RIO DE JANEIRO - O bioarqueólogo do Museu Nacional Murilo Bastos diz que é difícil de chorar, mas confessa que “estará em lágrimas de emoção e felicidade” quando o prédio e o acervo da instituição estiverem totalmente recuperados. O prédio e importantes peças de seu acervo foram destruídos em um incêndio em setembro de 2018.
É assim que Bastos resume o empenho dos pesquisadores para recuperar o acervo do espaço cultural, instalado na Quinta da Boa Vista, na zona norte do Rio. Desde a data do acidente, ele se dedica a esse trabalho. “O que a gente mais quer aqui é ver esse prédio e toda a estrutura do museu, linda, como a gente gosta, como o Brasil e a nossa população merecem.”
Em entrevista à Agência Brasil, ele afirma que, enquanto tiver coisa para tirar, todos estarão ali, com a mesma energia, com a mesma força com que começaram o resgate porque querem ter a certeza de que recuperaram tudo que foi possível.
Bastos mostra-se ansioso pela volta ao funcionamento do Museu Nacional em sua plena capacidade, mas antes disso, destaca que é intenso o trabalho dos pesquisadores para retirar dos escombros o que ainda tem de peças e fragmentos do acervo. “Como profissional, o que posso dizer é sobre a entrega do museu de volta ao público, para exibições, para exposições, e a nossa área de pesquisa, próxima de tudo isso. Vai ser ótimo para todo mundo, vai ter uma sinergia.”
O bioarqueólogo enfatiza que existem vários níveis de dificuldade e que a maior é que ninguém estava acostumado a lidar com o acervo do museu, o material queimado. “Então, é muito difícil identificar as peças, é um desafio constante e um aprendizado de tudo aquilo que já fizemos e tudo que estamos fazendo agora.”
Coleções
Os pesquisadores e as equipes de apoio estão empenhados, dia após dia, em recuperar o acervo do museu. Ângela Buarque, que já foi antropóloga da instituiçao e hoje é pesquisadora colaboradora, comanda a equipe responsável pela recuperação de peças e fragmentos da exposição Entre Dois Mundos: Franceses de Paratitou e Tupinambás de Rouen, que mostrava o encontro das populações nativas, que na época eram os Tupinambás da laguna de Araruama, hoje Região dos Lagos do Rio de Janeiro, e os franceses que chegavam no local em busca de pau-brasil e outros produtos.
“É sempre um momento tenso, emocionante quando se encontra, às vezes, uma pequena peça, porque aí se pensa que pelo menos um registro vai ficar. Desde o início de janeiro, estamos aqui e encontramos apenas três minúsculas pecinhas”, conta Ângela.
Segundo a antropóloga, estavam na exposição peças que comprovavam a presença francesa no território. “Nesse momento de coleta, é, principalmente, o material de pequeno porte: miçangas minúsculas, centenas delas, que estavam nas vitrines, derreteram. Hoje estamos à cata desses elementos. Como as miçangas são muito pequenas, usamos uma peneira também pequena.”
Ângela acrescenta que a exposição foi montada para ser temporária, mas acabou se estendendo e já estava aberta à visitação pública há 10 anos, na chamada Sala dos Embaixadores. “Era um material muito significativo e dialogava com este momento [do século 16]”.
Durante as pesquisas que ela fez sobre este período, foram encontradas peças que não faziam parte da exposição e que, por isso, não foram destruídas pelo fogo.”Nós temos um laboratório que funciona no Horto – a maior parte das minhas pesquisas está na Casa de Pedra. A gente ainda tem muita coisa que, em algum momento, pode voltar e fazer parte de uma exposição”, diz a antropóloga. As peças que estavam no museu, porém. Já eram restauradas e se perderam.
De acordo com a antropóloga, esse contato entre os indígenas e os franceses acabou levando um grupo de Tupinambás para Rouen, na França, onde alguns se estabelecera. Outros voltaram para o Brasil.
Egípcia
Uma coleção que está sendo recuperada é a egípcia, muito procurada pelo público antes do incêndio. Marina Buffa Cesar e sua equipe buscam diariamente as peças e pequenos fragmentos de um acervo importante para a humanidade, que ela conhecia bem como pesquisadora. Ela passa os dias peneirando os escombros em busca da recuperação da coleção egípcia. “A gente tem recuperado muita coisa que, em alguns momentos, achava que não fosse recuperar. É emocionante. Tem momentos que a gente tem sorriso no rosto porque está conseguindo salvar muita coisa do Museu Nacional. Para mim, é gratificante.”
A coleção egípcia era uma exposição permanente do Museu Nacional, e a perspectiva é que retorne quando o espaço for reaberto. “Temos material que não é relacionado apenas às múmias, mas também aos shabtis e [peças] de bronze que eram únicos e estão sendo recuperados. Vamos trazer de volta para a sociedade tanto acadêmica, quanto para o pessoal que gosta de visitar o Museu Nacional”, acrescenta Marina.
O bioantropólogo Murilo Bastos destaca que os pesquisadores trabalham em uma grande rede de apoio entre eles. “Tem dia que um está mais triste que o outro, mas todos estão juntos para trabalhar e dar conta do serviço.”
Segundo Bastos, todos os dias eles lembram um pouco do que aconteceu. “A gente conhecia o prédio antes, os lugares, as salas. Quando entra, lembra como era e vê como ficou. Ao mesmo tempo, vem a imagem do incêndio, mas também a nossa cabeça meio se acostuma com aquilo para se adaptar e ter forças para continuar”, conclui.
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