SÃO PAULO - Não houve tiro antes da invasão do apartamento em Santo André. Foi o que disse na quarta-feira (22), em depoimento à polícia, Nayara Rodrigues da Silva, testemunha-chave do seqüestro. À noite, o comandante da operação convocou uma entrevista coletiva e defendeu mais uma vez a ação da polícia. O comandante disse que Nayara pode ter se confundido.
Considerada testemunha-chave da tragédia de Santo André, a adolescente contou como foram os instantes que antecederam a morte de Eloá e disse também que decidiu entrar de novo no apartamento quando viu Lindemberg ameaçando a amiga.
Ela apareceu sorrindo, carregando um bicho de pelúcia. No rosto, o curativo cobre o ferimento por onde a bala entrou. Na boca, o aparelho implantado de manhã, para substituir o velho, quebrado pelo impacto do tiro.
Nesta quarta-feira, Nayara Rodrigues da Silva nem parecia a mesma menina que chegou ao hospital, cinco dias atrás.
Ainda em recuperação, ela seguiu a orientação médica de não dar entrevistas. Nayara acenou e, em seguida, deixou o hospital.
Sobre o depoimento que ela havia prestado pouco antes, o delegado foi direto ao ponto: Nayara ouviu ou não Lindemberg disparar dentro do apartamento, pouco antes da invasão da polícia?”
“O Lindemberg segundo a versão da Nayara não deu um tiro antes da explosão, o que ela informa é que ele deu um tiro por volta de 15h ou 16 horash, num momento de nervosismo para o teto”, informou o delegado Luiz Carlos Santos.
Segundo o delegado, Nayara disse que, no momento da invasão, ela, a amiga Eloá e o seqüestrador Lindemberg estavam na sala. “Estavam lá assistindo televisão”, disse o delegado.
Nayara disse também que Lindemberg atirou nela e em Eloá depois da invasão.
“Com o barulho ela jogou o edredom e o lençol por cima. Então, ela não viu. Ela percebeu dois tiros e daí em diante não se recorda de mais nada. Não se recorda de ter ouvido o terceiro tiro”, acrescentou o delegado.
Sobre a volta ao cativeiro, Nayara deu ao delegado a seguinte explicação: “Tanto não queria entrar, porque ela se viu obrigada diante de ameaça de matar a colega dela”, afirmou.
A mãe de Nayara, Andréia Araújo, confirma que não autorizou a volta da filha para negociar pessoalmente com o seqüestrador.
“A informação através do tenente era de que ela estava indo lá para negociar por telefone. No momento que nós chegamos à escola, ela foi levada para a sala de negociações. Eu fiquei do lado de fora, conversando com o irmão mais velho da Eloá. Quando eu virei para a porta, ela estava saindo, mas eu não tive nem como falar com ela, porque ela estava ao telefone com o Lindemberg”, explicou a mãe de Nayara
Teria sido um erro da polícia? “Estava todo mundo cansado, querendo resolver aquilo logo, se foi uma falha, não sei dizer como”, disse a mãe de Nayara.
O promotor de Justiça Augusto Folgado acompanhou o depoimento de Nayara.
“Eu simplesmente acompanhei, não houve reperguntas, porque isso não é previsto em lei, que o promotor acompanhe o ato do delegado. Eu simplesmente acompanhei para dar a garantia da lisura do ato praticado pela polícia”, disse o promotor Augusto Folgado.
Para o promotor, não importa se a Polícia Militar entrou ou não na hora certa. Para ele, o que conta é a responsabilidade criminal de Lindemberg.
“O crime mais grave, óbvio, é a morte de Eloá. Não resta a menor dúvida da autoria e não resta a menor dúvida do dolo, da vontade de matar por parte do Linderberg”, afirmou o promotor de Justiça Augusto Folgado.
O coronel Eliseu de Moraes que vai presidir o inquérito policial militar para apurar a conduta dos PM’s na ação de Santo André. O inquérito da Polícia Militar deve ficar pronto em 30 dias.
“O disparo não é o fator primordial somente ele. O que determina uma invasão é um risco insuportável e a probabilidade de sucesso. O tiro é também um fator determinante, mas ele por si só não é. Podia ser até o grito da Eloá lá dentro”, declarou o presidente do inquérito militar, coronel Eliseu de Moraes.
