Eleições 2010

Marina Silva é entrevistada pelo Bom Dia Brasil

Candidata do PV foi a 1ª de série. Dilma e Serra serão entrevistados nesta semana.

G1

Atualizada em 27/03/2022 às 12h48

RIO DE JANEIRO - A candidata do PV à Presidência da República, Marina Silva, foi entrevistada na manhã desta segunda-feira (20) pelo Bom Dia Brasil. Os candidatos Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) também serão entrevistados nesta semana. A ordem das entrevistas foi definida em sorteio.

Veja a íntegra, em vídeo, da entrevista com Marina Silva. Ela respondeu a perguntas dos entrevistadores durante 20 minutos:

Primeiro bloco

Renato Machado – Candidata, a senhora promete criar educação em tempo integral, escolas com laboratórios, computadores, bibliotecas, alimentação e os economistas dizem que seria preciso gastar 10% do PIB durante 10 anos para conseguir tudo isso. Hoje esse investimento está em 5%. Não é prometer o que vai ser impossível de se cumprir em 4 anos?

Marina Silva – Não, Renato. É uma questão de prioridade. Até porque quando eu falo educação em tempo integral, é diferente de escola em tempo integral. Educação em tempo integral é você, mesmo na escola normal, de um período, você combinar com outras atividades pedagógicas aonde a criança pode ir a museus, bibliotecas, visitar parques, comunidades e assim ela está sendo educada por outras práticas, que não necessariamente na sala de aula. Talvez seja esse o equívoco que as pessoas estão identificando que na verdade não é. Não é escola de tempo integral, educação integral. O processo de ensino e aprendizagem pode se dar de uma forma mais abrangente que o tradicional cuspe e giz dentro de sala de aula. É isso que eu estou inovando. O que eu estou dizendo é que é perfeitamente possível sair dos atuais 5% do PIB investido em educação para 7% até o final de 2014, começando já em 2011. Para isso, a gente tem que melhorar a qualidade do gasto público e evitar desvio de verba pública como aconteceu no caso do Amapá, que estão roubando o futuro do Brasil duas vezes: nos recursos públicos e no futuro das crianças.

Renata Vasconcelos - Pois é, candidata, a senhora mesmo acabou de dizer, ou seja promete gastar mais, aumentar de 5 para 7% os investimentos em educação e ao mesmo tempo a senhora defende austeridade nos gastos. Para a conta poder fechar, exatamente de onde a senhora vai tirar dinheiro para isso, para educação?

Marina – Evitar o desvio dos recursos públicos, Renata. O que acontece no Brasil...

Renata – São 18 bilhões de reais a mais, candidata.

Marina – Mas, preste atenção, Renata. É uma questão de prioridade. A gente conseguiu capitalizar R$ 180 bilhões no BNDES para investir em algumas empresas e sem critérios transparentes. Estão dizendo que vão fazer o trem bala, que daria para dobrar durante um ano os recursos para educação. É uma questão de prioridade. Nós vamos priorizar a educação. Nós estamos vivendo um apagão de recursos humanos. Um país não vai a lugar nenhum se não investir em conhecimento, tecnologia e inovação. Ainda temos 15 milhões de jovens analfabetos. Cerca de 40% das nossas crianças entram no ensino fundamental mas não chegam se quer a oitava série. Isso não é aumentar gasto. É aumentar o investimento naquilo que de fato faz a diferença: gerar igualdade de oportunidade para que esse país possa fazer jus às imensas oportunidades que ele tem. Sem investimento em educação a gente não chega a lugar nenhum. Nós já estamos importando a mão de obra qualificada para os melhores postos de trabalho.

Miriam Leitão - Candidata, está acontecendo agora a capitalização da Petrobrás. Isso interessa a milhares de pessoas, acionistas da empresa. A senhora sempre teve uma posição contra a economia de alto carbono, como a senhora diz, teve esse acidente horroroso no Golfo do México. O que a gente pode esperar se a senhora for eleita, uma mudança, um adiamento na exploração do pré-sal, para mais seguranças, o que a senhora diz sobre o pré-sal.

Marina – Em relação ao pré-sal, Míriam, eu sempre digo que o uso do petróleo ainda é um mal necessário, no mundo inteiro e no Brasil também. Agora, o Brasil é o país que reúne as melhores condições para dar esse salto de mudança de energia fóssil para renovável. Então, a capitalização é importante e nós devemos fazer os investimentos para que a exploração tenha as melhores tecnologias para evitar acidente como no Golfo do México, evitar emissões já na exploração e uma parte dos recursos...

Miriam – Mas manter a exploração do pré-sal?

