Santo André

Polícia põe em dúvida versão de Nayara sobre crime

Adolescente disse que não houve tiro antes da invasão do apartamento em Santo André.

Bom Dia Brasil

Atualizada em 27/03/2022 às 13h28

SÃO PAULO - Não houve tiro antes da invasão do apartamento em Santo André. Foi o que disse na quarta-feira (22), em depoimento à polícia, Nayara Rodrigues da Silva, testemunha-chave do seqüestro. À noite, o comandante da operação convocou uma entrevista coletiva e defendeu mais uma vez a ação da polícia. O comandante disse que Nayara pode ter se confundido.

Considerada testemunha-chave da tragédia de Santo André, a adolescente contou como foram os instantes que antecederam a morte de Eloá e disse também que decidiu entrar de novo no apartamento quando viu Lindemberg ameaçando a amiga.

Ela apareceu sorrindo, carregando um bicho de pelúcia. No rosto, o curativo cobre o ferimento por onde a bala entrou. Na boca, o aparelho implantado de manhã, para substituir o velho, quebrado pelo impacto do tiro.

Nesta quarta-feira, Nayara Rodrigues da Silva nem parecia a mesma menina que chegou ao hospital, cinco dias atrás.

Ainda em recuperação, ela seguiu a orientação médica de não dar entrevistas. Nayara acenou e, em seguida, deixou o hospital.

Sobre o depoimento que ela havia prestado pouco antes, o delegado foi direto ao ponto: Nayara ouviu ou não Lindemberg disparar dentro do apartamento, pouco antes da invasão da polícia?”

“O Lindemberg segundo a versão da Nayara não deu um tiro antes da explosão, o que ela informa é que ele deu um tiro por volta de 15h ou 16 horash, num momento de nervosismo para o teto”, informou o delegado Luiz Carlos Santos.

Segundo o delegado, Nayara disse que, no momento da invasão, ela, a amiga Eloá e o seqüestrador Lindemberg estavam na sala. “Estavam lá assistindo televisão”, disse o delegado.

Nayara disse também que Lindemberg atirou nela e em Eloá depois da invasão.

“Com o barulho ela jogou o edredom e o lençol por cima. Então, ela não viu. Ela percebeu dois tiros e daí em diante não se recorda de mais nada. Não se recorda de ter ouvido o terceiro tiro”, acrescentou o delegado.

Sobre a volta ao cativeiro, Nayara deu ao delegado a seguinte explicação: “Tanto não queria entrar, porque ela se viu obrigada diante de ameaça de matar a colega dela”, afirmou.

A mãe de Nayara, Andréia Araújo, confirma que não autorizou a volta da filha para negociar pessoalmente com o seqüestrador.

“A informação através do tenente era de que ela estava indo lá para negociar por telefone. No momento que nós chegamos à escola, ela foi levada para a sala de negociações. Eu fiquei do lado de fora, conversando com o irmão mais velho da Eloá. Quando eu virei para a porta, ela estava saindo, mas eu não tive nem como falar com ela, porque ela estava ao telefone com o Lindemberg”, explicou a mãe de Nayara

Teria sido um erro da polícia? “Estava todo mundo cansado, querendo resolver aquilo logo, se foi uma falha, não sei dizer como”, disse a mãe de Nayara.

O promotor de Justiça Augusto Folgado acompanhou o depoimento de Nayara.

“Eu simplesmente acompanhei, não houve reperguntas, porque isso não é previsto em lei, que o promotor acompanhe o ato do delegado. Eu simplesmente acompanhei para dar a garantia da lisura do ato praticado pela polícia”, disse o promotor Augusto Folgado.

Para o promotor, não importa se a Polícia Militar entrou ou não na hora certa. Para ele, o que conta é a responsabilidade criminal de Lindemberg.

“O crime mais grave, óbvio, é a morte de Eloá. Não resta a menor dúvida da autoria e não resta a menor dúvida do dolo, da vontade de matar por parte do Linderberg”, afirmou o promotor de Justiça Augusto Folgado.

O coronel Eliseu de Moraes que vai presidir o inquérito policial militar para apurar a conduta dos PM’s na ação de Santo André. O inquérito da Polícia Militar deve ficar pronto em 30 dias.

“O disparo não é o fator primordial somente ele. O que determina uma invasão é um risco insuportável e a probabilidade de sucesso. O tiro é também um fator determinante, mas ele por si só não é. Podia ser até o grito da Eloá lá dentro”, declarou o presidente do inquérito militar, coronel Eliseu de Moraes.