O coronel informou que os policiais militares que participaram da ação vão trabalhar normalmente durante o inquérito.
“Não há nenhum indicador de que eles tenham cometido nenhuma ação grave, muito pelo contrário eles estavam ali para proteger”, disse o coronel Eliseu de Moraes.
Mesmo antes de começar a investigação, o coronel já tem opinião formada. “Não houve erro. A finalidade do Gate era preservar a vida”, falou.
Antes de encerrar o inquérito, a polícia e o Ministério Público vão tentar ouvir o seqüestrador Lindemberg Fernandes. Até agora, ele não quis falar nada. O depoimento dele é importante para esclarecer os momentos finais do seqüestro. A promotoria já anunciou que vai denunciar o rapaz por vários crimes, entres eles homicídio e cárcere privado.
Apesar do testemunho firme de Nayara, a refém que sobreviveu dentro do apartamento de Santo André, e também das imagens das câmeras da TV Globo que não registram ruído de tiro do seqüestrador durante os 12 minutos que antecedem a ação policial, o comandante da tropa de choque da Polícia Militar de São Paulo veio a público defender a invasão feita pelos homens do Gate. Contra o depoimento de Nayara, ele reafirma a versão de que toda a ação foi provocada por um tiro dentro do apartamento.
Na sexta-feira, dia 17, início de noite: menos de uma hora depois da invasão, a polícia apresenta a justificativa para a ação do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate).
“Nós só invadimos, porque houve disparo. Caso contrário, não tínhamos invadido. Ele estava com o revólver 32, com os cinco cartuchos deflagrados. A invasão ocorreu após o primeiro disparo. Houve dois disparos”, afirmou na última sexta-feira (17) o coronel Eduardo Félix, comandante do Batalhão de Choque.
O líder do grupo que invadiu o apartamento, tenente Paulo Sergio Schiavo, foi categórico: o motivo da invasão foi o disparo acontecido por volta das 18h. Todos os seus comandados apoiaram o chefe. O sargento Mario Magalhães Neto; Frederico Mastria, outro sargento; o soldado Daylson Moreira Pereira; e o soldado Maurício Martins de Oliveira também disseram que, antes da invasão, ouviram um tiro no apartamento.
Diante da palavra dos policiais, o comandante do Gate, capitão Adriano Giovaninni, não teve dúvida. “A minha equipe falou que teve um disparo antes e não tem por que duvidar deles. Então, teve”, confirmou o comandante do Gate.
Além da polícia, duas testemunhas também disseram ter ouvido aquilo que Nayara não escutou dentro do cativeiro. Uma das testemunhas é Reinaldo Pereira de Souza, vizinho que mora logo acima do apartamento da família de Eloá. No depoimento, Reinaldo Pereira de Souza contou que já se aproximava das 18h de sexta-feira (17) quando ele ouviu um disparo de arma de fogo.
O barulho vinha de dentro do apartamento de Eloá. Reinaldo Pereira de Souza ressalta: o estampido era mais baixo, diferente dos outros que ele tinha ouvido. Quanto tempo se passou entre o barulho do tiro lá dentro e a explosão na porta? O vizinho diz que demorou um pouco. Ele não sabe precisar, mas acredita que um minuto tenha se passado até a explosão que provocou um clarão e estremeceu o bloco de apartamentos.
Outro depoimento é do vizinho do lado. Foi no apartamento de Marco Antonio de Araújo que os policiais se instalaram para acompanhar os movimentos do seqüestrador. Na sexta-feira (17), de acordo com ele, os policiais estavam junto à parede na tentativa de ouvir ruídos e que encostavam um copo de vidro na parede para conseguir escutar melhor.
Marco Antonio conta que foi autorizado pela polícia a sair de casa por volta de 10h da última sexta (17) e que, quando voltou, às 15h, foi impedido de entrar. Segundo ele, todos se preparavam para a rendição do seqüestrador.
Mas o tempo foi passando até que, por volta das 18h, quando estava de frente para o apartamento de Eloá, junto da garagem, ouviu um estampido similar ao de um tiro. Segundo Marco Antonio, menos de um minuto depois do disparo ele ouviu a explosão. Marco Antonio ainda reforça que estava a cerca de 15 metros das janelas do apartamento de Eloá e completa: entre o disparo e a explosão, ele acredita que tenha passado menos de um minuto.
