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COLUNA

Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

O Preço de uma Refinaria

Enquanto para exploração e produção há forte estrutura regulatória, assim como para distribuição e revenda de combustíveis, o Brasil descuidou das refinarias

Allan Kardec

Atualizada em 02/05/2023 às 23h38

 

Volume de exportação de petróleo
Volume de exportação de petróleo

 

Depois da turbulência, a calmaria. Aparente, talvez. O preço dos combustíveis explodiu, depois caiu. O que dá uma sensação de alívio. É aquela estória do guru hinduísta: um de seus devotos foi-lhe reclamar que seus inúmeros filhos faziam muita confusão em sua pequena casa. O guru sugeriu que ele colocasse uma vaca em casa, que resolveria. Passado um mês, o homem volta, reclamando que a vaca mugia e defecava na casa inteira. O mestre então mandou que tirasse a vaca. O homem ficou fascinado! Os problemas dele tinham sido resolvidos!

Para o preço dos combustíveis no Brasil sempre há uma vaca. De vez em quando, alguém coloca e tira. Mas tenho a impressão que a essência, o coração, passa desapercebido ou absolutamente ignorado.

Para que a gasolina chegue ao seu carro, o petróleo é extraído. No caso do Brasil, a sua grande maioria em alto mar, no nosso Pré Sal, na costa do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo. Depois é processado em uma das nossas 17 refinarias, chega a uma distribuidora e, só então, via caminhão, é descarregado no posto de combustível da esquina.

Para organizar esse mercado, há o que se chama de “estrutura regulatória”. Conjunto de leis e resoluções que cuidam das relações entre as empresas e dessas com o Estado brasileiro. Ninguém, por exemplo, pode produzir petróleo e queimar gás excessivamente. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) tem de ser informada de todo o processo em alto mar. Por outro lado, se uma distribuidora erra na quantidade de etanol, ou um posto deixa de fixar uma placa, é multado.

Há outros exemplos, mas esses poucos evidenciam o que gostaria de afirmar: enquanto para exploração e produção há forte estrutura regulatória, assim como para distribuição e revenda de combustíveis, o Brasil descuidou das refinarias. Por uma razão simples e conveniente: uma única empresa domina basicamente todo o mercado de refino: a Petrobras.

Vamos ouvir a declaração que repercutiu em toda a mídia nacional do novo presidente da Petrobras, José Mauro Coelho “a Petrobras segue comprometida com os desinvestimentos no setor de refino”. Ele repete algo que todos os que trabalham na área já sabem: a empresa não tem mais interesse na área do refino. Do meu conhecimento, essa intenção tem mais de 10 anos!

Há outras empresas interessadas no refino? Mais, o Brasil está preparado para receber outras empresas na área, já que à Petrobras não lhe interessa? Por último, o Brasil se preparou para este momento?

Nos últimos 50 ou 60 anos, enquanto o Brasil vivia políticas oscilantes e inconsistentes sobre o preço do combustível, o mundo mudava – aliás, acabamos de aprovar mais um projeto de lei para tentar controlar os preços no Senado Federal. Por outro lado, os Estados Unidos, por exemplo, de importadores, se tornaram o maior produtor de petróleo do mundo! Nesse mesmo ínterim, nossos investimentos em novas refinarias ou atração de novos investimentos em refino basicamente seguiram lentos ou estancaram.

O Pré Sal explodiu em produção de 2008 para cá. E colocou o Brasil no mapa de produtores de petróleo do mundo, em 8º lugar. Em primeiro, estão os EUA seguidos pela Rússia. Mas, por falta de política de refino, o Brasil exporta petróleo e importa gasolina e diesel! – a figura acima mostra o cenário nos últimos 20 anos. Ou seja, saem pelos portos brasileiros o petróleo cru e retorna refinado. Ou seja, a metáfora vale: nossos portos são hoje nossas refinarias!

