Ronaldo Lessa: “Alagoas mostrou que Collor não é imbatível”

Andreza Matais, Agência Nordeste

Atualizada em 27/03/2022 às 15h28

BRASÍLIA – Nos próximos dias, quem visitar Alagoas poderá encontrar espalhado pelo Estado centenas de outdoors com a seguinte mensagem: “De alma lavada”. O recado é do Governador reeleito Ronaldo Lessa (PSB), que faz questão de demonstrar sua satisfação por ter derrotado, nas urnas, o grupo político do ex-presidente Fernando Collor de Mello (PRTB).

Isso porque ninguém no País poderia imaginar que Collor perderia uma eleição em Alagoas, e o que é pior, no 1º turno. Afinal, ele sempre foi considerado um ícone no Estado, “o presidente que perdeu o mandato devido ao preconceito dos paulistas com os nordestinos”, como costuma dizer.

Uma prova disso é que Collor conseguiu reunir em torno de sua campanha seis partidos, além da maior parte dos prefeitos e deputados do Estado. Para Lessa sobrou apenas a opção de se aliar a pequenos partidos, como o PAN e o PV. Nesta entrevista à Agência Nordeste, Lessa faz uma reflexão sobre o novo momento político de Alagoas e do País, que rejeitou nas urnas os políticos já condenados.

“Ele tentou passar para a sociedade a imagem de que era imbatível, de que seria em Alagoas o que quisesse. Que conseguiria eleger o cunhado, o primo, o filho.

Enfim, ele tratava o Estado como se fosse uma coisa dele, em que dava as cartas, as regras. E não era bem assim”, diz Lessa.

O governador fala ainda da pressão que sofreu para apoiar o presidenciável José Serra (PSDB) e dos desafios que o próximo presidente terá que enfrentar para desenvolver a Região Nordeste. “O Governo Fernando Henrique foi muito paulista”, criticou. A seguir os principais trechos da entrevista.

AN – Qual a explicação que o senhor encontra para a derrota, não só do ex-presidente Fernando Collor de Mello, mas de todo o seu grupo político? Collor parecia ser um ícone local.

RONALDO LESSA – Ele tentou passar para a sociedade a imagem de que era imbatível, de que seria em Alagoas o que quisesse. Que conseguiria eleger o cunhado, o primo, o filho. Enfim, ele tratava o Estado como se fosse uma coisa dele, em que dava as cartas, as regras. E não era bem assim. O que ele não considerou é que havia uma expectativa grande não só em Alagoas, mas no País todo, de cobrar tudo aquilo o que fez. Na verdade ele decepcionou o povo do Brasil, com a questão da corrupção. Ele subestimou o movimento anti-collor, da juventude, das mulheres e dos funcionários públicos. E não considerou que houve avanços concretos em Alagoas. Agora, ele teve 40% dos votos válidos, principalmente dos eleitores das classes D e E. Não posso desconsiderar isso.

AN – A derrota do grupo político de Collor representa uma mudança no comportamento do eleitorado brasileiro?

RONALDO LESSA – O perfil mudou qualitativamente. O eleitor cobra mais ética na política, mais responsabilidade, acompanha mais, exige participar mais. Essas mudanças concretas que a gente fez em Alagoas é que permitiram que o Collor não vencesse a eleição. Por exemplo, fizemos a constituinte nas escolas. Os diretores hoje são escolhidos por meio de eleições diretas. Numa terra em que se controlava a ferro e fogo os currais eleitorais, a gente fazer esse tipo de transformação é muito gratificante.

AN – O Sr. foi eleito dentro de uma coligação branca envolvendo o PSDB, por meio do senador Teotônio Vilela (PSDB) e o senador Renan Calheiros (PMDB). O PSDB, inclusive, participa de seu governo. Não seria, neste momento, mais natural o seu apoio ao José Serra? Há cobrança do Governo Federal pelo fato de o Sr. ter optado pela candidatura de Lula?

RONALDO LESSA - A cobrança já houve, já ligaram. Mas eles sabem que não sou homem de ficar sem posição. Não sou tucano.... (risos). Disseram o seguinte: olha, vamos administrar o 2º turno, sabemos que o PSB vai ficar com o Lula, agora a gente conduziu bem o 1º turno, vamos conduzir bem o 2º. Acho que está certo, pois no 1º turno tinha gente em meu palanque pedindo votos para os quatro candidatos a presidência. Estávamos unidos por Alagoas. Havia quem pedia para Serra, Garotinho, Lula e Ciro. Então era um palanque eclético. Mantivemos isso num bom nível. Agora o que vamos fazer? Vamos respeitar: eles vão fazer palanque para Serra e nós vamos fazer palanque para Lula.

