BRASÍLIA- Debate realizado na Câmara dos Deputados mostrou que a proposta de anistia a partidos políticos pelo não cumprimento das cotas para mulheres e negros está longe de um consenso.
Prevista na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) a medida é criticada por movimentos sociais ligados a mulheres e negros, mas defendida como forma de garantir a saúde econômica dos partidos políticos.
No Maranhão, julgamentos podem mudar a configuração da Assembleia Legislativa. Os três processos podem atingir cinco deputados: Neto Evangelista (União), Fernando Braide e Wellington do Curso (PSC), Leandro Bello e Júnior Casaria (Pode).
Recentemente também vereadores dos municípios de Timon e Governador Nunes Freire tiveram seus mandatos cassados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por fraude na cota de gênero nas eleições de 2020.
Audiência
Nesta quarta-feira (30) durante audiência pública realizada pela comissão especial sobre a Cota Mínima de Recursos dos Partidos sobre a PEC, o presidente da comissão Ricardo Vita Porto, afirmou que os três artigos da PEC vieram em boa hora para alívio dos partidos que estão sufocados por causa da prestação de contas.
O texto prevê que os valores recebidos pelos partidos não serão devolvidos, não haverá a aplicação de multas nem a suspensão do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha no caso do descumprimento das cotas até as eleições de 2022. Vita Porto entende não se tratar de uma anistia e sim de correção na legislação atual, já que a lei das eleições ainda prevê a suspensão do fundo partidário pela desaprovação de contas de campanha.
“O partido político com as contas de campanha não aprovadas por não cumprimento de cota vai ter como resultado a suspensão do Fundo Partidário. E o que vai acontecer nessa preparação das eleições municipais? Não vai investir na qualificação das mulheres, não vai reservar recursos para investir na campanha de mulheres e negros”, afirmou.
Já a procuradora regional de República Raquel Branquinho disse que se trata de anistia e que a PEC não é o melhor caminho para resolver os problemas de prestação de contas por parte dos partidos. Para ela, a proposta representa um retrocesso nos poucos ganhos de mulheres e negros dentro da política.
“Essa anistia vai representar um grave problema para campanhas vindouras. O desestímulo e a falta de estrutura dos partidos para financiar essas campanhas como se deve, dá o recado de que não é importante para a vida institucional da nossa democracia a representatividade feminina e a representatividade de raça no nosso parlamento”.
Transparência
O representante da Transparência Internacional, Guilherme France, afirmou que a proposta deveria ser para aprimoramento da transparência no uso dos recursos públicos que compõem o Fundo Partidário e para a diminuição nos gastos de eleições. Para ele, a PEC é uma das maiores ameaças de retrocesso para o sistema eleitoral e político brasileiro desde a redemocratização.
"Representa, de uma só vez, uma ameaça a três de seus princípios basilares: a promoção da diversidade e o aumento da representação de grupos marginalizados em espaços de poder; a integridade e responsabilidade dos partidos políticos; e o modelo de financiamento político adequado para reduzir os riscos de corrupção, conflitos de interesse e tráfico de influência", afirmou.
A representante do Instituto Marielle Franco, Brisa Lima, lembrou que essa é a quarta vez que o Congresso Nacional concede anistia aos partidos políticos, o que segundo ela, só vai fazer com que ser perpetue o financiamento da reserva de gênero, já reconhecido pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Brisa Lima ressaltou que um dos maiores impedimentos para a participação das mulheres na política é justamente a falta de recursos, o que é ainda mais grave no caso de mulheres negras, como aponta pesquisa da FGV com base nas últimas eleições para a Câmara dos Deputados.
“As mulheres brancas candidatas receberam um percentual de recursos advindos dos partidos num valor de 18,1%, proporcionais às suas candidaturas (18,1%). No entanto, candidatos negros continuaram a ser subfinanciados pelos partidos. Embora mulheres negras representassem 12,9% das candidaturas receberam apenas 6,7% dos recursos", afirmou.
Ela acrescentou que também os homens negros receberam dos partidos 16,6%, montante desproporcional às suas candidaturas, que era de 26%. "Os homens brancos foram sobrefinaciados em 58,5 %, que comparando ao seu percentual de candidatos era de 43,1%", destacou.
Dificuldades
O deputado Delegado Éder Mauro (PL-PA) defendeu alterações na lei, afirmando que a Emenda Constitucional 117 foi aprovada em abril de 2022, muito próximo das eleições, e não expressou de maneira clara de que forma o financiamento para mulheres e negros deveria ser realizado, deixando os partidos políticos em dificuldades.
“O artigo 16 da Constituição estabelece que a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data da sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra em até um ano da data da sua vigência”, defendeu.
A deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) destacou que as cotas para negros e mulheres foram uma conquista dos movimentos sociais, e mesmo com o aumento da representação política das mulheres no Brasil, o País ainda é o que tem a pior representatividade na América Latina.
“A nossa representação poderia ser muito superior não fosse o não cumprimento dessas regras, e muitos partidos fazem isso de propósito porque sabem que depois serão anistiadas. E não é porque as mulheres não querem participar da política. As mulheres e a população negra são as maiores vítimas ou as maiores beneficiárias das decisões que são tomadas aqui, porque são a maioria da população e porque são setores mais vulneráveis econômica e socialmente”, ponderou.
Sâmia Bomfim lembrou que os altos recursos destinados aos partidos justificam uma política eleitoral mais dura, e as dificuldades em prestar conta por parte dos partidos não pode ser usada para promover uma anistia.
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