Caso Décio Sá

Documentos mostram como funciona esquema de agiotagem no Maranhão

Farra com dinheiro público rendeu, a chefe de quadrilha, patrimônio total de R$ 20 milhões.

Imirante, com informações da TV Mirante

Atualizada em 27/03/2022 às 12h09
 Lista de patrimônio de Gláucio, escrita à mão, com valor total de bens: R$ 20 milhões. Foto: Reprodução/TV Mirante.
Lista de patrimônio de Gláucio, escrita à mão, com valor total de bens: R$ 20 milhões. Foto: Reprodução/TV Mirante.

SÃO LUÍS – A morte do jornalista da editoria de política de O Estado do Maranhão, Décio Sá, completa, nesta terça-feira (23), exato um ano. Décio foi morto a tiros no dia 23 de abril de 2012, em um bar da avenida Litorânea. O motivo do crime foram as denúncias realizadas pelo jornalista, em seu blog, sobre uma quadrilha de agiotas que atuava no Maranhão. Um consórcio formado por empresários encomendou a execução do jornalista. Ontem (23), a TV Mirante mostrou, com exclusividade, no JMTV 2ª Edição, trechos de depoimentos dos acusados, filmados pela polícia e encaminhados ao Ministério Público e à Justiça, que revelam detalhes do inquérito sobre o caso.

A quadrilha, que atuava no desvio de verbas de merenda escolar e em crime de agiotagem, começou a ter prejuízo a partir da publicação de reportagens no Blog do Décio. O município de Zé Doca, localizado a 302 km da capital maranhense, São Luís, e com 50,1 mil habitantes, segundo o "Censo 2010" do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tem grande carência em várias áreas. A área da educação era, justamente, um dos focos de uma das maiores quadrilha de agiotas do país que agia no Nordeste. Eles pegavam dinheiro público como pagamento da dívida que o prefeito tinha com o grupo.

O ex-prefeito de Zé Doca, Raimundo Notato Sampaio, conhecido como "Natim", por exemplo, não tinha mais tanto dinheiro para fazer campanha como em 2008, quando pegou um empréstimo de R$ 100 mil com o grupo de agiotas, comandado por Gláucio Alencar. O próprio prefeito, em depoimento à polícia, admitiu que fez o empréstimo. Ele conta que, em troca, Gláucio ganharia uma licitação para fornecer a merenda escolar. Sem saber que estava sendo gravado, ele acabou contando, para a equipe da TV Mirante, detalhes do acordo com o grupo de agiotas. "Ele me arrumou um dinheiro. Ele me arrumou R$ 50 mil para ser um dos fornecedores de merenda. E ele me arrumou R$ 50 mil para ‘mim’ pagar depois ‘pra’ ele", disse o ex-prefeito. "Desses R$ 100 mil, eu cheguei a pagar mais de R$ 300 mil e fornecer dois anos de merenda ‘pros’ meninos", completa – veja um trecho do depoimento em vídeo no player do fim da reportagem.

Leia também: Especial do Imirante relembra um ano da morte de Décio Sá

Gláucio Alencar e o pai dele, José de Alencar Miranda Carvalho, estão presos desde o ano passado, acusados de serem os mandantes da morte do empresário Fábio Brasil, em Teresina, um ex-sócio do grupo e que deu um calote na quadrilha, e do assassinato do jornalista Décio Sá, que apontou, em seu blog, indícios da participação do grupo no crime do Piauí. Foi a partir desses assassinatos que a polícia descobriu o esquema de agiotagem. Segundo as investigações, o grupo agia sempre do mesmo jeito: depois de pegarem empréstimos para as campanhas, os prefeitos facilitavam a licitação para empresas fantasmas dos agiotas, que eram contratadas para fazer serviços e fornecer produtos, como merenda escolar e até reformas de prédios públicos.

No caso de Zé Doca, uma das empresas de Gláucio passou a fornecer merenda escolar de péssima qualidade, segundo o ex-prefeito. Ele conta que, quando foi reclamar, sofreu ameaças. A quadrilha, também, agiu fornecendo medicamentos para os hospitais da cidade. "Natim" afirma que chegou a sofrer um enfarto por conta das ameaças da quadrilha e que, hoje, vive à base de remédios. A cidade que ele administrou durante quatro anos, também, sofreu as consequências da ação dos agiotas.

Cheques

 Um dos cheques encontrados com os agiotas tem valor total de R$ 780 mil. Foto: Reprodução/TV Mirante.
Um dos cheques encontrados com os agiotas tem valor total de R$ 780 mil. Foto: Reprodução/TV Mirante.

Alguns prefeitos, endividados, chegavam a assinar cheques em branco da prefeitura para pagar os agiotas ou preenchidos e endossados pelo prefeito para que os agiotas pudessem fazer os saques. Dinheiro que saía direto de contas de programas federais, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Dois dos cheques encontrados pela polícia são da Prefeitura de Arari, assinados pelo, então, prefeito José Antônio Nunes Aguiar. Um deles, no valor de R$ 102 mil. O ex-prefeito não foi encontrado pela equipe de reportagem da TV Mirante.

Em poder da quadrilha, também, foram encontrados cheques da cidade de Rosário, assinados pelo ex-prefeito, Marconi Bimba. Não se sabe o tamanho do rombo nos cofres de cada município, mas a prefeita atual de Rosário diz que encontrou a cidade com muitos problemas.

Uma licitação, no valor de quase R$ 1,3 milhão, feita para o fornecimento de merenda escolar foi vencida por uma empresa que pertence à mulher de Fábio Brasil. Em depoimento gravado pela polícia e encaminhado ao Ministério Público e à Justiça, ela admite que a empresa dela era só de fachada. Na cidade onde a quadrilha venceu a licitação milionária, o dinheiro público poderia fazer diferença na rotina dos moradores. Na educação, área mais atingida, ainda, é possível ver escolas em que salas de aula são divididas apenas por um pano. Três turmas separadas somente pela cortina. Na saúde, o hospital municipal está praticamente abandonado. O ex-prefeito não foi encontrado para falar sobre o assunto.

Em São Domingos do Azeitão, no sul do Estado, mais estragos provocados pela quadrilha. Somente um dos cheques encontrados com os agiotas tem o valor total de R$ 780 mil.

Patrimônio

 Somente com o dinheiro que vinha de prefeituras, Gláucio teria renda mensal de R$ 1,6 milhão. Foto: Reprodução/TV Mirante.
Somente com o dinheiro que vinha de prefeituras, Gláucio teria renda mensal de R$ 1,6 milhão. Foto: Reprodução/TV Mirante.

Ainda não se tem um levantamento do rombo provocado pela quadrilha nos cofres das prefeituras maranhenses, mas é possível se ter uma ideia, vendo o que seria a lista de patrimônio de Gláucio, escrita à mão por ele, segundo a polícia, e apreendida na casa do agiota. Valor total dos bens: R$ 20 milhões.

Outro papel indicaria a renda mensal de Gláucio: só com o dinheiro que vinha de prefeituras, R$ 1,6 milhão.

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