Há um ponto em que todos concordam: Lindemberg deu um tiro na sexta-feira dentro do apartamento bem antes da invasão. Para Nayara, o disparo aconteceu entre 15h e 16h. Foi um tiro para o alto. Para o comandante da tropa de choque, o tiro foi dado de manhã.
No sábado (18), dia seguinte ao desfecho do seqüestro, o comandante do choque explicou por que a polícia não invadiu o apartamento naquele momento.
“Quando a equipe ouviu o disparo, de imediato ele comunicou à gente e perguntamos: ‘Por que isso?’. Porque o humor dele, o estado psicológico dele, ele estava tranqüilo, ele estava negociando. Entrei em contato e ele, de imediato, disse: ‘Não, sem querer. Elas estão bem. Chama as meninas’”, disse no último sábado (18) o coronel Eduardo Félix, comandante do Batalhão de Choque.
A invasão acabou acontecendo precisamente às 18h07min56seg. Com a ajuda de uma linha do tempo, é possível ouvir uma explosão e quatro tiros. As imagens usadas da linha do tempo foram gravadas por uma câmera da TV Globo, ligada 12 minutos antes da explosão da bomba que a polícia usou para arrombar a porta. O material foi analisado pelo perito Ricardo Molina.
“Neste intervalo de 12 minutos, não se percebe nenhum som que pudesse estar associado a um disparo de arma de fogo nem também qualquer reação de qualquer pessoa cuja voz estivesse sendo captada em relação ao possível tiro, como a gente observa após a explosão, quando os tiros realmente começam a ocorrer”, explica o perito Ricardo Molina.
No fim da noite de quarta-feira (22), o comandante da tropa de choque convocou uma entrevista coletiva. O coronel Eduardo Félix defendeu seus comandados e insistiu na explicação de que foi um tiro que levou o Gate a invadir o apartamento da adolescente Eloá na sexta-feira (17). Ao ser confrontado com a versão de Nayara, que negou ter havido o disparo antes do desfecho do seqüestro, o coronel Félix colocou em dúvida o depoimento da adolescente.
“Ela não mentiu. Ela estava como vítima. É uma jovem de 15 anos de idade, que pode ter perfeitamente se confundido, estar confusa e não entender o que ”, disse o coronel Eduardo Félix, comandante do Batalhão de Choque.
Agora, a reconstituição do crime e a atuação dos peritos é que podem mostrar se houve algum tiro antes da invasão. Ao dizer taxativamente que não ouviu nenhum disparo depois das 16h da última sexta-feira (17), Nayara Silva devolveu para a polícia a responsabilidade de mostrar que tomou a decisão certa na hora de explodir a porta e entrar no apartamento em Santo André.
Ainda nesta quarta-feira (22), no final da coletiva, a Polícia Militar divulgou um vídeo em que apresenta uma vizinha como testemunha.
“Estava aqui, aí escutei o estampido. Aí, em seguida, a explosão. Eu olhei aí fez ‘Pá, pá, pá’. Com certeza, escute esse tiro. Aí o pessoal falou... Estão falando que não houve o estampido. Lógico que houve”, declarou a vizinha.
Até agora, 23 testemunhas foram ouvidas no inquérito sobre o seqüestro. O delegado quer fazer a reconstituição da invasão do apartamento. A polícia agora quer investigar se esse estampido que os vizinhos disseram ter ouvido cerca de um minuto antes da invasão da polícia era mesmo um tiro ou se poderia ser o dispositivo que aciona os explosivos montados pelos policiais para arrombar a porta do apartamento que serviu de cativeiro.
Outro questionamento é: se houve mesmo esse tiro, ele seria impreterivelmente ouvido pelos vizinhos ou não? Para responder a essas perguntas, o delegado quer fazer uma reconstituição do crime. Para que isso seja possível, ele vai ter que pedir a prorrogação do prazo para a conclusão do inquérito, marcado para sexta-feira (24).
A polícia também vai usar nas investigações as imagens e o laudo captado pelas câmeras de TV que ficaram o tempo todo acompanhando o seqüestro. Todo esse material deve passar por uma perícia.
O inquérito da Polícia Militar sobre o caso deve ficar pronto em três dias. O seqüestrador Lindemberg Fernandes Alves permanece isolado no Presídio de Tremembé, no interior de São Paulo, e deve ficar assim até o fim da próxima semana.
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