Direito de família

Avanços e divergências marcam discussão sobre o princípio da monogamia no Brasil

Em decisão inédita, TJ-MA reconheceu direito da divisão de herança para duas mulheres.

Maurício Araya / Imirante.com

Atualizada em 27/03/2022 às 11h52
Em decisão inédita, TJ-MA reconheceu direito da divisão de herança para duas mulheres.
Em decisão inédita, TJ-MA reconheceu direito da divisão de herança para duas mulheres. (Divulgação)

SÃO LUÍS – Uma decisão inédita no Maranhão surpreendeu, nesta semana, muita gente: a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-MA), por unanimidade, reconheceu como união estável o relacionamento de uma mulher que ingressou com um processo na Justiça pleiteando direitos patrimoniais após o falecimento de um homem casado com outra pessoa, com quem manteve um relacionamento paralelo por 17 anos. A decisão do colegiado seguiu o voto do relator, desembargador Lourival Serejo, que considerou plausível o pedido formulado, já que, segundo a Corte, o relacionamento preenchia todos os pré-requisitos necessários para configurar uma união estável, conforme prevê o Artigo nº 1.723 do Código Civil. Com a decisão, a herança vai ser dividida entre as duas mulheres.

A presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família no Maranhão (IBDFAM-MA), Bruna Barbieri, explica que até mesmo dentro da entidade, que conta com mais de seis mil integrantes em todo o país, há discordâncias sobre o assunto. "Nós temos, ainda, muita divergência sobre essa questão: existem pessoas, juristas e profissionais de outras áreas, que se posicionam a favor dessa configuração simultânea e existem, naturalmente, pessoas que se configuram contra. Aqueles que se filiam a favor, corrente a qual eu me filio, verificam que na Constituição Federal, em nosso ordenamento positivado, nós não temos escrito o princípio da monogamia. Ele parte de uma interpretação sistemática, a respeito de normas de ordem moral, mas que positivado, codificado, não existe. Parte, daí, a primeira discussão: o princípio da monogamia é fundante na nossa sociedade ou é estruturante do nosso Direito?", questiona em entrevista ao Imirante.com.

Ela explica que, retroagindo na história, essa constituição familiar remonta ao período de colonização do Brasil, há mais de 500 anos, e defende que é justo que se resguardem direitos, quando há o conhecimento do núcleo original sobre o relacionamento, ou seja, quando há uma convenção privada, em que o Estado não poderia restringir direitos. "A gente não pode generalizar. A gente sabe que muitas pessoas se relacionam com irresponsabilidade, violando a dignidade dos primeiros relacionamentos, violando a transparência que é necessária para se ter em uma união conjugal. Aquelas situações em que se verifica a obediência aos requisitos de transparência, respeito à dignidade dos primeiros envolvidos, ostensividade, publicidade desse segundo relacionamento perante, ao menos, uma parcela da comunidade, são relacionamentos que, por serem públicos e de boa-fé, merecem ser reconhecidos como tal", afirma.

Recurso

O Ministério Público do Maranhão (MP-MA) já se manifestou, e garante que vai recorrer da decisão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), após receber a intimação do acórdão. A procuradora de Justiça e ouvidora-geral do MP-MA, Mariléa Campos dos Santos Costa, reconhece que houve um avanço no reconhecimento da união estável, mas defende que, nesse caso, não haveria motivo para tal decisão. "Eu entendo que o desembargador Lourival Serejo avançou bastante porque, realmente, a ótica dele foi olhar a modernidade. O Ministério Público, em parecer contrário, olhou a questão mais legalista, da ausência de filhos entre o casal e a formação patrimonial, que não estava muito definida. Para ser herdeiro de uma pessoa, no caso cônjuge ou companheiro, ela deve ter uma comprovação de formação patrimonial. O Ministério Público achou injusto repartir o patrimônio com a amante", diz a procuradora, que explica que o termo "amante" é, ainda, o utilizado pelo Direito para esses casos.

Questionada pela reportagem do Imirante.com sobre se a decisão não poderia legitimar o modelo de poligamia no país, a Mariléa dos Santos Costa esclarece que a lei é clara: "O Brasil é um país monogâmico. Você pode casar com uma pessoa, se divorciar e casar com outra pessoa. A bigamia é crime no nosso sistema jurídico penal", afirma. "É por isso que nós estamos resguardando, também, a moral. Nós temos que olhar a lei, mas a periferia da lei, também, deve ser observada", conclui.

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