Aliás, não só não avançamos no nosso modelo de refino que queremos como aumentamos a dependência para um único país: os Estados Unidos. Ou seja, do refino americano: em 2015, de 30%, para mais de 80% em 2022! É uma decisão perigosa: se os EUA nos retaliarem – o que pode acontecer por conta de disputas econômicas – recorreremos a quem?

Enquanto a banda tocava e os países avançavam em suas políticas energéticas, sei que houve conversas com chineses, iranianos, indianos e tantos outros investidores que queriam instalar refinarias ou mini refinarias em território brasileiro. Houve avanço? Não! Ninguém investe onde não há regras claras. Uma delas foi a guinada na greve dos caminhoneiros. Em uma canetada, o governo federal mudou a política de preço, nos idos de 2015. A partir daí, o preço do combustível foi atrelado ao preço do barril de petróleo internacional – o que é motivo de controversas gigantescas neste exato momento. Bom lembrar que, em plena corrida eleitoral, há sinais de que essa política poderá mudar novamente para outra – que também ainda não foi anunciada por nenhum dos candidatos de qual seria.

Vamos avançar um pouco na argumentação. Hoje temos oferta de petróleo de países que há dez anos jamais pensaríamos: Estados Unidos e, pasme, Guiana e Suriname. Nossos vizinhos aproveitaram a onda e estão produzindo petróleo na mesma costa que se prolonga pelo litoral de todo o Norte e Nordeste brasileiro: a chamada Margem Equatorial – que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte. Ah, do outro lado do Atlântico, Gana, Costa do Marfim, Libéria e tantos outros também passaram a ser novos membros da produção de petróleo. Seus litorais são parecidos com nossa rica Margem Equatorial, já que há 150 milhões de anos éramos um único continente. 

Alguém argumentaria: mas o Brasil está produzindo muito no Pré Sal. É verdade. Mas estabilizou. E qualquer jazida é limitada. Não existe produção infinita. Por isso a Petrobras – que é uma empresa, não esqueçamos disso – divulgou que investirá na Margem Equatorial US$ 1.5 bilhões de dólares, algo em torno de R$ 7 bilhões de reais. Porque? 1. Porque é uma oportunidade magnífica; 2. Porque o petróleo do Pré Sal vai se esgotar nos próximos anos.

No fundo, pra resumir: não existe política de preço desassociada da política energética. Aquela pergunta que os velhos países da Europa ou os asiáticos fazem, por serem provavelmente mais velhos que nós: como estaremos daqui a 100, 50 ou 30 anos? Só um parêntese: a China tem mais de um bilhão de habitantes. Mas tem mais um milhão de estudiosos exclusivamente voltados para entender e projetar seu futuro. Enfim, sem inteligência e sem planejamento, não seremos donos de nossas terras, soberanos em nosso território. 

A outra pergunta que não quer calar: como vamos atrair novos investidores se não temos arcabouço regulatório – já que quem define a política de preço é o governante em exercício? Em um setor no qual, desde extrair as primeiras gotas de um poço até produzir consistentemente demora de cinco a dez anos, quem se voluntaria a investir no Brasil? Nosso atrativo seria o quê? Ou seguimos na opção de obrigar a Petrobras fazer o que ela – repita-se, empresa – não vê como um bom negócio?

No Congresso Nacional, abundam projetos de leis para o preço de combustíveis. Quantos deles discutiram a política energética nacional? O deputado Pedro Lucas me falou que está trabalhando numa política nacional. Um marco regulatório. Organizar as diversas propostas, definir caminhos e ter política para o setor de refino. É um bom caminho: só assim o Brasil atrairá investidores para o setor.

Por outro lado, o Maranhão, liderado pelo Governador Carlos Brandão e o trabalho desenvolvimentista do Secretário José Reinaldo Tavares, tem dado demonstrações do caminho: investir na Bacia Pará Maranhão, que é uma das bacias da Margem Equatorial, e tem produção estimada de 20 a 30 bilhões de barris de petróleo. Ou seja, trabalhar nacionalmente e organizar localmente. É um outro grande caminho: ter política de energia para ter oferta e preço.

*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP

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