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COLUNA
Gabriela Lages Veloso
Escritora, poeta, crítica literária e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
GABRIELA LAGES VELOSO

Quando a primavera chegar

Quando a primavera chegar (2017), de Marina Colasanti, é um livro infantojuvenil, que reúne 17 contos de fadas, ilustrados pela própria autora.

Gabriela Lages Veloso

Atualizada em 26/09/2024 às 15h42
Ilustração: Bruna Lages Veloso
Ilustração: Bruna Lages Veloso

Hoje é comemorado o aniversário de uma das maiores escritoras da Literatura Infantojuvenil, no Brasil e no mundo: Marina Colasanti. Em 2017, a autora publicou, pela Global Editora, o livro Quando a primavera chegar, que reúne dezessete contos de fadas, bem como ilustrações de sua própria autoria. Uma das características mais marcantes da escrita de Marina Colasanti, sem dúvida, é a pluralidade de seus personagens e narrativas. Nenhum conto se parece com o outro, todos trazem reflexões únicas.

No entanto, é notório que os contos colasantianos carregam a mesma linguagem poética e são ambientados em um lugar fora do tempo, no reino do “Era uma vez”, no campo do fantástico. E, como o próprio título sinaliza, o livro Quando a primavera chegar (2017) apresenta narrativas que abordam as diferentes facetas do florescimento real e metafórico, bem como a estreita relação existente entre o ser humano e a natureza. Vejamos.

Os contos Na palma da mão, Escuros olhos de vidro, No relógio da torre e Uma vida ponto a ponto retratam o amor, cada um a sua maneira. Na primeira história, o narrador utiliza a expressão “à flor da pele” de forma literal, por isso quando a protagonista se apaixona uma flor nasce na palma de sua mão, sob “as linhas do destino”. O segundo conto explora um amor não correspondido e a expressão “coração partido” cujo sentido, mais uma vez, é literal. Já a terceira narrativa aborda uma proposta de casamento por conveniência e a busca por um sentimento real. Uma vida ponto a ponto, por sua vez, explica que o amor não pode ser forjado, nem imposto.

Outro sentimento abordado com maestria por Colasanti é a liberdade. No conto De nome Filhote, por exemplo, a protagonista, que vivia isolada física e psicologicamente em um castelo, recebeu um curioso animal de estimação que a fez perceber que ela também não era o que parecia ser, pois tinha mais força e coragem do que imaginava. Após ter um pequeno vislumbre da liberdade, ela jamais poderia se contentar com os gélidos muros daquele castelo. Assim, ela decidiu explorar o mundo. Essa história é muito interessante e atual, pois desconstrói a ideia da figura feminina frágil que precisa de alguém para salvá-la de si mesma, figura essa que é bastante comum nos contos de fadas clássicos. Por outro lado, em Povo é necessário, um monarca vivia fazendo grandes planos para quando tivesse uma população para governar. 

Porém, no momento em que seu sonho se concretizou, ele reinou com mãos de ferro, sem misericórdia, por isso, o povo lutou por liberdade. A esperança também é tematizada na referida obra, especialmente nos contos Tomando-o do mar, Sicômoro, sicômoro e Quando a primavera chegar (que dá ao nome ao livro). Os protagonistas das seguintes narrativas perderam tudo o que tinham, respectivamente, após uma violenta tempestade no mar, uma impetuosa guerra e a severidade da seca. Todos eles precisaram reaprender a viver, recomeçar, pois afinal de contas a “vida [...] desenha seus próprios mapas” (Colasanti, 2017, p. 29) com a exatidão do inesperado, mas sempre traz de volta aquilo que é nosso, nem que seja de uma nova forma.

Além disso, somos apresentados à importância das coisas pequenas em Embora mínima. Após ter o seu alimento multiplicado milagrosamente (uma única fava se transformou em duas) a protagonista do conto: “Alegrou-se, simplesmente. E sorriu porque a vida, sempre tão áspera, lhe oferecia agora uma mínima abundância” (Colasanti, 2017, p. 35). Em uma sociedade na qual o poder, as riquezas e o sucesso são exaltados, por vezes, esquecemos de ser gratos pelas pequenas conquistas e presentes que o cotidiano nos trás. Assim, essa narrativa é um alerta. Por outro lado, nos contos Lá fora, as castanheiras, Alguém bate à porta e A casa da morte, Marina delicadamente fala sobre um tema de difícil representação: a morte.

Nessas histórias, a morte é compreendida como uma fase natural da vida, que não pode ser adiada ou antecipada; é vista ainda como um alívio para o sofrimento e a dor. Para enfrentar esse momento difícil, o narrador de Lá fora, as castanheiras nos indica que a melhor maneira é confortar os necessitados e se apegar às boas memórias. Por outro lado, A cicatriz inexistente e E eram tão pequenas são narrativas que abordam a importância do conhecimento. Enquanto o primeiro conto demonstra que, ao abrirmos nossas mentes para outras realidades, culturas e idiomas, jamais seremos os mesmos; o segundo evidencia que existem problemas que não podem ser resolvidos mediante a força ou a violência, mas apenas por intermédio da reflexão. 

Em busca de cinco ciprestes nos faz refletir sobre a importância de valorizar a nós mesmos, pois sempre que ouvimos falar de um tesouro olhamos para fora, à distância. Contudo, nunca pensamos em explorar o nosso próprio território, olhar para dentro de nós, cultivar nossos próprios ciprestes. A pressa nos faz olhar para fora, quando na verdade deveríamos olhar para dentro. Por fim, em O que não está à vista, o protagonista nasceu com um terceiro olho, no meio da testa, que o permitia enxergar para além do que os outros podiam ver. Assim, ele se tornou desenhista. Mas o talento do rapaz enfureceu o rei, que não queria ter a fragilidade e a insegurança de sua alma exposta.

Dessa maneira, o protagonista colasantiano foi brutalmente castigado e teve o seu terceiro olho costurado. O jovem deixou de desenhar. Mas, com o passar do tempo, a sua cicatriz sarou e ele ganhou uma nova habilidade: “Seu olho agora voltado para dentro via novamente aquilo que parecia não existir. E o rapaz começou a contar histórias” (Colasanti, 2017, p. 109). Esse belo conto, que encerra o livro de Marina Colasanti, metaforiza o poder que os artistas têm de olhar além das aparências, de ver aquilo que os demais ignoram ou não conseguem enxergar. Nesse sentido, todo artista é, de certo modo, um médium que tem sentidos sensíveis. O escritor, especificamente, é tido como alguém que olha para dentro e encontra um universo desconhecido, pronto para ser explorado e derramado sobre o papel. Quando a primavera chegar (2017) é, portanto, um livro essencial para os leitores das mais diversas idades, etnias, crenças e gêneros. 


 

REFERÊNCIA:


 

COLASANTI, Marina. Quando a primavera chegar. 1ª ed. São Paulo: Global, 2017.


 

Quando a primavera chegar está disponível para venda no site da Global Editora: https://loja.globaleditora.com.br/produtos/Quando-a-primavera-chegar/ 

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