Checagem

Vídeo de protesto contra Lula em show de Marina Sena é falso

O post usa uma ferramenta da plataforma que permite reaproveitar os sons originais de publicações anteriores.

PROJETO COMPROVA

A função é popular em vídeos de dublagem de músicas (ou lip-syncing).
A função é popular em vídeos de dublagem de músicas (ou lip-syncing). (divulgação / Projeto Comprova)

BRASIL - É falso um vídeo publicado no TikTok que mostra o público do festival Lollapalooza Brasil 2022 entoando um coro de xingamentos ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), durante uma apresentação da cantora Marina Sena.

É possível constatar pela própria postagem que o áudio não é autêntico e que uma ferramenta do TikTok foi usada para incorporar o som de outro vídeo à filmagem do festival, publicada originalmente no perfil do canal Multishow, sem o áudio de protesto.

Conteúdo investigado: Vídeo de uma apresentação da cantora Marina Sena no festival Lollapalooza em que o público teria xingado o ex-presidente Lula, entoando um coro de “ei, Lula, vai tomar no **”.

Onde foi publicado: TikTok

Conclusão do Comprova: É falso um vídeo publicado no TikTok que mostra o público do festival Lollapalooza de 2022, durante uma apresentação da cantora Marina Sena, e, ao fundo, um áudio com xingamentos ao ex-presidente Lula.

O post usa uma ferramenta da plataforma que permite reaproveitar os sons originais de publicações anteriores em outros conteúdos. Essa é uma função popular em vídeos de dublagem de músicas (ou lip-syncing) que fazem sucesso na rede social. O TikTok informa de onde o som original foi retirado.

Nesse caso, o áudio vem de um vídeo da torcida do Flamengo publicado por outro perfil no dia 13 de fevereiro de 2022 — embora essa gravação possa ter sido editada antes de ser postada na plataforma. O mesmo áudio também foi inserido por um terceiro perfil em um vídeo do rapper Matuê se apresentando no Lollapalooza, com o texto “cantor tenta Lacrar e é humilhado junto com seu lula ladrão #Bolsonaro2022”.

Ambos os vídeos do festival traziam ainda marcas d’água com os nomes dos perfis que originalmente os publicaram — as gravações de Marina Sena e Matuê foram feitas pelo canal Multishow e por um cinegrafista amador, respectivamente. Visitando esses perfis, foi possível encontrar as filmagens originais (1 e 2), que não trazem o coro de xingamentos ao ex-presidente.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

O que diz o autor da publicação: O autor da publicação foi procurado, mas, até o momento, não respondeu aos questionamentos do Comprova.

Como verificamos: O primeiro indício de que o áudio do vídeo havia sido editado veio do próprio TikTok, que mostra ao usuário quando o som de uma publicação teve origem em outra. O aplicativo permite acessar uma página com todas as postagens que usaram o mesmo áudio.

No TikTok, é possível identificar que o som usado em uma publicação teve origem em outra postagem. Para isso, basta observar a indicação de “som original” na parte inferior da tela. Ao clicar, o usuário tem acesso à lista de postagens já feitas com o mesmo som.

A gravação verificada também trazia o logotipo do canal Multishow, a hashtag #LollaBRnoMultishow e a marca d’água do perfil do Multishow no TikTok, indicando que o vídeo original havia sido publicado pelo canal na plataforma. A equipe, então, pôde encontrar o mesmo vídeo, sem som de protesto, na página da emissora.

Uma busca no Google pelo usuário que publicou o vídeo editado retornou com verificações das agências Boatos.org, AFP Checamos e Estadão Verifica sobre outro conteúdo falso de teor similar, publicado pelo mesmo perfil no TikTok. Também fizemos pesquisas em buscadores por notícias sobre o Lollapalooza, para reunir informações de contexto sobre protestos políticos realizados no festival.

Por fim, tentamos contato com a organização do evento e com o autor do post verificado, mas não houve resposta de ambos.

