ALTAMIRA e BELÉM (PA) - O Tribunal de Justiça do Pará decidiu na tarde desta quinta-feira anular o julgamento que inocentou Valentina de Andrade, em 2003. Ela é acusada de liderar uma seita responsável pela emasculação de crianças, em Altamira.
As decisões foram tomadas depois que os desembargadores analisaram as apelações do Ministério Público e dos advogados da acusação, alegando quebra de incomunicabilidade entre os jurados. Segundo a acusação, eles conversaram entre si e fizeram mais de 23 horas de ligações telefônicas do hotel onde permaneceram durante o período do julgamento. Valentina de Andrade deve receber a intimação da Justiça na cidade de Londrina, no Paraná, onde mora atualmente.
Os desembargadores decidiram ainda que outros três envolvidos no caso, já condenados, devem ser presos imediatamente. São eles os médicos Césio Brandão, condenado a 57 anos de prisão, e Anísio Ferreira, condenado a 77, além do comerciante Amailton Madeira, que deve cumprir 57 anos. Eles estavam em liberdade desde dezembro do ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal concedeu hábeas-corpus aos três. O único envolvido no crime que continua preso é o ex-policial Carlos Santos, condenado a 37 anos de detenção.
Dois sobreviventes do crime foram vítimas durantes anos dos piores preconceitos: Otoniel Bastos Costa, na época com 10 anos, e Wandiclei Oliveira Pinheiro, então com apenas 9. Eram motivo de chacota de vizinhos, colegas de escola e até de estranhos que os chamavam de "os capadinhos". Agarrados na rua e operados à força por pessoas que lhes extirparam os órgãos genitais, passaram a ser conhecidos como os emasculados de Altamira. Tiveram de conviver na infância e na adolescência com problemas psicológicos graves, enquanto passavam por cirurgias para enxertos e implantação de próteses.
- Eu me lembro de tudo como se fosse hoje. Da hora em que saí de casa, da hora em que a pessoa estava me cortando, até chegar ao hospital - disse Otoniel, em entrevista, no final de 2003, negociada durante horas por intermédio de assistentes sociais e advogadas.
Outras seis crianças entre 8 e 13 anos morreram depois de emasculadas. Algumas foram sodomizadas e outras tiveram o ânus cortado a faca, numa seqüência de crimes que horrorizou o país na década de 90. Cinco meninos estão desaparecidos até hoje e cinco conseguiram escapar de seus raptores.
A polícia e os promotores concluíram que os crimes foram cometidos por simpatizantes de uma seita que fazia rituais macabros e que pregava que crianças nascidas depois de 1981 teriam energia nefasta.
A gaúcha Valentina de Andrade, de 73 anos, chefe de uma seita com sede na Argentina, a Lineamento Universal Superior (LUS), e que anos atrás se intitulava porta-voz de deuses extraterrestres, é a principal acusada de envolvimento nos crimes.
No primeiro julgamento, em 29 de agosto de 2004, o comerciante Amailton Madeira Gomes e o ex-PM Carlos Alberto Santos foram sentenciados por participar das mutilações de meninos entre os anos de 1989 e 1993.
No início de setembro de 2004, o médico Césio Brandão foi condenado por homicídio triplamente qualificado pelas mortes dos meninos Jaenes da Silva Pessoa, Judirley da Cunha Chipaia e Flávio Lopes da Silva e pela tentativa de homicídio de Wandicley Pereira. Brandão foi absolvido da acusação de tentativa de assassinato de outro menor, Otoniel Bastos.
O médico Anísio Ferreira de Souza foi condenado pelo assassinato de três meninos e tentativa de assassinato de outros dois.
A seita de Valentina, que ainda existe com cerca de 50 seguidores, prega que o mundo vai acabar e que só os fiéis conseguirão se salvar numa nave espacial. Há alguns anos, a seita provocou escândalo na Argentina. Descobriu-se que simpatizantes estavam transferindo para a LUS imóveis, carros e outros bens que deixariam de usar após o fim do mundo.
A ligação do delírio esotérico com a emasculação de meninos na Amazônia passaria por Valentina. Segundo consta do processo, ela morava em Londrina e levou um grupo de pessoas a Altamira em 1987 para uma reunião. Segundo Valentina, um encontro para tratar de filosofia. Em Altamira morava Duílio, um ex-marido de Valentina que fora para o Norte atrás de fortuna. Em 1990, a chefe da LUS teria sido vista por uma testemunha participando de uma sessão de magia negra na casa do médico Anísio Ferreira de Souza. Na cerimônia, os presentes usavam batas pretas e capuzes, faziam orações ao deus das trevas e falavam da "maldade das crianças".
O médico Césio Flávio Caldas Brandão trabalhava no posto da Fundação Nacional de Saúde em Altamira e foi visto pela testemunha Agostinho Costa saindo de um matagal perto de onde foi encontrado o corpo de uma das vítimas. Levava um facão sujo de sangue e uma vasilha de isopor nas mãos. Foi acusado ainda do estupro de uma menina.
Amaílton Madeira Gomes era dono de um carro visto nas imediações de onde foram encontrados corpos e, segundo sua empregada na época, chegou em casa algumas vezes com a roupa suja de sangue. O ex-PM Carlos Alberto dos Santos Lima trabalhava para o pai de Amaílton e foi reconhecido por Otoniel como o homem que o raptou, dopou e o levou para o mato. Ele chegou a confessar os crimes para uma assistente social.
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