Marina – Mantém a exploração com segurança . Isso é fundamental. Ter inclusive uma atitude transparente em relação aos procedimentos, às tecnologias que serão usadas. E eu proponho que se estabeleça um comitê cientifico de acompanhamento independente, da sociedade civil. Que as instituições de pesquisas, de forma independente possam acompanhar e auditar, sempre que acharem necessário, o que está sendo feito, exatamente para evitar acidente como o do Golfo do México. E uma boa parte dos recursos seria e investido em tecnologia, em inovação para que a gente substituía no mais rápido curto tempo a questão do uso dos combustíveis fósseis. Né, eu sempre repito uma frase inteligente de um diretor do Banco Mundial que disse nós saímos da idade da pedra não foi por falta de pedra. Foi porque encontramos outras práticas. É preciso sair da idade do petróleo antes que o petróleo acabe com a idade do planeta.

Renata – Candidata, eu vou insistir nas promessas. A senhora propõe investir em saneamento básico R$ 20 bilhões por ano durante dez anos, mas o mandato é de quatro anos. O que é possível fazer em quatro anos?

Marina – Em quatro anos, é manter essa preocupação, Renata. Se nós quisermos resolver o problema de 80% da população que não tem esgoto tratado. É um absurdo uma coisa dessa. Só 13% dos municípios têm aterro sanitário. A maior parte, a outra parte, são lixões. Se nós não fizermos esses investimentos estratégicos, nós não vamos melhorar a qualidade de vida da população.

Renata – De que forma a senhora vai fazer esses investimentos, objetivamente?

Marina – De que forma? Nós vamos evitar o desperdício do gasto público. Existe muito desperdício. Eu vou criar um sistema transparente de acompanhamento da gestão pública. São cerca de quase 5% do PIB que é drenado em corrupção. Se nós criarmos um sistema de acompanhamento transparente, um estado profissionalizado, nós vamos evitar o dreno da corrupção. Quero também que a gente possa imaginar que é possível uma gestão que não se orienta pelo fisiologismo, do aumento de cargos, um estado profissionalizado, mobilizador. Durante quatro anos eu quero priorizar os investimentos estratégicos para que o Brasil possa viver com dignidade. Agora, isso não é promessa, Renata. Isso está no programa de governo, numa plataforma, que diferentemente dos outros candidatos, que não fizeram isso... O governador Serra apresentou um discurso. A ministra Dilma, várias versões. Sabe por quê? Porque eles não se prepararam para debater o Brasil. Se prepararam para o embate. E tem mais. Na minha plataforma de governo, o que eu estou dizendo, é que nós vamos trabalhar esses recursos priorizando as áreas estratégicas. Por quê? Hoje as pessoas acham perfeitamente normal os investimentos que já estão no PAC, agora é bom, pensar que durante dez anos, oito anos do governo Fernando Henrique foram investidos apenas R$ 10 bilhões em saneamento, o que era para ser feito em um ano foi investido em oito anos.

Renata – Pois é, candidata, então falando em dinheiro, em impostos. A senhora pretende aumentar a arrecadação criando as chamadas taxas verdes. A senhora vai aumentar os impostos, a carga tributária já está tão alta.

Marina - Não tem como você dizer que será aumentar os impostos.

Renata – O que seriam essas taxas verdes?

Marina – As taxas verdes é você imaginar que existem determinadas atividades que são altamente danosas ao meio ambiente. Se você quer fazer uma termoelétrica, você vai ter que pagar o preço das emissões de CO2. É para que a gente possa educar e incentivar que os investimentos possam ir para as práticas renováveis.

Miriam – Então o petróleo tem então taxa verde?

Marina – No caso das termoelétricas, sim e, por exemplo, se você vai fazer uma eólica, você pode ter inclusive incentivo. E hoje o custo da eólica já é mais barato do que uma termoelétrica. É uma questão de pensamento estratégico.

Renato – Candidata, são várias propostas que custam muito e o seu partido, por exemplo, não fez alianças nacionais. Como é que a senhora espera conseguir apoio para fazer todas essas mudanças que a senhora, apoio no Congresso, apoio político para fazer todas essas mudanças que a senhora está enumerando?

Marina - Olhe, Renato. Eu talvez seja a única candidata que pode fazer essas mudanças. Porque eu não estou presa às velhas alianças, aos atravessadores da política. E eu estou dizendo claramente, que se ganhar eu vou governar com os melhores do PT, do PMDB, do PSDB, do PDT, e vou conversar diretamente com aqueles parlamentares que se mobilizam por programas. Vou me compor a minha base de governança e os cargos do governo que precisam ser preenchidos com os melhores porque o que nós temos aí são as velhas alianças, que já estão amarrando nos compromissos fisiológicos a mesma repetição dos erros. O PSDB tentou governar sozinho, ficou refém do fisiologismo do PMDB e do Democrata. O PT tentou governar sozinho, ficou refém do fisiologismo do PMDB. No meu governo, eu vou compor com aqueles que se mobilizam programaticamente e não pragmaticamente. Eu sou a única que talvez possa fazer essa transição, mudando a lógica dos governos que são feitos a partir do interesse fisiológico. E eu quero mobilizar a sociedade brasileira por programa, por projeto. É por isso que eu tenho debatido educação, saúde, segurança pública, infra estrutura, tenho debatido como cuidar do meio ambiente sem que isso signifique perder as oportunidades de investimento econômico e social.