Festival e censura

O Lollapalooza Brasil 2022 foi realizado em São Paulo, nos dias 25, 26 e 27 de março. O vídeo do show de Marina Sena com áudio editado viralizou no contexto de polêmica envolvendo protestos de artistas no festival contra o atual presidente Jair Bolsonaro (PL).

No primeiro dia do evento (25), a cantora Pabllo Vittar desceu do palco e levantou uma toalha com o rosto e o nome do ex-presidente Lula. Depois do show, a artista também fez sinal de “L” com a mão, em outro gesto de apoio ao petista. Já a cantora britânica Marina Diamandis xingou Bolsonaro e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante sua apresentação.

No domingo (27), o ministro Raul Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), classificou manifestações políticas de cantores como propaganda eleitoral e determinou multa de R$ 50 mil ao festival em caso de novos atos. A decisão liminar atendeu parcialmente pedido do PL, partido de Bolsonaro, e proibia manifestações favoráveis ou contrárias a qualquer candidato.

Mesmo com a decisão do TSE, artistas continuaram fazendo as manifestações. Marina Sena não citou Bolsonaro diretamente, mas fez discurso pedindo que fãs maiores de 16 anos tirem o título de eleitor para que possam votar no pleito deste ano. A cantora também fez sinal de “L” com a mão.

Raul Araújo derrubou sua própria liminar na segunda-feira (28), após o PL desistir da ação. Nos bastidores, a informação é de que o partido tomou a decisão após Bolsonaro se irritar com a repercussão negativa do caso.

Outros vídeos falsos

Verificações dos sites Boatos.org, AFP Checamos e Estadão Verifica investigaram outros conteúdos publicados pelo mesmo perfil responsável pelo vídeo editado do show da Marina Sena. Nestes casos, a ferramenta de dublagem do TikTok também foi usada para inserir um áudio inautêntico de xingamento ao ex-presidente em um vídeo da torcida em uma partida da seleção do Brasil contra o Chile, realizada em 24 de março de 2022.

Conforme mostrou a AFP Checamos, esse mesmo áudio foi usado em sete vídeos diferentes do perfil; quatro vezes sobreposto a imagens de torcidas em estádios. O TikTok aponta que o som original vem de uma gravação de torcedores do Flamengo, mas é possível que o vídeo tenha sido editado antes de ser publicado na plataforma.

O Boatos.org afirma ter encontrado em um post no Twitter a gravação original, na qual a torcida não faz xingamentos contra o ex-presidente, e sim canta uma música de apoio ao Flamengo. A página que o publicou se encontra fora do ar atualmente.

Já o Estadão Verifica mostrou o caso em que áudio com xingamentos a Lula foi incluído em edição de vídeo gravado no Maracanã durante o jogo entre Brasil e Chile, que ocorreu em março deste ano.

Em 2021, o Comprova investigou outro conteúdo com o coro contra Lula, dessa vez em um vídeo da torcida do Atlético Mineiro. Nesse caso, a gravação era real, mas não recente: foi feita em 2016, durante um jogo contra o time chileno Colo-Colo. Posts falsos afirmavam que o protesto teria acontecido em uma partida à qual o ex-presidente Lula teria comparecido, e com isso tentavam descreditar as pesquisas eleitorais, que mostram o petista à frente das intenções de voto para a Presidência em 2022.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. A divulgação de conteúdo falso em relação a críticas a um pré-candidato à Presidência da República – como no caso do vídeo aqui verificado – pode levar o eleitor a definir seu voto com base em uma desinformação, o que prejudica o processo democrático.

Alcance da publicação: Até o dia 31 de março, a publicação no TikTok alcançou 2,4 mil visualizações, além de 123 curtidas e 28 comentários.

Outras checagens sobre o tema: Em outras verificações, o Comprova já mostrou que um vídeo engana ao dizer que pesquisas foram forjadas na eleição de Bolsonaro em 2018 e que o parque do Iguaçu não possui reserva de gás e foi criado por Vargas, não por Lula. O projeto também publicou recentemente conteúdo explicando que pesquisas eleitorais seguem métodos científicos, ao contrário de enquetes.

 

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