Brincadeiras de menino
(E o machismo segue afetando o desenrolar da nossa vida)
Mara tem 62 anos e carrega consigo as cicatrizes emocionais da infância. Cresceu em uma família tradicionalmente machista, dessas onde os papéis de gênero são rigidamente definidos. Seu pai era um alcoólatra violento, que não só fazia da casa um lugar de medo e abuso, como também impunha suas visões patriarcais sobre sua mãe e irmãs.
A angústia que levou Mara ao consultório ecoava a dor de uma mulher que, desde tenra idade, sentia um chamado para brincadeiras que, aos olhos de seus pais, eram rotuladas como "de menino". Ela adorava futebol, correr ao ar livre empinando uma pipa e até sonhava em pilotar um avião um dia. Mas sua mãe, presa às convenções sociais e temerosa de que Mara pudesse ser influenciada de maneira indesejada, sempre a desencorajou dessas atividades. Para ela, meninas deveriam brincar com bonecas, aprender a cozinhar e se preparar para se tornarem rainhas do lar.
Apesar do medo constante e das dolorosas surras infligidas por sua mãe, Mara não podia conter sua necessidade de se entregar às brincadeiras. Ela brincava furtivamente, quase em completo silêncio, implorando a seus amigos que não chamassem seu nome. Embora estivesse ciente do risco de ser descoberta e punida por se envolver nessas atividades proibidas, era impossível para ela resistir ao fascínio avassalador que a sensação de liberdade oferecida por esses momentos compartilhados com os meninos proporcionava.
Mara tentou resistir à pressão, mas as proibições constantes de sua mãe e a violência de seu pai a fizeram recuar. Ela guardou seus desejos e interesses mais profundos em um canto escuro de sua alma, enquanto tentava se encaixar nas expectativas impostas.
O tempo passou, e Mara viu sua vida se desenrolar de acordo com o script que outros escreveram. Ela se casou, teve filhos e dedicou-se ao papel de esposa e mãe. Por trás do sorriso nos eventos familiares e das tarefas domésticas, havia uma tristeza silenciosa, uma sensação de vazio por nunca ter sido verdadeiramente livre para ser quem ela era.
Agora, Mara se vê confrontada com uma dor antiga e profunda. Ela percebe que sua frustração e insatisfação não vêm apenas das escolhas que fez, mas também das oportunidades que lhe foram negadas. Ela lamenta não ter tido a permissão para explorar seu verdadeiro eu, para abraçar suas paixões e interesses, independentemente das expectativas de gênero impostas pela sociedade e família.
Caminhando na terapia, ela percebe que nunca é tarde demais para começar a viver autenticamente. Aos poucos, começa a reconstruir a relação consigo mesma, curando as feridas do passado e abrindo caminho para um futuro onde ela possa finalmente ser livre para ser quem é, sem desculpas ou arrependimentos.
-Ainda dá tempo. A vida é hoje, Mara!
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