COLUNA
Isaac Viana
Isaac Viana é psicólogo, mestre em Cultura e Sociedade, professor universitário e escritor.
Isaac Viana

Por uma arte maranhense

Olhar para o Maranhão é também contemplar sua arte; olhar para a arte maranhense é contemplar o próprio povo que aqui vive e viveu.

Isaac Viana

Conhecer a literatura maranhense é um desafio pessoal. Estou certo de que, afastados das grandes mídias e centros urbanos, há grandes artistas da palavra, que prezam mais pela autenticidade do que fazem do que pela mera adaptação às demandas atuais do mercado literário.

É exatamente essa a característica da poesia de Alex Brasil, por exemplo, na obra Sangue azul da terra (2017), livro de poemas do escritor, jornalista e membro da Academia Maranhense de Letras (AML). Nele, o autor tece redes de palavras que conduzem o leitor ao âmago do grito da natureza, cada dia mais devastada pela ambição e tolice da espécie humana, que se suicida a cada atentado contra a Mãe-Terra.

Mas o escritor também faz ouvir a voz dos pobres e oprimidos, vítimas do próprio bicho-homem, seu semelhante. Assim, a voz da poesia de Alex Brasil é protesto, que, no entanto, ainda tem fôlego para versar sobre o amor homem-mulher, a relação do ser humano consigo mesmo e sua constante busca por Deus e por sentido.

Seguindo nessa jornada de conhecer meu Maranhão a partir dos seus fazedores de arte - afinal, quem faz arte constrói a história e o legado de todo um povo, visto que arte e povo são indissociáveis -, também destaco a obra Além das lendas (2021), do escritor e roteirista Iramir Araújo, em conjunto com os quadrinistas convidados Amanda Belo, Belo Nicácio, Marcos Caldas, Rom Freire e Ronilson Freire. Juntos, os autores recriam cinco lendas que povoam o imaginário popular do maranhense.

Há a lenda de Dom Sebastião. Desaparecido misteriosamente numa guerra travada em Marrocos, no século XVI, repousa sobre ele a profecia de que algum dia retornará para reinar em Portugal. Enquanto isso, vaga, em forma de touro, pelas areias dos nossos Lençóis Maranhenses. Na HQ, três mulheres, ao acaso, descobrem um livro secreto, em uma biblioteca pública, que as conduz numa jornada em direção ao Encoberto nas areias dos Lençóis.

Também há a lenda da Praia do Olho d'Água. A filha de um cacique se apaixona por um belo guerreiro e a ele se une. No entanto, a Mãe d'Água também se encanta pelo rapaz e o atrai para o fundo do mar. Das lágrimas da jovem indígena se forma a praia do Olho d'Água.

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Numa São Luís pós-apocalíptica, fantasma e submersa, um grupo de exploradores, dentro de um submarino, pondera se a causa da destruição da ilha foi o aquecimento global e suas desastrosas consequências ou o despertar da serpente que, como todos sabemos, habita as profundezas da cidade.

Há ainda a lenda da Manguda e a do Palácio das Lágrimas, que, assim como as demais, são recriadas numa São Luís contemporânea, com ares de cidade grande, lidando com os mesmos problemas de toda cidade grande, sendo um deles o alto índice de criminalidade.

Em ambas as recriações, há a presença de bandidos que, de alguma forma, interagem com as figuras lendárias, o que aponta para a imortalidade das lendas, que nos acompanham, assombrando e encantando, desde tempos remotos, em que crimes ainda não eram crimes - como a comercialização de pessoas escravizadas, por exemplo -, até a atualidade, onde ver dois homens numa moto, quando se é mulher e se está sozinha na rua, é sinal de desespero.

Histórias e lendas têm lugar cativo no meu coração. Quando se tratam da minha cidade, então, São Luís - MA, me encantam de modo peculiar. Essa minha cidade, saiba você, leitor, linda de viver, ganha ainda mais beleza quando contemplada a partir das lentes da poesia e do mistério.

Olhar para o Maranhão é também contemplar sua arte; olhar para a arte maranhense é contemplar o próprio povo que aqui vive e viveu.

 

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