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COLUNA
Kécio Rabelo
Kécio Rabelo é advogado e presidente da Fundação da Memória Republicana Brasileira.
Kécio Rabelo

Todo mundo ensaiando

As chuvas de maio banham o Maranhão. Chegam para lustrar as cantarias coloniais e acinzentar as águas turvas da Baía de São Marcos, para onde deságua sereno o Rio Anil.

Kécio Rabelo

As chuvas de maio banham o Maranhão. Chegam para lustrar as cantarias coloniais e acinzentar as águas turvas da Baía de São Marcos, para onde deságua sereno o Rio Anil. Do outro lado da Ilha, às margens de outro rio, o Itapecuru, ouve-se um som distante que aguça os sentidos do menino Chico ouriçado entre o sono da madrugada e a promessa de um boi que estar por vir. É a atmosfera de maio, do mês precursor de junho, do mês-coração do Maranhão.

Da rampa da cadeia de Rosário à esquina da Rua da Alfândega, da Avenida São Marcal no João Paulo ao largo aberto da capela de São Pedro, ouve-se chegar o boi e com ele seu encanto.A saga da escravidão que é o chão onde se passa essa estória, o desejo, sempre ele a perturbar os sentidos, àquele de Catirina pela língua do boi ou do menino Chico pela Morena que ameaça partir. É madrugada em Itamirim. É quase junho no Maranhão.

Se é a fé que move tudo, aqui, na Ilha dos Tupinambás, ela se embala com os Santos juninos no balanço do Boi, das matracas, zabumbas e pandeirões, se espreita entre o profano e se exalta na expressão da alegria, da liberdade, da diversidade e da emoção. Ganha forma toda forma de fé, e ganha vida todos os cazumbás, a afastarem para longe a tristeza, deixando o terreiro livre para a vida dançar.

No colorido das indumentárias, na riqueza dos bordados e na cadência dos sotaques faz-se poesia em roda, reverencia-se a terra, a criação, toca-se com respeito no passado ancestral e acende-se a fogueira da esperança, são os terreiros do Maranhão.

Força de resistência, ou sonho de menino, a espera do boi é a realidade contida de maio, marcado pelos ensaios, pelas provas e ajustes, marcado pelos mestres que como Chico Saldanha, encantam-se com a encantaria e cantam essa saudade.Nesse dueto de amor e desejo, maio vai se despedindo e abrindo portas à junho que chega alumiando as saudades com canutilhos de esperança. Daquele boi que não chegou, ou da Morena que não pôde esperar, na rampa de Rosário ou nos rincões da Beira Mar, sirvo-me dos versos de Laura Amélia pra embalar o canto de Saldanha e acariciar os sonhos de todos os “Chicos”:  “ deixa o mês de maio correr e escorrer em noites de estrelas e ensaios; guarnicê noites de bumba meu boi, são só três léguas amo meu; são só três léguas é muito pouco, pra esses pés que o amor conduz”.

É junho que vai chegando, meu boi segue ensaiando, viva minha gente feliz que se espreita pra ver e dançar com o brilho da vida e o orgulho de ser daqui. Viva os santos de junho, dos altares dos arraiais, do templo aberto dos  terreiros, do solo sagrado do Maranhão.

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