Denúncias de trabalho escravos são investigadas em Açailândia

Agência Brasil

Atualizada em 27/03/2022 às 15h14

BRASÍLIA - Imperatriz, a segunda maior cidade do Maranhão, situada no extremo sul do estado, é a base para mais uma jornada de trabalho, desta vez em pleno sábado, 20 de setembro. Hospedados num hotel simples da cidade, os integrantes do grupo despertam pouco antes das 6 da manhã e engolem o café rapidamente para, apressados, iniciar um longo dia de investigações.

As quatro caminhonetes estão preparadas para qualquer tipo de terreno que apareça pela frente. Tração nas quatro rodas, guinchos elétricos. Acostumados a encarar territórios ermos, onde a cidadania ainda é uma palavra estrangeira, os doze integrantes do grupo embarcam com destino à cidade de Açailândia, a cerca de 70 quilômetros de Imperatriz. Vão visitar uma região onde abundam, além do gado e das palmeiras, as denúncias de trabalho escravo, que são o alvo dessa equipe de fiscalização móvel do Ministério do Trabalho.

Ao todo são cinco auditores fiscais, além de um delegado e cinco agentes da Polícia Federal. Um representante do Ministério Público do Trabalho veio de Brasília para acompanhar a operação. Depois de uma hora de viagem por asfalto, a equipe chega no Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia, uma entidade que tem o apoio da Comissão Pastoral do Trabalho, órgão ligado à Igreja Católica. A organização não governamental é uma parceira do governo no combate ao trabalho escravo. Acolhe trabalhadores que conseguem fugir das grandes fazendas de gado da região.

Os integrantes da equipe de fiscalização querem mais informações sobre uma denúncia de trabalho escravo na fazenda Nova Era, localizada na região. Eles ouvem o relato de Raimundo Nonato Santos, que trabalhava na fazenda e foi até a cidade para tratamento de saúde. Raimundo diz para os fiscais que, na fazenda, existe o chamado “gato”, funcionário de confiança do dono da fazenda que cuida dos trabalhadores e alicia pessoas em outras regiões, prometendo bons salários. Quando a pessoa começa o trabalho, a coisa muda de figura, e o que foi prometido se transforma numa ilusão: o salário é menor do que o contratado, e o trabalhador contrai dívidas no barracão (lugar onde são vendidos pelo proprietário, com preços acima do mercado, itens como roupas, alimentos etc.).

Depois do relato do trabalhador, o comboio parte em direção da fazenda, primeiro no asfalto e depois numa estrada de terra esburacada. Caminhões de gado transitam constantemente na região. A poeira abundante da terra vermelha tira toda a visibilidade. O calor de quase 40 graus é sufocante. Quando a equipe chega na sede da fazenda, não encontra ninguém. O proprietário e os trabalhadores estão numa área mais afastada. A fazenda tem cerca de 48 mil hectares e mais de 6 mil cabeças de gado.

A estrada vai piorando, com mais buracos, erosões e poeira. Além dos caminhões, chove sete meses por ano na região. O caminho contorna grandes pastos e pouca mata nativa. Finalmente o comboio chega onde estão os trabalhadores. Apenas onze deles estão no lugar, deitados em redes debaixo de uma cobertura de palha de palmeira. O banheiro e a cozinha são improvisados com lonas de plástico preto. Os fiscais começam então a entrevistá-los para saber como são tratados pelo fazendeiro. Perguntam sobre as condições de trabalho.

Se tem folgas regulares, carteira de trabalho assinada, se têm dívidas no barracão e se recebem salários regularmente. Os funcionários da fazenda trabalham na colheita de sementes de capim para a formação de novos pastos. Para cada saco de 10 quilos de semente colhido, eles recebem R$ 10. No final de um mês o salário chega a ficar entre R$ 200 e R$ 300. Descontando as despesas no barracão com fumo, pasta de dente e com as botas que usam, os empregados recebem em média R$ 180. Os gastos dos empregados são anotados num caderno, que não estava no local.

Um dos empregados é o Sr. Nilson Ribeiro da Silva, de 63 anos de idade que trabalha na fazenda há um ano e meio e diz que não tem o que reclamar. Para o Sr. Nilson o salário é razoável. A única reclamação é o transporte para a cidade, feito normalmente no caminhão de leite. O motorista cobra R$ 6 pela passagem. Os trabalhadores fazem a viagem de aproximadamente 80 quilômetros uma vez por mês. São R$ 12 ida e volta. Muito caro segundo o Sr. Nilson.