Segundo bloco

Renata - A senhora disse diversas vezes que não é preciso discutir quem é o melhor gerente para o Brasil, porque não é isso que vai nos tirar do atraso. Mas, candidata, um presidente não tem que ser um bom gerente ou um bom gestor?

Marina - Um presidente da República tem que ser um bom gestor e ter pensamento estratégico. Um gerente a gente consegue quando tem boas propostas. O presidente Fernando Henrique não era um gerente. Era um homem com visões estratégicas. Por isso, foi possível fazer o Plano Real. O presidente Lula não é um ‘gerentão’, é um home com visão estratégica.

Renata - A senhora se considera uma boa gerente?

Marina - Por isso foi possível fazer um programa que tirou 24 milhões de pessoas da pobreza. Quando a gente tem pensamento estratégico, a gente consegue os melhores gerentes. Agora, quando não se tem pensamento estratégico, não se consegue fazer nada na Presidência da República nem com os melhores gerentes. É por isso que eu estou me dispondo a debater o Brasil estrategicamente. Um país que tem o atraso na educação que nós temos ainda é falta de colocar essa questão como estratégica para o nosso desenvolvimento econômico-social. Um país que não cuida adequadamente dos seus ativos ambientais é falta de pensamento estratégico. É por isso que eu estou dizendo que não precisamos de ‘gerentões’, precisamos de quem tem uma visão estratégica do país e, com ela, se mobiliza os melhores gerentes.

Renato - Candidata, a senhora tem dito que uma constituinte pode ser importante para repensar o Brasil. No continente, os exemplos de constituintes que nós vimos são exemplos que levam, às vezes, a governos autoritários que não respeitam às liberdades individuais, que restringem as liberdades. A senhora está levando isso em conta quando propõe uma Assembleia Constituinte.

Marina - Note bem, Renato, eu não disse que era para repensar o país. Eu disse que era talvez necessário uma Constituinte exclusiva para as reformas, principalmente a reforma política e a reforma tributária, a reforma da previdência, porque essas reformas estão aí há 16 anos. E em função dos inúmeros interesses, elas não conseguem andar. Uma constituinte com um termo de referência exclusivo para estes aspectos e não para tocar causas pétreas da Constituição. Isso nem pode, não há nem mecanismo constitucional e legal para fazer isso. E evitar toda e qualquer aventura que nos leve para o desequilíbrio da democracia no que concerne a compatibilizar a democracia representativa com a democracia direta. Esse equilíbrio precisar ser feito para não cairmos na tentação dos processos plebiscitários que podem ser igualmente autoritários.

Miriam - Candidata, a senhora, na sabatina do Globo, disse que a senhora saiu do governo quando a posição do governador Blairo Maggi ficou forte dentro governo, e a senhora e não viu espaço. Mas, em um debate recente, a candidata Dilma Rousseff disse para a senhora que vocês duas tiveram juntas no combate ao desmatamento e, por isso, o desmatamento caiu. Quer dizer, tendo uma aliada forte como a ex-ministra Dilma Rousseff, a senhora cedeu à pressão de um governador ou vocês duas estiveram em campos opostos na área ambiental dentro do governo Lula?

Marina - Miriam, o plano de combate ao desmatamento foi um plano concebido por mim e pela minha equipe, talvez uma das grandes conquistas do estado brasileiro. Esse plano começou em 2004, quando desmatamento estava em 27 mil quilômetros quadrados. Começou a ser implementado e em 2005 ele caiu para 18 mil.

Miriam - Eu conheço esses dados. O que eu quero saber é se vocês duas foram aliadas e estiveram juntas nas ações ambientais ou estiveram em campos opostos?

Marina - Nessa questão do desmatamento, eu fazia a coordenação executiva do plano. E a Casa Civil tinha um papel muito mais político de convocação. Quem dava todo o suporte técnico e articulava os ministérios era eu juntamente com a minha equipe. Como eu tinha um trânsito muito grande com o ministro da Justiça, o ministro da Defesa, e de Ciência e Tecnologia e o ministro do Desenvolvimento Agrário...

Miriam - Mas saiu porque o governador pensava diferente?

Marina – Não, Miriam, presta atenção. O governador estava pressionando diretamente o presidente da República. Eu sempre digo...

