Entrevista exclusiva

“Não é uma história de negros, é uma história de brasileiros”, diz Antônio Pitanga sobre "Malês"

Antônio, Rocco e Camila Pitanga falam sobre "Malês", estreia do filme no Maranhão e mais. Confira a entrevista exclusiva.

Fabiana Serra/Imirante.com

Atualizada em 21/09/2024 às 12h56
Antônio Pitanga. (Foto: Divulgação)
Antônio Pitanga. (Foto: Divulgação)

SÃO LUÍS - “Não é uma história de negros, é uma história de brasileiros.” Com essas palavras, Antônio Pitanga descreve seu novo filme, “Malês”. No longa, o diretor baiano retrata uma das maiores rebeliões de pessoas escravizadas da história do país, conhecida como a “Revolta dos Malês”, que ocorreu em Salvador, em 1835. Estrelado pelo próprio Pitanga e por seus filhos, Rocco e Camila Pitanga, “Malês” fará sua estreia nacional na capital maranhense, na próxima segunda-feira (23), no Kinoplex Golden, durante a abertura do Festival Maranhão na Tela.

O projeto de “Malês” tem raízes antigas. A ideia surgiu a partir de uma conversa com Glauber Rocha, durante as gravações de “A Idade da Terra”, estrelado por Pitanga. “Nós que participamos do movimento do Cinema Novo, encabeçado pelo Glauber, tínhamos o desejo de retornar para a Bahia”, contou Pitanga ao Imirante. Após a morte do cineasta, o projeto havia ficado adormecido até meados dos anos 2000, quando ele assistiu ao filme “Amistad”, de Steven Spielberg. Depois disso, ao lado do diretor Orlando Senna e da escritora Manuela Dias, Pitanga passou mais de uma década desenvolvendo o roteiro do filme.

Trazer a história dos Malês para o cinema foi sempre um desejo muito grande que tinha, já que eu conhecia essa história desde rapaz. Todos os baianos, principalmente nascidos nas década de 20, 30 e 40, como eu, temos conhecimento da importância desses negros sequestrados do norte da África, que vieram do Togo, do Mali, Omé, Senegal, Nigéria, que vieram com o conhecimento da física, da engenharia, da matemática, um real saber.
Antônio Pitanga
O filme “Malês” retrata a Revolta de Malês, que ocorreu em Salvador, em 1835.
O filme “Malês” retrata a Revolta de Malês, que ocorreu em Salvador, em 1835.

Organizada por negros mulçumanos, conhecidos como Malês, a revolta levou cerca de 600 pessoas escravizadas às ruas de Salvador em busca da abolição da escravidão e pela liberdade de praticar a sua fé. “É uma história de negros sequestrados na África com outros negros nascidos no Brasil que se organizam contra todo tipo de preconceito, de escravidão, de invisibilidade. É uma história crucial para ser contada: sobre um dos mais importantes levantes que aconteceram no país”, disse Pitanga.

Em “Malês”, Antônio Pitanga interpreta um personagem real envolvido na rebelião, o Pacífico Licutan. Ele foi um dos líderes do levante e reforçava a importância da participação de diferentes tribos e religiões para o sucesso da revolta. O filme conta ainda com outros nomes históricos, como Ahuna (Rodrigo de Odé), Manuel Calafate (Bukassa Kabengele), Vitório Sule (Heraldo de Deus) e Luís Sanim (Thiago Justino).

Com um personagem fictício, o papel de Camila Pitanga retrata um drama real. A atriz dá vida a Sabina, uma mulher escravizada que antagoniza o movimento e acaba furando o levante. “A gente diria que ela não entendeu o projeto coletivo, mas não, ela viveu muitas dores, ela viveu o risco de perder a sua família e, então, ela meteu os pés pelas mãos. Mas a Sabina não é vilã, ela é uma mulher do seu tempo. A gente vê isso ao longo da história, que a voz negra não é única, ela é plural, ela tem dissonâncias e ressonâncias”, disse.

Camila Pitanga em “Malês”. (Foto: Divulgação)
Camila Pitanga em “Malês”. (Foto: Divulgação)

Cinema em família

Com mais de 60 anos de carreira, Antônio Pitanga tem uma longa trajetória no cinema nacional, tendo atuado em filmes como “Bahia de Todos os Santos” (1960), “Barravento” (1961), “Câncer” (1972) e “Quando o Carnaval Chegar” (1972). Como diretor, Pitanga se aventurou duas vezes. A primeira foi em “Na Boca do Mundo” (1977), filme feito em homenagem ao nascimento da filha Camila (que, por sua vez, dirigiu um documentário sobre o pai, “Pitanga”, em 2016). Na segunda vez, em “Malês”, o ator dirige e atua ao lado dos dois filhos.

“Ser dirigido por nada mais nada menos que Antônio Pitanga com seus mais de 65 anos de experiência, é um presente para qualquer ator” disse Rocco Pitanga. “Participamos juntos da construção de todo processo desse projeto. Que já há algum tempo era sonho do nosso pai contar essa história. Então foi multiplamente satisfatório participar dessa experiência.”

Para Camila Pitanga, o cinema nacional passa por uma virada de chave no que diz respeito à contar histórias de resistência e protagonismo negro. “Essa virada é entender que ter múltiplas vozes na direção, nos roteiros e enegrecer o cinema é ser Brasil”, afirmou ao Imirante.

Entender que mulheres dirigindo ampliam a audiência, ampliam as histórias, ampliam a alma do cinema brasileiro. Assim como um homem negro em movimento, como meu pai fala, estar dirigindo Malês amplia o nosso olhar, parece que a lente fica mais inteligente, sensível e cuidadosa. Isso traz novas perspectivas para se pensar o Brasil.
Camila Pitanga

Homenagem no Maranhão

A edição 2024 do Festival Maranhão na Tela homenageia Antônio Pitanga e a atriz Maeve Jinkings. Pela primeira vez, o festival exibe em sua noite de abertura um filme inédito em todo o país. Na ocasião, o diretor e seus filhos, Rocco e Camila Pitanga, estarão presentes.

Ao Imirante, Pitanga falou sobre a estreia nacional do filme no Maranhão, destacando sua conexão com o Estado. “Para mim, a estreia de “Malês” no Maranhão, abrindo o festival, e ainda ser homenageado pelo povo maranhense, é uma consagração." 

O Maranhão representa essa força literária brasileira, a força da dança, da arte. Acho que, como a Bahia e como nordestino que sou, vejo no Maranhão uma identidade prima e irmão de pilares, que foi importante nesse crescimento desse país chamado Brasil. Eu fico muito agradecido e emocionado.
Antônio Pitanga

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