Alterações

Sem consenso, Câmara discute reforma do Código de Processo Penal

Pela proposta, o tempo máximo de prisão preventiva passará para três anos e meio, atualmente é indeterminado.

Débora Brito e Karine Melo / Agência Brasil

Atualizada em 27/03/2022 às 11h19
A próxima reunião da comissão especial está prevista para o dia 24.
A próxima reunião da comissão especial está prevista para o dia 24. (Foto: divulgação)

BRASÍLIA - Aprovada no Senado em 2010, a reforma do Código de Processo Penal voltou à discussão na Câmara dos Deputados e pode ser votada na comissão especial ainda este semestre. Nesta semana, o relator-geral do texto, deputado João Campos (PRB-GO), apresentou o que considera ser a primeira versão do seu relatório para balizar o debate. Pela proposta, o tempo máximo de prisão preventiva passará para três anos e meio, atualmente é indeterminado. Também estabelece prazo para a realização de interceptações telefônicas - de 60 dias prorrogáveis para até 360. Outra mudança estabelece que os embargos de declaração, recurso que pede esclarecimentos sobre uma decisão judicial, poderão ser apresentados apenas uma vez.

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João Campos propõe também que a execução da pena só poderá começar após decisões colegiadas de tribunais de Justiça, deixando claro que não seria necessário esperar até o último recurso em tribunais superiores. Este trecho é interpretado, por seus defensores, como um reforço ao entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) para a prisão após condenação em segunda instância.

A próxima reunião da comissão especial está prevista para o dia 24. O relator deve ler o texto definitivo para que o parecer seja divulgado no fim deste mês. Em seguida, será colocado em discussão e votação. No entanto, a votação em plenário só deve ocorrer no segundo semestre.

Investigações

Em meio a polêmicas, na parte sobre as atribuições do processo de investigação criminal, o texto do deputado estabelece que a investigação deve ser conduzida por delegados das polícias Civil ou Federal e que o Ministério Público entraria no processo apenas “subsidiariamente”, nos casos em que a polícia não for eficaz, em razão do abuso de poder econômico ou político.

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, criticou os textos preliminares do código. "Existem problemas e avanços no novo código. Nesta parte de investigação criminal, ele piora a situação do que está hoje, pois mantém estrutura atrasada de um inquérito burocrático e lento", disse.

Para Robalinho, o relator deveria ir por outro caminho. "O relator em vez de tornar o inquérito mais enxuto, menos formalista, ele optou por não só manter, mas centralizar a investigação no delegado. O que isso significa? Um inquérito mais lento e burocrático. Isso não é assim em nenhum lugar do mundo”, analisou o procurador, que pretende encaminhar sugestões.

Diálogo

O relator João Campos disse que está aberto ao diálogo e justifica que o entendimento de seu parecer seguiu o resultado do julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal, em 2015, quando a Corte tratou dos requisitos para atuação do Ministério Público em investigações penais.

“Procuro fazer em relação a isso é traduzir o voto de sete ministros do Supremo Tribunal Federal. Não estou fazendo nada de iniciativa própria. Sete ministros votaram numa direção em relação a capacidade investigatória criminal do Ministério Público. Se eu não consegui traduzir isso adequadamente, estou pronto para ouvir as sugestões do MP, posso ir lá no Supremo conversar com o relator da matéria, ministro Gilmar Mendes, para que a gente tenha um texto que exprima a vontade ou voto dessa maioria do Supremo Tribunal Federal, não há nenhuma dificuldade em relação a isso”, afirmou o relato.

Segundo Robalinho, a interpretação do deputado sobre o resultado do Supremo está equivocada e pode prejudicar o avanço da Lava Jato, que funciona por meio de uma força-tarefa entre a Polícia Federal, a Receita Federal e o Ministério Público. O procurador lembrou ainda que essa matéria também já foi vencida no plenário da Câmara, na ocasião da apreciação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37, em 2013. A proposta que garantia às polícias Civil e Federal exclusividade do poder de investigação criminal foi rejeitada por 430 votos a nove, no contexto dos protestos de julho de 2013.

Insistência

Apesar da derrota, os parlamentares insistem em propostas que limitem os poderes do Ministério Público. Atualmente, tramita no Senado a PEC 102/11 que também prevê que só a polícia poderá fazer investigações criminais e o seu controle externo não seria mais exercido pelas promotorias e procuradorias, mas pelo Conselho Nacional de Polícia, ainda a ser criado. A proposta aguarda análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) desde setembro do ano passado.

Para a Associação Nacional de Delegados da Polícia Federal, o projeto de reforma do CPP tem avanços e alguns pontos que precisam ser ajustados. Segundo o presidente da entidade, delegado Edvandir Paiva, o novo código deve estabelecer a cooperação na investigação e delimitar as competências de cada órgão para que não haja invasão de atribuições.

“Não é boa essa disputa corporativista para o processo criminal. O novo Código de Processo Penal tem que definir quem faz o que e com que limite”, disse o delegado.

Segundo o policial, a finalidade do inquérito não deve ser somente levantar provas para que o Ministério Público apresente denúncia. “Qual a finalidade da investigação criminal? A busca da verdade. O Ministério Público não pode atravessar a investigação, comandando a investigação”, questionou Paiva.

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