(Divulgação)

COLUNA

Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

A transição energética

Uma reflexão sobre os caminhos da energia e como lidaremos com as novas energias.

Alan Kardec

Atualizada em 02/05/2023 às 23h38

 

 

O ex-ministro de Energia da Arábia Saudita dos anos 1970, o Sheik Ahmed Zaki Yamani, tem uma frase histórica repetida à exaustão no setor de petróleo e gás, do Texas a Moscou, “A Idade da Pedra não acabou pela falta de pedra e a Idade do Petróleo irá acabar muito antes que o mundo fique sem petróleo”. Esta frase se tornou icônica. Enquanto isso, a indústria de petróleo se tornou indústria de energia, nos últimos anos.

Quem tem acesso à energia? Antes de continuarmos, cabe esta pergunta. Uma boa parte do planeta não tem. Ou, de outra forma, só uma parte do planeta tem. Esta última, certamente a maioria, que tem acesso à energia elétrica, petróleo, gás, hidrogênio ou etanol faz uma discussão importantíssima, que é a da transição energética. O bilionário Bill Gates tem dito que essa discussão não pode excluir aqueles que hoje só têm acesso a formas primárias de energia, que é o calor: carvão para aquecer, iluminação a vela e lenha para cozinhar.

Estima-se que em torno de um bilhão de pessoas, entre elas 600 milhões na África estão excluídas dessa discussão energética: afinal, tanto os que se preocupam com o aquecimento global quanto os que acendem uma lamparina no final do dia estão preocupados com a própria sobrevivência. Como fazer com os dois grupos? Um quer limpar a matriz energética – e tem energia disponível, aliás, quanto mais rico, maior o consumo de energia; outro, abaixo da linha da pobreza, quer ter acesso ao que a dita civilização proveu nos últimos dois séculos.

Faço essa pequena digressão porque tenho ouvido muitos amigos e conhecidos preocupados com os caminhos da energia e como lidaremos com as novas energias. Afinal, alguns defendem acaloradamente os carros elétricos, por exemplo. Ou outras formas de energia que sejam menos poluentes, mas esquecem de fazer, em minha opinião, a análise completa: de onde vem a energia do carro elétrico em sua origem? Do carvão ou de alguma fonte renovável como etanol de cana de açúcar?

Poluição é principalmente sobre dióxido de carbono, o nosso CO2, sempre presente em nossas vidas. Esse que a gente expele do pulmão a cada expiração. E transição energética é sobre “carbono zero”, sobre proteger o planeta depois de um crescimento gigantesco da população humana, junto com extraordinárias revoluções tecnológicas, desde a máquina a vapor à inteligência artificial.

Essa é a grande ilação que se pode fazer a partir da frase do Sheik Yamani. A tecnologia revolucionou o mundo de uma forma tão disruptiva que hoje nos dá o combustível na bomba do posto da esquina, mas também nos questiona sobre o que estamos fazendo para limpar a matriz energética do planeta.

Voltando aos dias de hoje: temos uma guerra de energia mudando a face do planeta. Já falamos sobre isso aqui. E todos nós sabemos que o elemento principal de Rússia X Ucrânia é o gás que é fornecido para a Europa. Em particular, para o país mais poderoso daquele continente: a Alemanha.

Por favor, dê uma olhada no gráfico que postei acima e veja o tamanho do aumento do custo de energia naquele país nos últimos anos. Em menos de um ano, o custo da energia mais que triplicou! Se você conhecer alguém por lá, pergunte o que ele está sentindo no bolso. Ora, sendo a Alemanha o país mais influente da Europa, o que se esperar?

Pelo noticiário, concluímos que ela deverá seguir pelo menos dois caminhos. O primeiro é procurar outro fornecedor de gás para ser abastecida, afinal, seus invernos são rigorosos, para se dizer o mínimo. O segundo é procurar outras fontes em que possa investir. 

Em uma agenda de energia limpa, a opção daquele país foi a do hidrogênio verde, ou H2V. Ele pode ser transportado facilmente como os outros combustíveis, tais como gasolina ou diesel. E pode ser importado de outros países. Afinal, não parece que a Alemanha irá produzir H2V em quantidade suficiente para ser abastecida em suas necessidades. 

O hidrogênio verde precisa ser produzido em condições de produção ou emissões de carbono em níveis baixíssimos. Afinal, para produzir hidrogênio, basta quebrar uma molécula de água, H2O. Para simplificar, o raciocínio seria: para cada dois átomos de hidrogênio, um de oxigênio. Genial! Produz combustível e oxigênio para compensar a emissão de carbono.

Mas é necessário energia para quebrar uma molécula de água. E qual seria a energia limpa? Eólica ou solar. A incidência de sol na Alemanha é sofrível. Mas no Brasil, principalmente no Nordeste é reconhecidamente extraordinária, afinal estamos próximos do Equador. Mais, temos muito vento em nosso extenso litoral.

A maior parte dos investimentos no Maranhão estão em energia eólica, hoje principalmente situados no litoral próximo a Paulinho Neves. Como todo litoral tem água, há várias empresas se movimentando para dessalinizar a água do mar e a utilizar para produzir hidrogênio verde com vistas à exportação para a Alemanha.

O fato é que as notícias afirmam, por exemplo, que a União Européia se prepara para relaxar suas regras ambientais para acelerar projetos de energias renováveis. As empresas do bloco seriam autorizadas a construir usinas eólicas e solares sem a necessidade de uma avaliação de impacto ambiental, de acordo com o “Financial Times”.

Hoje mais de 30 países têm estratégias concretas para o hidrogênio e alocaram US $ 76 bilhões em financiamento governamental. Segundo a consultora Monica Panik, a demanda por hidrogênio verde deverá crescer significativamente no médio prazo, atingindo cerca de 300 a 800 toneladas métrica por ano em 2050, devido às novas aplicações e às metas de descarbonização.

Igualmente, há muita movimentação no mercado de energia por conta do leilão de hidrogênio verde que acontecerá na Alemanha em 2023. O investimento anunciado é de €900 milhões de euros (R$ 4.8 bilhões). E o Maranhão está na equação de vários empresários que têm conversado comigo. 

O fato concreto é que o Brasil terá de se antenar ou perderá o bonde da História. Seguem algumas ponderações: 

1 - Não temos legislação para hidrogênio verde, embora tenhamos para todos os outros combustíveis: por exemplo, a ANP regula gasolina e diesel, já a ANEEL, a eletricidade; 

2 - Os licenciamentos, sejam operacionais ou ambientais, são reconhecidamente um dos maiores gargalos nacionais, por conta do tempo que eles acontecem. No entanto, precisamos abastecer e disponibilizar energia para a nação. E, pelo que vimos, a tendência é que a demanda aumente ainda mais por conta das novas fontes de energia que estão surgindo, além das novas tecnologias; 

3 - Temos milhões de brasileiros que precisam e querem entrar no mercado de energia, como consumidores. Que energia eles consumirão? 

4 - O desenvolvimento econômico e social e o debate ambiental nunca estiveram tão próximos. Eles têm de marchar juntos, sob a batuta de um plano, de um projeto nacional.

* Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP

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