SOROCABA - O dentista Eduardo Alvarenga da Silva, de 40 anos, estava vivo quando a equipe de resgate chegou, na manhã do dia 7 de janeiro, no pico do Aconcágua, na Argentina. Ele foi deixado para trás porque a equipe de salvamento não tinha condições de resgatar mais de uma pessoa e optou por salvar sua mulher, a jornalista Rita Bragatto, de 34 anos, que tinha maiores chances de sobrevivência. Rita fez a revelação em um longo depoimento distribuído nesta sexta-feira pela família.
Ela decidiu falar sobe o desfecho da escalada porque "foi uma das mais bonitas que fizemos juntos, e também alertar futuros montanhistas e sugerir melhorias para contribuir para o profissionalismo no esporte". A jornalista descreve todo o preparativo para a expedição e lembra que não foram poupados esforços físicos ou financeiros. Parte dos equipamentos foram comprados nos Estados Unidos. Não contratar um guia para a subida, segundo ela, foi uma opção do casal. "Levamos dez dias para chegar ao cume, ou seja, o mesmo tempo que as agências demoram para subir com seus clientes. Não houve loucura, nem imprudência ou negligência".
O casal entrou no parque dia 28 de dezembro para que o processo de aclimatação fosse realizado a tempo de atacar o cume entre os dias 5 e 6 de janeiro. Durante esse tempo foi realizado o serviço médico do parque, que avalia as condições de saúde para suportar a escalada. "Em todas as ocasiões, os resultados apresentados tanto por mim como pelo Eduardo foram muito bons". Ela conta que o casal saiu do acampamento para a escalada uma hora e meia antes do recomendado, levando dez litros de água. "Não levamos barracas de dormir porque não se leva este tipo de equipamento para o ataque ao cume".
Rita conta que eles sabiam que o pôr-do-sol no Aconcágua, nesta época do ano se dá às 21 horas. "Atingimos o cume por volta das 17h30, com céu claro. Estão nos acusando de ficarmos 2 horas lá. Isso é um absurdo. Permanecemos lá por apenas 15 minutos". O procedimento de descida foi iniciado contando com mais três horas de claridade. Duzentos metros depois, formou-se uma neblina muito forte, acabando completamente com a visibilidade e baixando bruscamente a temperatura. "Comecei a tremer muito de frio e tive convulsões e desmaios. Minhas pernas travaram".
Eduardo tentou reanimá-la, mas como não conseguia andar, ele decidiu chamar o resgate. "Acredito que era por volta das 19, 19h30. Fomos informados pela patrulha de que deveríamos descer mais, no entanto, minhas pernas estavam travadas". Os contatos de Eduardo com o posto de resgate foram ouvidos por todos que estavam no acampamento Plaza de Mulas, segundo Rita. "Entre convulsões e momentos de lucidez, sempre ouvia o chamado agoniado do meu marido pelo resgate".
Ela conta que eles chegaram a se despedir durante a madrugada, sentindo o fim próximo. "Mas acordamos às 7h30, com muita neve no rosto, fruto da tempestade. Ficamos felizes e gratos a Deus por termos sobrevivido àquela noite de terror". Naquela noite, ela soube depois, os ventos chegaram a uma velocidade entre 50 e 60 km por hora e a temperatura ficou em torno dos 30 graus negativos. "Tentei um novo contato com o posto de resgate. Infelizmente, ninguém respondeu". Eram já 12 horas sem resgate, quando surgiram dois montanhistas noruegueses, que atenderam o pedido de socorro. "Fizeram avaliação de nossa situação e como eram em dois, decidiram que apenas eu deveria ser ajudada por ter mais chances de vida. "É a lei da montanha", disse-me um deles. "A gente ajuda quem tem mais chances de viver", explicou. Rita conta que nem teve tempo para se despedir do marido. Ela desceu amparada pelos dois, quase inconsciente, pois estava com princípio de edema cerebral.
"Não tenho certeza de quando o Eduardo morreu, em qual lugar exatamente, nem em quais condições. Ninguém teve a coragem de me informar. Disseram-me apenas que sua morte deve ter acontecido às 11 horas do dia 7, quase 4 horas depois do meu resgate". Ela disse não saber o que impediu a patrulha de resgate de subir para auxiliar o casa. Rita acha que deveria haver mais equipes para prevenir novos acidentes. Ela termina dizendo que pretende voltar às montanhas assim que se recuperar fisicamente. "O Eduardo me ensinou que estar na montanha é estar mais perto de Deus".
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