jornalista e atua como assessora de Comunicação. Foto: Arquivo Pessoal
Lohanna Pausini é jornalista e atua como assessora de Comunicação. Foto: Arquivo Pessoal

Somente após conseguir outro emprego na área, Lohanna começou a sentir uma certa aceitação como mulher trans dentro de um expediente de trabalho, mas, na verdade, ela queria mesmo era respeito. “Embora eu tivesse sido aceita como uma trans jornalista, na prática eu não era respeitada na minha identidade de gênero. Sempre fugi da última opção que era me prostituir. Tinha muito medo de ter que recorrer a isso para poder subsistir, já que o mercado de trabalho é muito fechado para pessoas trans”, continua Pausini. 

“As pessoas trans sofrem com o despreparo das empresas em lhe dar e respeitar a identidade de gênero das pessoas transexuais e travestis. As vezes o preconceito é tão grande que ao ver o(a) candidato trans, já são automaticamente desclassificados da seleção, sem se quer poder mostrar suas qualificações e capacidades. Esse é meu segundo emprego, já fui atendente durante cinco anos”. O relato é de Samantha Martins que também ressalta que um dos desafios da pessoa trans é fugir da marginalidade que são colocados pela sociedade.

Caio Mendonça, de 34 anos, é funcionário público. Foto: Arquivo Pessoal.
Caio Mendonça, de 34 anos, é funcionário público. Foto: Arquivo Pessoal.

O preconceito muitas vezes é velado, como afirma Caio, no entanto, ele conseguiu se inserir em um ambiente de trabalho mais acolhedor. “Hoje, eu trabalho em uma Secretaria, o que proporcionou uma certa facilidade em ser respeitado no ambiente de trabalho. Mas isso não impede de ainda sofrer preconceitos velados ou de saber se/quem fala de mim por trás”, diz.

Para o servidor público, algumas barreiras podem impedi-lo de voltar a atuar na sua área de formação. “Já comecei minha transição tardia, aos 30 anos, então isso me proporcionou alcançar privilégios que me inserissem melhor no mercado de trabalho. Mas ainda assim, após a transição, muitas coisas dificultaram que eu continuasse me qualificando o que atrasou muito minha vida profissional e financeira”, relata.

Uso do nome social

A Justiça do Trabalho reconhece o direito ao uso do nome social. Caso negado este direito à pessoa trans, configura-se assédio moral ou dano moral, já que o empregado ou a empregada ficam expostos a situações vexatórias e humilhantes.

“A recusa do uso nome social no trabalho ou embaraços na sua utilização podem caracterizar dano moral. O ideal é que houvesse um órgão supervisor dentro dessas estruturas de trabalho que fossem passíveis de resolver essas questões internas, como no caso dos tribunais, as Corregedorias, nas quais as vítimas podem buscar pela apuração e consequente solução do entrave. Entretanto, como na maior parte dos casos as empresas não sabem ou não estão preparadas para agir, a orientação é recorrer a justiça trabalhista”, explica o advogado Paulo Almeida, membro da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-MA.

“A maioria das empresas não estão preparadas ou não querem estar preparadas para lidar com a população transexual, seja por empatia, preconceito ou até questões religiosas”, diz a vice-presidente da Amanttra, Samantha Martins, mostrando o que poderia ser feito. “O básico é ser sensível à causa e abrir oportunidades para nós, existem muitas pessoas transexuais aí esperando só uma oportunidade para mostrar do que são capazes. Nos faltam oportunidades porque quando as empresas identificam uma pessoa trans fazendo entrevista de emprego, quase que automaticamente essa pessoa é eliminada”, completa. 

Discriminação no ambiente de trabalho

Hoje, Lohanna Pausini está feliz por ter sua identidade de gênero e nome social respeitados pelos colegas de trabalho. Mas, até chegar aqui, foram muitas dores e momentos que deixaram tristes lembranças. “Em todas as minhas entrevistas, inclusive para veículos de comunicação, sempre sofre transfobia ou recebia assédios sexuais, onde muitos queriam aplicar em mim estelionato sexual em troca de uma vaga. Nessas ocasiões, era latente a transfobia, porque eu fazia uma espécie de teste social, colocava foto minha no currículo sem os adereços femininos, amarrava o cabelo e logo de cara era chamada para fazer a entrevista e quando comparecia como trans, as pessoas automaticamente me rejeitavam e desqualificavam. E isso dói e muito”, conta.

“Muitas vezes é tanta pressão, tanto dano psicológico, que eles acabam deixando o posto de trabalho”, afirma o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho do Maranhão (MPT-MA), Luciano Aragão.