AN – A sua participação na campanha do PT será efetiva ou o sr. vai se limitar a declarar apoio a Lula?

RONALDO LESSA – Vai depender do que eles pedirem. Estou declarando apoio, o meu partido autorizou. Mas o tamanho do apoio também é do tamanho que me tratem. Eles não vão querer que no palanque detrate o Serra.

AN – O PSB tem se caracterizado por um certo viés religioso na ação política, particularmente em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. O sr. percebe algum tipo de incongruência entre o Partido Socialista, notadamente um partido laico, com a mistura entre política e religião?

RONALDO LESSA - Em Alagoas teremos um confronto maior pois temos um deputado que foi praticamente eleito pela Igreja Católica e outro deputado que virou primeiro suplente mas teve uma votação enorme, um filho de pastor. Então, em Alagoas os evangélicos e católicos estão muito dentro do partido. Acho que temos é que politizar isso. Não é uma contradição muito grande. O PSB, quando se reorganizou, deixou claro em seu programa que absorvia qualquer tipo de conceito filosófico de vida, desde o materialismo a até qualquer religião, a questão da fé, do credo, de cada um. E nos unimos diante de princípios.

AN – Quais as prioridades que o próximo presidente deve ter para a Região Nordeste?

RONALDO LESSA – É fundamental que haja uma política de industrialização para o Nordeste, como há também necessidade de políticas regionais. O Nordeste não tem que ter assistencialismo. Às vezes dizem: vamos compensar isso. Não é assim. Tem que ter uma política própria. Vou dar um exemplo. Já vi no Sul as pessoas darem a entender que o Nordeste é pobre e que o resto do País trabalha para o Nordeste. Isso não é verdade. O Sul, por exemplo, não tem gás, o Nordeste tem e está pagando o preço de gás mais caro, que é a mesma coisa de dizer que subsidia o gás do Sul porque o gás vem da Bolívia.

AN – Por que isso acontece?

RONALDO LESSA – Porque não há uma política própria para o Nordeste. Ao invés de estimular o incentivo fiscal, que às vezes leva a uma concorrência autofágica entre os estados, o Governo deveria ter uma política específica de, por exemplo, poder ter preços diferenciados. Em Alagoas, por exemplo, há uma jazida de gás, mas não posso oferecer um preço competitivo para concorrer com São Paulo porque ele está subsidiado. Ou seja, o Governo eleva o preço do gás em Alagoas para poder ser competitivo em São Paulo. Se eu tenho um gás competitivo as empresas podiam ir para lá porque a energia seria mais barata. O próprio São Francisco dá energia para o País todo. Mas quando chega no final, da última hidrelétrica para baixo, sai todo mundo prejudicado. E não há uma política compensatória para diminuir os danos ambientais e humanos, porque há pessoas vivendo da pesca, tinham as várzeas com enchentes e hoje não existem mais. Ao contrário de ter políticas para atender ora seca, ora isso, ora aquilo, era ter uma política de desenvolvimento para o Nordeste. Essa é a única coisa que vou cobrar de Lula para dar o meu apoio.

AN – Onde o Fernando Henrique errou?

RONALDO LESSA - Ele que me perdoe. Mas achei que o Governo Fernando Henrique foi muito paulista. Até isso é uma razão para eu apoiar Lula. Isso sem preconceito nenhum com São Paulo. Depois de Maceió, a cidade que tem mais alagoanos é São Paulo. Se você resolver os problemas do Nordeste estará resolvendo os problemas do País.

AN – O senhor também acha que falta união entre os governadores do Nordeste?

RONALDO LESSA - Eu tenho na reunião de governadores colocado isso. Todo mundo vem buscar em Brasília seu pedaço maior. O bolo maior do dinheiro está aqui. Evidentemente que isso sugere a ganância de você ser amigo do rei e vir buscar o seu quinhão maior. É aí que está o equívoco. Se a gente fizesse uma política de aliança regional e fortalecimento do Norte/Nordeste, daria um resultado econômico e social muito melhor. Defendo um pacto de aliança nordestino em defesa dos interesses que não são - e eu posso provar só do Nordeste - incompatíveis com o País. O Nordeste mais forte vai ajudar o País a se desenvolver.

AN – Qual o papel do próximo presidente nisso?

RONALDO LESSA - É muito importante o papel do presidente. Ele pode estimular os estados a se unirem. Pode fazer a política da divisão para governar. Dar carta branca para uma política regional e incentivar essa política. Sobretudo, enquanto não tiver divisão do bolo econômico do País.

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