Golpe na democracia também fere a floresta
Historicamente, setores econômicos se aproveitam de momentos de instabilidade política para moldar leis e políticas públicas a seu favor.
Nos últimos dias, o Brasil tem acompanhado atentamente o julgamento de Jair Bolsonaro e de outros envolvidos na tentativa de golpe. Enquanto o Supremo Tribunal Federal cumpre seu papel institucional, garantindo que a democracia seja defendida, outra cena se desenrola longe dos holofotes: no Congresso Nacional, avança silenciosamente um pacote de medidas que ameaça conquistas constitucionais, incluindo a possibilidade de autorizar mineração em Terras Indígenas. É a boiada passando, mas agora reeditada sob novas narrativas, explorando a distração da sociedade e a fragilidade das instituições.
Essa dinâmica não é nova. Historicamente, setores econômicos se aproveitam de momentos de instabilidade política para moldar leis e políticas públicas a seu favor. No passado, vimos mudanças no Código Florestal e flexibilizações no licenciamento ambiental que abriram brechas para desmatamento e exploração predatória. Hoje, o interesse crescente por terras raras na Amazônia Legal reacende a pressão sobre áreas protegidas, como Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Quando a democracia vacila, abre-se um ciclo perigoso em que decisões são tomadas sem transparência, favorecendo poucos e prejudicando muitos.
A redução da participação social nesse processo é alarmante. Leis são aprovadas em ritmo acelerado, sem o devido debate público, atropelando espaços colegiados e gerando instabilidade jurídica. Esse cenário fragiliza tanto a proteção ambiental quanto a economia, pois investidores sérios hesitam em aplicar recursos em um país onde as regras mudam conforme a maré política. Quando a sociedade não é ouvida, não apenas a democracia adoece, mas toda a estrutura que sustenta um desenvolvimento sustentável se desfaz.
Crises políticas também desviam a atenção das autoridades e da opinião pública. Durante a pandemia, por exemplo, vimos o enfraquecimento deliberado dos órgãos ambientais federais, o silenciamento de conselhos e o avanço acelerado de queimadas e desmatamento na Amazônia. É uma equação simples e perversa: fragilidade institucional gera impunidade, que alimenta crimes ambientais. Esse fenômeno não é exclusivo do Brasil — líderes como Donald Trump compartilham a mesma cartilha negacionista, enquanto guerras ao redor do mundo destroem comunidades e paisagens inteiras, evidenciando como a instabilidade política e a degradação ambiental caminham lado a lado.
No meio desse caos, a economia verde fica sufocada. A agenda da descarbonização, que poderia impulsionar o crescimento econômico do país, depende de governos que ofereçam estabilidade regulatória e segurança jurídica. Sem isso, o setor privado não consegue avançar sozinho. Projetos de restauração florestal, créditos de carbono e bioeconomia acabam relegados a um papel secundário, desperdiçando oportunidades de geração de riqueza sustentável.
Cuidar da democracia é também cuidar do meio ambiente. Não basta defender o estado democrático de direito: é preciso garantir instituições fortes, capazes de proteger nossas florestas, rios e comunidades. Como cidadãos, precisamos ser vigilantes e estratégicos, cobrando transparência e participação, ao mesmo tempo, em que buscamos soluções agora para os desafios do futuro.
Quando a democracia é ferida, a floresta também sangra. É hora de curarmos nossas instituições para que elas voltem a ser guardiãs do futuro, não cúmplices da destruição.
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