No meio de tanto preconceito e frustração, já se percebe um novo olhar por parte de algumas empresas. “Estamos tendo avanços, empresas já estão criando programas de inserção de pessoas travestis e transexuais no mercado de trabalho, estão se capacitando seus funcionários para terem essa aceitação”, relata Samantha.

Contudo, o advogado Paulo Almeida reitera que quando um individuo LGBTQIA+ é agredido por palavras ou fisicamente por conta de sua orientação sexual, ele pode ser protegido pelo artigo 20 da Lei 7.716/2018 (crime de racismo).

No Brasil, ainda não existe uma lei específica contra a homofobia, por isso, a base que criminaliza atos homofóbicos é a mesma que criminaliza o racismo. 

O Ministério Público do Trabalho (MPT-MA) tem uma atuação para buscar resolução dos atos discriminatórios, repressão e a responsabilização daqueles que discriminaram pessoas no âmbito das relações de emprego.

“Então se o empregado transgênero ou transexual sofrer uma violência, uma discriminação, esse empregado pode buscar o Ministério Público do Trabalho, que nós iremos apurar provas e, constatado o ato discriminatório, a empresa será responsabilizada caso omissa ou responsável pelo ato, além da própria responsabilização do agressor direto, seja um gerente ou um colega de trabalho”, demonstra o procurador-chefe do MPT-MA, Luciano Aragão.

Caso a empresa não adote providências em situações de discriminação contra o funcionário ou funcionária trans, ela responderá também além do agressor, por omissão em relação aos atos discriminatórios praticados por seus empregados contra transgêneros e transexuais. 

“As empresas precisam entender que transfobia é crime, esse é o primeiro passo. Segundo que não se pode desqualificar a profissionalização de uma pessoa apenas pela condição de quem ela seja”, defende Lohanna.

“Ela [empresa] pode adotar medidas como treinamentos, palestras sobre o tema, dinâmicas e contratar profissionais especializados para abordar essa temática no ambiente de trabalho. Além disso, é importante a empresa garantir mecanismos adequados para denúncias de atos discriminatórios sofridos por esses trabalhadores. É importante que o trabalhador ou a trabalhadora se sinta seguro ou segura para comunicar à empresa qualquer ato discriminatório”, aponta o procurador Aragão.

O advogado Paulo Almeida listou os principais direitos da pessoa trans:

  • nome social e requalificação civil: o nome social é aquele pelo qual uma pessoa se apresenta e quer ser reconhecida socialmente, ainda que não tenha retificado os documentos civis. Desde abril de 2016, o decreto nº 8.727 passou a reconhecer que, nas repartições e órgãos públicos federais, pessoas travestis e transexuais tenham sua identidade de gênero garantida e sejam tratadas pelo nome social. 
    Já a requalificação civil é quando a pessoa altera nome e gênero na certidão de nascimento e, portanto, em todos os outros documentos. Em março de 2018, uma decisão do STF (Ação Direta de Inconstitucionalidade 4275) passou a garantir que essa alteração seja feita administrativamente em um cartório de registro de pessoas naturais, sem a necessidade de ação judicial.
  • saúde/cirurgia de readequação de gênero: desde agosto de 2008, o Sistema Único de Saúde (SUS) realiza a cirurgia de redesignação sexual para mulheres trans. Em junho de 2019, a portaria nº 1.370 passou a permitir o procedimento também para homens trans. Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Resolução nº 2.265/2019, que atualiza as regras para o atendimento médico às pessoas transexuais. Entre as principais mudanças está a alteração na idade para a cirurgia, que foi reduzida de 21 para 18 anos. Já as terapias hormonais passam a ser liberadas a partir dos 16 anos.
  • uso do banheiro: ainda não existe legislação específica no país para essa questão. No entanto, a Constituição Federal proíbe qualquer ato de discriminação e prevê a reparação de danos morais causados em decorrência da exposição de uma pessoa a situações vexatórias ou constrangedoras.
  • licença maternidade/paternidade: o direito à licença maternidade/paternidade é inerente a condição da pessoa humana do sexo masculino ou feminino, independente de ser cis ou trans. O ideal é que a pessoa encaminhe o pedido para o setor de RH daquela empresa. No caso da negativa, deve ser levado ao judiciário.

 

O Brasil tem cerca de 3 milhões de pessoas trans e morrem, em média, com 35 anos. A falta de mais dados sobre a população trans faz com que as demandas dessas pessoas não sejam contempladas. De fora do Censo, as questões relacionadas a identidade de gênero e orientação sexual estão previstas pelo IBGE entre os tópicos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), no primeiro trimestre de 2023; da Pesquisa Nacional de Demografia em Saúde (PNDS), prevista para o segundo trimestre de 2023; da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), que deverá ser realizada em 2024; e da próxima edição da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF). 

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