SÃO PAULO - "Aceitaria posar nua pelo dinheiro. Quero comprar um apartamento e um carro". A frase poderia ser creditada a qualquer ex-participante de reality show, cujo destino - quase sempre - é aparecer sem roupa em capa de revista. Mas não foi dita por qualquer um. A autora é Bianca Soares, de 21 anos, primeira transexual a participar de um programa do tipo no Brasil. Concorreu no time feminino da quarta versão de "Casa dos Artistas", do SBT, e foi eliminada no domingo.
Antes de conseguir que todas as atenções estivessem voltadas para si, a curitibana colocou fotos sensuais na internet. Ela se prostituía e, conta, cobrava cerca de R$ 1,2 mil por programa.
- Não tive outra saída. Você sabe o que é encontrar todas as portas fechadas? Era meu único meio de sobrevivência. Se não fosse a prostituição, eu teria passado fome - diz. - Posso trabalhar como qualquer pessoa mas, ao chegar para entrevista de emprego, viam que sou transexual e diziam que a vaga estava preenchida.
Sem computador na casa que divide com o companheiro Ricardo Soares, de 23 anos, fez a inscrição para "Casa dos Artistas" num cybercafe. Foi pega de surpresa ao ser aprovada nos testes.
- Foi a primeira vitória da minha vida. Sempre me barraram em tudo o que tentei fazer. O programa foi a chave de entrada para um mundo novo.
Assim como todos os que participam de realities que chegam ao estrelato instantâneo e, geralmente, efêmero, Bianca está se divertindo com a rotina de dar entrevistas. "Estou amando isso tudo!"
Ela saiu da "Casa" sem cachê algum e não tem emprego garantido. Afirma que pretende deixar a prostituição, voltar a estudar e irá fazer aulas de interpretação com Nilton Travesso. Professor no reality e dono de uma oficina de atores, ele ofereceu o curso a Bianca.Embora sonhe trabalhar em teatro ou televisão, ela ficaria satisfeita com realizações mais modestas. Uma delas é a carteira de trabalho assinada.
- Adoraria ter um emprego fixo, uma vida normal. Poder chegar em casa e encontrar comida, assistir televisão. Sei que muita gente passa dificuldades, mas o preconceito atrapalha muito.
Indicada para o paredão pelos professores, Bianca explica que, numa cena teste, preferiu não beijar Alle Manas.
- Fiz tudo certo mas, na hora do beijo, me esquivei. Achei que ele devia saber que sou transexual.
Por que, então, não contou a verdade?
- Já estava me sentindo rejeitada lá dentro. Gosto de passar maquiagem, me arrumar, usar cremes, ficar cheirosa. Minha vaidade incomodou as mulheres da 'Casa'. Elas são meio relaxadas - explica.
Impaciente, não gostava das atitudes dos competidores.
- Choravam cada vez que as luzinhas vermelhas (das câmeras) acendiam. Assim é fácil. Não suporto cinismo.
Bianca foi eliminada com 75% dos votos do público. Acredita que, como do lado de fora sabiam que ela nasceu homem, os telespectadores tenham sido motivados pelo preconceito.Bianca conta só ter percebido que era diferente das duas irmãs mais velhas ao tomarem banho juntas.
- Vi que eu tinha uma coisa a mais - diverte-se.
Aos 8 anos, tomava pílulas anticoncepcionais mesmo sem saber que eram hormônios. Aos 13, assumiu ser gay. Enfrentou problemas com a mãe, mas garante que vive em paz com a família.
- Sou uma batalhadora. Meu objetivo é que as pessoas percebam que sou uma mulher normal, não travesti. Sou educada e quero ser bem tratada - diz.
A mãe foi a primeira a levá-la a um psicólogo. Durante dois anos, fez tratamento numa universidade no Paraná. Foi quando decidiu não fazer a operação para mudança de sexo.
- Agora, não quero extirpar o prazer. Quem sabe no futuro.
Morando em São Paulo há apenas seis meses, está com Ricardo Soares há três.
- Ele era meu amigo de infância e hoje é o grande amor da minha vida. Vim para cá com o dinheiro do meu marido. Ele me apoiou em todos os momentos.
Evangélica, ela costuma ler a bíblia, mas não freqüenta igrejas.
- Com o dízimo que daria para os pastores, ajudo pessoas mais necessitadas. Não vou dar dinheiro a uma igreja que não me aceita.
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