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COLUNA

Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

A rede de pesquisa Amazônia Azul

A importância da participação da comunidade científica no debate sobre a Margem Equatorial.

Alan Kardec

- Atualizada em 02/05/2023 às 23h38

 

 

Neste momento da História, em que precisamos decidir caminhos e estratégias. Nesta hora em que o planeta é sacudido por ondas de inflação e mudanças em todos os países. Nestes dias em que os mares revoltos da guerra empurram a Humanidade para novos caminhos, é importante juntar forças e preparar o país para o imenso desafio que se impõe adiante.

É justamente para isso que nasceu a Rede de Pesquisa Amazônia Azul (RAZUL). As “redes de pesquisa” são muito comuns nas comunidades de pesquisadores. Em geral, elas envolvem temas específicos que necessitam de diferentes especialidades. Por exemplo, o CNPq tem um programa chamado Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) que são redes de pesquisas formada por professores de diferentes universidades. Em propostas que vão de estudos de nanomateriais de carbono a medicina regenerativa.

A RAZUL também é formada por professores pesquisadores de alto nível, em áreas como oceanografia, meio ambiente, geopolítica e petróleo. Com uma diferença. Ela nasceu como um movimento da comunidade científica preocupada com o desenvolvimento nacional. Em geral, as redes ou INCT são propostas que despontam a partir de provocações dos governos. A Rede Amazônia Azul foi concebida ao contrário: a iniciativa foi de um grupo de professores – em dialogar com os governos, federações, indústrias e movimentos sociais.

A Rede Amazônia Azul nasceu para debater nacionalmente a Margem Equatorial brasileira – esse litoral que percorre os estados do Amapá, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte. Afinal de contas, o Brasil é claramente desigual em sua distribuição de riquezas. Uma breve olhada no mapa das rodovias, ferrovias, postos de gasolina, gasodutos e outros elementos que possamos utilizar para medir o desenvolvimento nacional, concluiremos que a maior parte se concentra abaixo do paralelo 16 ou, mais especificamente, abaixo de Brasília!

O Brasil fabricou aviões quando não produzia nem bicicleta. E descobriu o Pré Sal quando fez o impensável no mundo e extraiu pela primeira vez petróleo em águas profundas, com tecnologia desenvolvida pelo cérebro de seus próprios especialistas. Graças à essa ousadia nativa, os municípios do Rio de Janeiro arrecadaram em 2021, só em royalties, R$ 8.6 bilhões de reais enquanto aquele estado chegou a R$ 7.8 bilhões de reais, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Enquanto a margem leste – Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo – como vimos, estão sendo exploradas, algumas bacias brasileiras da Margem Equatorial têm histórico de não ter um “furo” – perfuração no jargão da turma de petróleo – de não ter acontecido, desde a década de 70! É um desequilíbrio que se repete e tenta se consolidar em nível nacional: abaixo do paralelo 16, tudo acontece! Acima dele, no Arco Norte do território nacional, caminhões de dificuldades!

A Rede Amazônia Azul não tem a ousadia de querer resolver os problemas nacionais e nem se propõe a isso! Mas os pesquisadores e professores não podemos ficar calados diante da imensa oportunidade! Ainda que se misturem com elas a desinformação e a ausência de Ciência. Em um momento de transição energética, a RAZUL se dispõe a sentar na mesa para debater, problematizar, esclarecer ou pesquisar. Sejam os problemas de exploração de petróleo ou do meio ambiente.

Afinal, todos sabemos dos desafios ambientais e do cuidado correspondente que devemos ter com nossa própria sobrevivência! A Rede tem pesquisadores que estudam o mar da Margem Equatorial – como suas feições geomorfológicas e sedimentares detalhadas desde a década de 60! Falo do integrante da RAZUL, o nobre professor Alberto Figueiredo, da Universidade Federal Fluminense. Ou do professor Cleverson Guizan Silva, da mesma universidade. Para a atividade das correntes marítimas, várias simulações estão agora mesmo sendo rodadas em computadores da alta performance pelo professor Audálio Torres, da Universidade Federal do Maranhão. Ou o programa de buscas do professor André Barreto, da Universidade do Vale do Itajaí. Há muito mais! Gente com trabalhos exaustivos e profundos e que podem responder a inúmeras questões que hoje se diz haver desconhecimento.

Por exemplo, um dos mitos propagados é que não houve desenvolvimento das regiões em que se produz petróleo. Uma breve olhada nos números do IBGE confirma o que aconteceu nos municípios que recebem royalties de petróleo no Rio de Janeiro: foram os que mais cresceram! Não podemos esgotar o assunto em um artigo / crônica, mas a pequena Maricá foi quem mais recebeu em 2021: R$ 1.3 bilhões de reais. Muito mais que o vizinho estado do Espírito Santo (R$ 760 milhões de reais) ou São Paulo (R$ 953 milhões de reais). Só para ilustrar: Maricá é a cidade fluminense em que o PIB mais cresceu. Ah, tem transporte público gratuito.

A RAZUL se oferece para o debate. Fizemos uma nota técnica com Pedro Zalan, um dos maiores geólogos do Brasil e Ronaldo Carmona, da Escola Superior de Guerra. Mostramos que há possibilidades de haver entre 20 a 30 bilhões de barris de petróleo só na Bacia Pará Maranhão (PAMA)!

O professor Duque Dutra, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Carmona mostraram em outra nota técnica que o aproveitamento de um campo petrolífero na PAMA que contenha 400 milhões de barris, ao longo das próximas três décadas, poderia gerar R$ 14 bilhões de renda. Ou seja, um incremento de 12 % do PIB do Pará, ou 20% do Maranhão em valores de hoje.

Há uma mobilização nacional e diálogo da Rede com diferentes setores da sociedade. Conversamos com a Diretoria Colegiada da ANP e a Agência Espacial Brasileira; com ministros e dirigentes do Ministério das Minas e Energia, da Defesa, da Ciência e Tecnologia; com a indústria, entre elas FIEMA, FIEPA, ABESPETRO, EnerGeo Alliance ou empresas como TGS, ExxonMobil e Petrobras! O nome, inclusive, “Amazônia Azul” é inspirado – e permitido – pela Marinha do Brasil. 

Nos meios científicos, é conhecida a disputa entre o espanhol Santiago Ramón y Cajal com o italiano Camilo Golgi - aquele do complexo de Golgi das células, que estudamos no ensino médio! Este último defendia que o sistema neural era reticular, algo parecido com o sistema sanguíneo, que é cheio de vasos, veias e válvulas. Cajal defendia que eram unidades separadas – o que veio a ser provado, afinal nosso cérebro é constituído de pequenas unidades separadas que se comunicam: os neurônios. No final, os dois ganharam o prêmio Nobel juntos!

Estamos em um momento similar. Acreditamos que a Ciência tem um papel fundamental e integrador para dirimir dúvidas, desfazer controvérsias e afirmar caminhos. Afinal, precisamos ser soberanos em nosso próprio território. E não existe soberania sem conhecimento! Tampouco, não existe futuro sem diálogo amplo!

Exploraremos a Margem Equatorial? Essa é uma decisão que compete ao povo brasileiro. Não será, no entanto, por falta de iniciativa da comunidade científica brasileira para dialogar que a decisão não será tomada, nem queremos que ela seja postergada alegando desconhecimento. Há muita experiência, muitos estudos, muitos trabalhos que poderão eventualmente esclarecer o caminho. A Rede Amazônia Azul está a postos, pronta e disposta a trabalhar.

*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.

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