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COLUNA
Joaquim Haickel
Joaquim Haickel é cineasta, analista político e foi deputado constituinte em 1988.
Coluna do Joaquim

O maior legado

Uma análise dos fatos sobre José Sarney, sem nenhum compromisso ou paixão.

Joaquim Haickel

Atualizada em 02/05/2023 às 23h38

 

José Sarney
José Sarney

 

Todas as vezes que estou fora de meu estado, em qualquer que seja o lugar do Brasil, e alguém me pergunta de onde eu sou, e eu digo que sou do Maranhão, a primeira coisa que a pessoa diz é: “Terra do Sarney!”. A terceira coisa que me dizem é que eu não tenho um sotaque característico, mas a segunda é irremediavelmente uma piada sobre o fato de Sarney ter sido presidente da república.

Fico me perguntando, quando é que as pessoas vão entender, e aceitar, que Sarney foi o melhor nome que poderia haver, naquele momento e naquela conjuntura, para levar nosso país a atravessar, sem maiores traumas, aquele oceano turbulento que foi a redemocratização nacional!?

Nem Tancredo teria feito melhor, pois os compromissos que ele tinha, poderiam colocá-lo em uma situação bem desconfortável, como certamente aconteceu com Sarney, mas ele era apenas um substituto e qualquer coisa que ele fizesse ou deixasse de fazer não teria o mesmo impacto negativo, caso tal coisa fosse obra do titular, Tancredo Neves.

Até perdoo as pessoas que só repetem o que ouvem, aquilo que dizem jornalistas e políticos preconceituosos e racistas, pois as pessoas são gado, aqueles que acompanham a manada, já jornalistas e políticos, são membros de duas corjas desqualificadas que tentam impor narrativas que estabeleçam suas “verdades”.

Em algumas dessas ocasiões, já pensei em dizer a essas pessoas que o Maranhão além de ser a terra do ex-presidente José Sarney, é também a terra de figuras importantes, como Gonçalves Dias, Aloísio Azevedo, Humberto de Campos, Maria Firmina dos Reis, Josué Montelo e Ferreira Gullar, todos ligados a literatura. E eu poderia continuar, por páginas e páginas, citando nomes de figuras importantes de nossas artes, mas a esmagadora maioria não saberia nada sobre tais personalidades.

Fico me perguntando até quando, pessoas despreparadas para entenderem os fatos da política, vão continuar a falar bobagens sobre coisas obvias e cristalinas.

Faço uma análise rápida dos fatos e procuro fazer isso sem nenhum compromisso ou paixão.

Vejo que a ascensão de Sarney como líder de grande estatura e relevância nacional, só ocorreu depois da morte de Petrônio Portela. Essa constatação vem junto com outra sobre uma de suas características mais importantes. Sarney sabe como pouquíssimos ocupar os espaços vazios ou vagos e como um Fred Astaire da política, baila e sapateia como poucos pelos salões do poder, graças à sua cultura, sua simpatia e sua perspicácia. Ele executa primorosamente um dos mandamentos do futebol, estabelecido por Nenem Prancha: “Quem pede recebe, quem se desloca, tem preferência”.

Como presidente do PDS, então partido do governo, construiu inúmeras conexões e solidificou amizades e parcerias, tornando-se não apenas um homem poderoso, mas principalmente uma pessoa respeitada e bem quista.

A característica fundamental que distingue Sarney de outros líderes de seu tempo, é que no que diz respeito ao capítulo XVII do livro “O príncipe” de Maquiavel, ele não faz escolha entre ser amado ou temido. Ele opta por ser amado por alguns e ser temido por outros, sendo que aqueles que o amam, o fazem para não terem que temê-lo, e aqueles que o temem, o fazem por não terem oportunidade de amá-lo.

Desde a redemocratização, o único ocupante da presidência da república que se aproxima de José Sarney em intelecto e capacidade política é Fernando Henrique Cardoso. Collor, Itamar, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro, não estão nem no nível intelectual, nem no nível político de JS e FHC.

É bem verdade que Lula é um ponto fora da curva, por seu carisma, por sua popularidade, coisa que se poderia dizer também sobre Bolsonaro, por uma outra abordagem.

Ainda sobre Lula, ele tem características que faltam em Sarney. A audácia de Lula faltou a Sarney. Ele ficou refém do PMDB e de Ulisses durante todo seu governo. Se ele tivesse sido audacioso, seria insuperável, mas poderia ter colocado em risco a sua maior obra, a redemocratização nacional, patrimônio que só será realmente reconhecido e valorizado quando as pessoas entenderem um pouco sobre política em seu sentido maior. 

Pensando bem, se faltou a Sarney a audácia de Lula, vejo que se Lula tivesse algumas características comuns a Sarney ele poderia ter se saído melhor e não ter acabado como acabou.

Enfim, toda vez que digo que sou do Maranhão, as pessoas lembram imediatamente de Sarney, mas raramente pelo motivo correto e justo, que é o de estarmos vivendo em um país democrático. É bem verdade que nosso país é cheio de mazelas, mas o fantasma de um regime de exceção, de um regime autoritário, onde as garantias individuais e coletivas não eram respeitadas, isso não temos mais, graças à dedicação de um homem que se não fez tudo certo na vida, nos legou a democracia.

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