Os fiscais constatam que não existe trabalho escravo na fazenda. A denúncia não foi confirmada, mas o proprietário, Sr. Hildebrando Gonçalves dos Santos, é autuado por não ter assinado a carteira de trabalho de alguns empregados.

Para a Coordenadora da Equipe de Fiscalização, Cláudia Brito, a denúncia não comprovada é muito rara de acontecer. Normalmente os fiscais encontram um quadro pior do que a denúncia feita. Cláudia Brito diz que o trabalho das equipes de fiscalização estão de alguma forma conscientizando os fazendeiros. No caso da fazenda Nova Era, o dono está, inclusive, construindo um barracão dentro das normas do Ministério do Trabalho, com um banheiro e uma cozinha.

A cerca de arame liso interrompe a passagem dos carros e obriga a equipe a seguir a pé

No dia seguinte a rotina da equipe se repete. Depois de um café da manhã rápido os fiscais entram nas caminhonetes para outra operação. Desta vez na fazenda chamada Rodominas, também localizada no município de Açailândia. A estrada de terra é pior do que a do dia anterior. Ela vai estreitando e passando por uma mata densa e cheia de árvores. Os pastos começam a desaparecer neste lugar. A certa altura da estrada uma cerca de arame liso interrompe a viagem do comboio. A partir daí todos são obrigados a seguir a pé pela estrada. Os federais vão na frente para garantir a segurança do grupo. Nesta região, os fazendeiros costumam contratar capangas armados para proteger a propriedade de invasores e tomar conta dos trabalhadores.

Depois de uma caminhada de vinte minutos, os fiscais encontram a vila completamente abandonada

Pouco mais de vinte minutos de caminhada para percorrer e uma distância aproximada de 3 quilômetros, os fiscais encontram uma pequena vila com sete casas. Os policiais revistam todas elas e nada encontram. Nem uma pessoa foi encontrada. A decepção de todos é grande. Uma auditora do trabalho, Valéria Félix, integrante da equipe, conta que certa vez um fazendeiro da região descobriu que sofreria uma fiscalização. Segundo ela, na madrugada anterior ele retirou os trabalhadores e, não satisfeito, fez buracos enormes na estrada para impedir o acesso dos fiscais. Valéria conta que teve de andar cerca de 5 quilômetros até o barracão da fazenda. Chegando lá ela no encontrou ninguém, mas achou o telefone celular do fazendeiro que na correria o deixou cair na terra e nem viu. Mesmo assim ele sofreu a fiscalização e foi multado.

Depois de vasculhar todo o lugar, os fiscais retornaram para os carros. A decepção era grande. Mais uma vez a denúncia não se confirmou. Depois de dar meia volta os fiscais resolveram ir na sede da fazenda. Chegando lá foram recebidos pelo proprietário e nada de irregular foi constatado. Neste momento, os coordenadores da operação fizeram uma reunião rápida e resolveram retornar para Açailândia para colher mais informações.

O trabalho é realizado constantemente pelas cinco equipes de fiscalização móvel do Ministério do Trabalho e Emprego. Elas atuam principalmente no sul do estado do Pará, no Maranhão, Tocantins e no Mato Grosso desde 1995. Os agentes da polícia federal sempre dão apoio nas operações que no ano passado foram somente 19. Neste ano já foram realizadas 32. Os fiscais estiveram em 115 fazendas em 2003. Em 2002 foram visitadas apenas 57 propriedades. Para Cláudia Brito, isto está sendo possível graças ao apoio do governo e o lançamento do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo com metas para os próximos 4 anos. O plano prevê a implantação de outras sete equipes de fiscalização móvel, que segundo Cláudia Brito vai ajudar ainda mais a combater o trabalho escravo no país. A previsão é que seis equipes fiquem baseadas no sul do estado do Pará, região com o mais alto índice de denúncias.

Outra ação do governo para combater o trabalho escravo é a formulação de uma lista negra de grandes empresas que foram pegas e multadas pela fiscalização com empregados em situação de trabalho escravo. Uma vez na lista, as empresas ficarão impedidas de recber financiamentos através dos bancos oficiais.

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