O coronel informou que os policiais militares que participaram da ação vão trabalhar normalmente durante o inquérito.

“Não há nenhum indicador de que eles tenham cometido nenhuma ação grave, muito pelo contrário eles estavam ali para proteger”, disse o coronel Eliseu de Moraes.

Mesmo antes de começar a investigação, o coronel já tem opinião formada. “Não houve erro. A finalidade do Gate era preservar a vida”, falou.

Antes de encerrar o inquérito, a polícia e o Ministério Público vão tentar ouvir o seqüestrador Lindemberg Fernandes. Até agora, ele não quis falar nada. O depoimento dele é importante para esclarecer os momentos finais do seqüestro. A promotoria já anunciou que vai denunciar o rapaz por vários crimes, entres eles homicídio e cárcere privado.

Apesar do testemunho firme de Nayara, a refém que sobreviveu dentro do apartamento de Santo André, e também das imagens das câmeras da TV Globo que não registram ruído de tiro do seqüestrador durante os 12 minutos que antecedem a ação policial, o comandante da tropa de choque da Polícia Militar de São Paulo veio a público defender a invasão feita pelos homens do Gate. Contra o depoimento de Nayara, ele reafirma a versão de que toda a ação foi provocada por um tiro dentro do apartamento.

Na sexta-feira, dia 17, início de noite: menos de uma hora depois da invasão, a polícia apresenta a justificativa para a ação do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate).

“Nós só invadimos, porque houve disparo. Caso contrário, não tínhamos invadido. Ele estava com o revólver 32, com os cinco cartuchos deflagrados. A invasão ocorreu após o primeiro disparo. Houve dois disparos”, afirmou na última sexta-feira (17) o coronel Eduardo Félix, comandante do Batalhão de Choque.

O líder do grupo que invadiu o apartamento, tenente Paulo Sergio Schiavo, foi categórico: o motivo da invasão foi o disparo acontecido por volta das 18h. Todos os seus comandados apoiaram o chefe. O sargento Mario Magalhães Neto; Frederico Mastria, outro sargento; o soldado Daylson Moreira Pereira; e o soldado Maurício Martins de Oliveira também disseram que, antes da invasão, ouviram um tiro no apartamento.

Diante da palavra dos policiais, o comandante do Gate, capitão Adriano Giovaninni, não teve dúvida. “A minha equipe falou que teve um disparo antes e não tem por que duvidar deles. Então, teve”, confirmou o comandante do Gate.

Além da polícia, duas testemunhas também disseram ter ouvido aquilo que Nayara não escutou dentro do cativeiro. Uma das testemunhas é Reinaldo Pereira de Souza, vizinho que mora logo acima do apartamento da família de Eloá. No depoimento, Reinaldo Pereira de Souza contou que já se aproximava das 18h de sexta-feira (17) quando ele ouviu um disparo de arma de fogo.

O barulho vinha de dentro do apartamento de Eloá. Reinaldo Pereira de Souza ressalta: o estampido era mais baixo, diferente dos outros que ele tinha ouvido. Quanto tempo se passou entre o barulho do tiro lá dentro e a explosão na porta? O vizinho diz que demorou um pouco. Ele não sabe precisar, mas acredita que um minuto tenha se passado até a explosão que provocou um clarão e estremeceu o bloco de apartamentos.

Outro depoimento é do vizinho do lado. Foi no apartamento de Marco Antonio de Araújo que os policiais se instalaram para acompanhar os movimentos do seqüestrador. Na sexta-feira (17), de acordo com ele, os policiais estavam junto à parede na tentativa de ouvir ruídos e que encostavam um copo de vidro na parede para conseguir escutar melhor.

Marco Antonio conta que foi autorizado pela polícia a sair de casa por volta de 10h da última sexta (17) e que, quando voltou, às 15h, foi impedido de entrar. Segundo ele, todos se preparavam para a rendição do seqüestrador.

Mas o tempo foi passando até que, por volta das 18h, quando estava de frente para o apartamento de Eloá, junto da garagem, ouviu um estampido similar ao de um tiro. Segundo Marco Antonio, menos de um minuto depois do disparo ele ouviu a explosão. Marco Antonio ainda reforça que estava a cerca de 15 metros das janelas do apartamento de Eloá e completa: entre o disparo e a explosão, ele acredita que tenha passado menos de um minuto.