Miriam - E presidente cedeu?

Marina - Eu sempre digo, eu estava em uma situação em que eu percebia que estava sendo retirado o apoio para mim. O Mangabeira pressionava, Blairo Maggi, o governador de Rondônia, Stephanes para que as medidas fossem revogadas dizendo que os nossos dados, os dados de institutos de pesquisa estavam errados e quem estava certo era os dados da Secretaria de Meio Ambiente do governador Blairo Maggi. Nesse aspecto, por uma questão de justiça, a ministra da Casa Civil nem estava participando diretamente desse processo. Eram eles diretamente com o presidente em uma reunião, e quem liderava esse processo era o Stephanes e o Mangabeira Unger. Quando eu percebi que eles estavam induzindo o presidente ao erro, de revogar as medidas baseadas em dados de uma secretaria de Meio Ambiente do estado do Mato Grosso, eu pedi para sair. Fiz um bem para o governo, fiz um bem para a sociedade e principalmente para a Amazônia, porque o desmatamento continua caindo até hoje.

Renata - Então, candidata, falando ainda em meio ambiente e em energia, a senhora afirma que o Brasil está à beira de um apagão, mas a senhora também faz muitas ressalvas à construção de hidrelétricas na Amazônia, e já se disse contra o carvão, o óleo combustível, energia nuclear. Sugeriu aqui inclusive a taxar o petróleo. Mas, então, como livrar o país desse risco a que a senhora se refere?

Marina - Planejamento, Renata. Como é que alguém pode imaginar que um país como o nosso, que está crescendo a 7% ao ano, todo ano fica refém de um empreendimento. Na época do Madeira, ou faz o Madeira o Brasil entra em apagão. Agora, é Belo Monte. Ou faz Belo Monte ou entra em apagão. Isso é falta de plano. Não tem um plano para infraestrutura. Nós vamos resolver isso com um plano, com um programa. O PAC não é um programa. O PAC é apena uma junção de obras, e uma junção de obras que faz o seu papel gerencial.

Renata – A senhora reveria Belo Monte, se eleita?

Marina - Belo Monte é um empreendimento que tem muitas dúvidas. Um diretor, inclusive, se demitiu dizendo que tinha pressões políticas. E infelizmente foi dada a licença sem resolver problemas sociais e ambientais. Há uma responsabilidade. Existem 42 condicionantes para Belo Monte. Eu não sei se elas, sendo cumpridas, o problema será resolvido. Um projeto para ser viável, tem que ser viável economicamente, socialmente e ambientalmente. No meu governo, as três coisas terão que estar caminhando juntas. E você pode crer: a gente, quando entende do assunto, viabiliza mais rápido, sem perda de qualidade. Nós resolvemos 45 hidrelétricas que estavam na Justiça, no governo anterior. Quando eu saí, todas estavam resolvidas e nenhum dos meus diretores estavam sendo processados. Hoje, dizem que agilizaram, mas muitos foram para a Justiça em função de terem feito mal feito.

Miriam – Candidata, está faltando um minuto. Eu queria fazer uma pergunta. É o seguinte: há uma corrente no Brasil que acha que as leis trabalhistas precisam ser mudadas para dar mais agilidade ao mercado de trabalho e para criar mais emprego. A outra corrente acha que isso é tirar direito trabalhista. A senhora está do lado de quem?

Marina - Eu estou do lado da eficiência que faz com que a gente tire da informalidade metade da população economicamente ativa.

Miriam - Mudando as leis trabalhistas?

Marina - As leis trabalhistas podem ser revisadas, revisitadas, sem perda dos trabalhadores, porque hoje, do jeito está, nós já temos 50% da força de trabalho economicamente ativa que está na informalidade. E isso é um problema, inclusive, para o trabalhador. Tem que ter uma discussão. Agora, Miriam, é fundamental que a gente busque uma eficiência da gestão. Todos esses erros que estão acontecendo na gestão pública precisam ser tratados com eficiência e transparência.

Renato – Candidata, por favor. Desculpe interrompê-la desse modo, tão abruptamente. A senhora tem 30 segundos. Eu sou obrigado a interrompê-la com 30 segundos para as suas considerações finais.

Marina - Eu quero dizer para a população brasileira que eu me dispus a debater o Brasil, não um embate, mas um debate para que a gente possa ter a educação, a saúde, a segurança pública, a infraestrutura de qualidade, e uma gestão pública que acabe com os desmandos que nós temos, que as instituições possam funcionar com neutralidade, que a gente possa aprender com os erros para não repeti-los, como está acontecendo seguidas vezes na Casa Civil, nos Correios, no Congresso Nacional. É isso que nós precisamos aperfeiçoar: a gestão pública para que o Brasil possa ser passado a limpo e a gente saia do retrocesso na política.

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