Há um ponto em que todos concordam: Lindemberg deu um tiro na sexta-feira dentro do apartamento bem antes da invasão. Para Nayara, o disparo aconteceu entre 15h e 16h. Foi um tiro para o alto. Para o comandante da tropa de choque, o tiro foi dado de manhã.

No sábado (18), dia seguinte ao desfecho do seqüestro, o comandante do choque explicou por que a polícia não invadiu o apartamento naquele momento.

“Quando a equipe ouviu o disparo, de imediato ele comunicou à gente e perguntamos: ‘Por que isso?’. Porque o humor dele, o estado psicológico dele, ele estava tranqüilo, ele estava negociando. Entrei em contato e ele, de imediato, disse: ‘Não, sem querer. Elas estão bem. Chama as meninas’”, disse no último sábado (18) o coronel Eduardo Félix, comandante do Batalhão de Choque.

A invasão acabou acontecendo precisamente às 18h07min56seg. Com a ajuda de uma linha do tempo, é possível ouvir uma explosão e quatro tiros. As imagens usadas da linha do tempo foram gravadas por uma câmera da TV Globo, ligada 12 minutos antes da explosão da bomba que a polícia usou para arrombar a porta. O material foi analisado pelo perito Ricardo Molina.

“Neste intervalo de 12 minutos, não se percebe nenhum som que pudesse estar associado a um disparo de arma de fogo nem também qualquer reação de qualquer pessoa cuja voz estivesse sendo captada em relação ao possível tiro, como a gente observa após a explosão, quando os tiros realmente começam a ocorrer”, explica o perito Ricardo Molina.

No fim da noite de quarta-feira (22), o comandante da tropa de choque convocou uma entrevista coletiva. O coronel Eduardo Félix defendeu seus comandados e insistiu na explicação de que foi um tiro que levou o Gate a invadir o apartamento da adolescente Eloá na sexta-feira (17). Ao ser confrontado com a versão de Nayara, que negou ter havido o disparo antes do desfecho do seqüestro, o coronel Félix colocou em dúvida o depoimento da adolescente.

“Ela não mentiu. Ela estava como vítima. É uma jovem de 15 anos de idade, que pode ter perfeitamente se confundido, estar confusa e não entender o que ”, disse o coronel Eduardo Félix, comandante do Batalhão de Choque.

Agora, a reconstituição do crime e a atuação dos peritos é que podem mostrar se houve algum tiro antes da invasão. Ao dizer taxativamente que não ouviu nenhum disparo depois das 16h da última sexta-feira (17), Nayara Silva devolveu para a polícia a responsabilidade de mostrar que tomou a decisão certa na hora de explodir a porta e entrar no apartamento em Santo André.

Ainda nesta quarta-feira (22), no final da coletiva, a Polícia Militar divulgou um vídeo em que apresenta uma vizinha como testemunha.

“Estava aqui, aí escutei o estampido. Aí, em seguida, a explosão. Eu olhei aí fez ‘Pá, pá, pá’. Com certeza, escute esse tiro. Aí o pessoal falou... Estão falando que não houve o estampido. Lógico que houve”, declarou a vizinha.

Até agora, 23 testemunhas foram ouvidas no inquérito sobre o seqüestro. O delegado quer fazer a reconstituição da invasão do apartamento. A polícia agora quer investigar se esse estampido que os vizinhos disseram ter ouvido cerca de um minuto antes da invasão da polícia era mesmo um tiro ou se poderia ser o dispositivo que aciona os explosivos montados pelos policiais para arrombar a porta do apartamento que serviu de cativeiro.

Outro questionamento é: se houve mesmo esse tiro, ele seria impreterivelmente ouvido pelos vizinhos ou não? Para responder a essas perguntas, o delegado quer fazer uma reconstituição do crime. Para que isso seja possível, ele vai ter que pedir a prorrogação do prazo para a conclusão do inquérito, marcado para sexta-feira (24).

A polícia também vai usar nas investigações as imagens e o laudo captado pelas câmeras de TV que ficaram o tempo todo acompanhando o seqüestro. Todo esse material deve passar por uma perícia.

O inquérito da Polícia Militar sobre o caso deve ficar pronto em três dias. O seqüestrador Lindemberg Fernandes Alves permanece isolado no Presídio de Tremembé, no interior de São Paulo, e deve ficar assim até o fim da próxima semana.

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