(Divulgação)

COLUNA

Prof Michael Amorim
Michael Amorim é professor de filosofia, conferencista, podcaster pai e marido.
Profº Michael Amorim

A desculpa dos incapazes

As universidades estão entre os lugares mais intolerantes da face da Terra. O que não deveria acontecer é a Direita esconder-se atrás dessa realidade para justificar sua improdutividade acadêmica e/ou cultural.

Profº Michael Amorim

Passei cinco anos cursando filosofia na Universidade Federal do Maranhão e garanto: nem sempre a academia, mesmo na área de Humanidades, é um Bicho Papão devorador de conservadores; a menos, é claro, que o sujeito seja um covarde preguiçoso.

Graduei-me com um trabalho de conclusão de curso sobre Ortega y Gasset, com todas as suas críticas ao kantismo, corrente de pensamento dominante entre os professores do departamento de filosofia da UFMA, e não encontrei impedimento algum por parte da banca examinadora. 

Mesmo em Filosofia política, a cadeira mais militante do curso, cuja professora era mais esquerdista que Stalin, não encontrei a menor dificuldade em passar, com nota máxima, em todas as provas. Tudo isso seguindo à risca as dicas do professor Olavo de Carvalho sobre não se deixar intimidar na sala de aula.

A verdade é que muitos direitistas encontram na militância esquerdista acadêmica a desculpa perfeita para sua falta de capacidade intelectual. Sendo incapazes de escrever um simples artigo acadêmico, apelam para a narrativa da "censura de esquerda", imitando, ipsis litteris, o modus operandi dos mesmos militantes que criticam. Não é que não exista censura imposta por comunistas nas Universidades; ela existe, desgraçada e sistematicamente. E o mais doentio é que os mesmos que censuram qualquer pensamento contrário, alegam serem vítimas de uma censura imaginária. 

Em seu texto Os intelectuais nunca têm culpa, o professor Olavo de Carvalho mostra que na época de nosso fascismo tupinambá, para usar as palavras de Graciliano Ramos, "o que mais doeu na alma dos letrados não foi a violência da repressão  – muito moderada, como se viu, em comparação com o padrão universal das ditaduras –, mas sim o isolamento [...] uma perda completa do sentido da vida, justificando todas as medidas desesperadas, todas as loucuras, todos os acanalhamentos". 

Terminado o Regime Militar e depois de ocuparem por décadas os mais confortáveis lugares no Olimpo da militância política, a intelligentzia esquerdista projeta no bolsonarismo seu desespero ante a ameaça de ficar sem chão, sem o tão querido palanque político. Não há nada de novo debaixo do sol, já dizia o rei sábio.

Extremamente politizados, como ouvi recentemente da boca de um estudante de direito, referindo-se – consciente ou não das implicações de tal afirmação – a si mesmo, encontraram na propaganda política a consumação de seus destinos. Tremem de medo diante do simples sussurrar da palavra, um tanto mágica, capaz de evocar memórias do que nunca foi vivido, "c-e-n-s-u-r-a". 

A elite intelectual esquerdista esperneia e alardeia repressão ao menor sinal de combate às suas ideias de jerico. Tendo reduzido a vida intelectual ao combate político, morrem de medo de perder a única coisa que dá sentido à suas vidas estéreis: a militância anti-conservadora. Não foi por acaso que Jair Bolsonaro teve amplo apoio das massas populares e obteve, como resposta, notável desespero e crítica desproporcionais da parte da classe dos letrados.

É um fato inegável: as universidades estão entre os lugares mais intolerantes da face da Terra. O que não deveria acontecer é a Direita esconder-se atrás dessa realidade ou apelar a ela, em casos flagrantemente diversos, para justificar sua improdutividade acadêmica e/ou cultural.

Ainda no artigo "Os intelectuais nunca têm culpa", o professor Olavo nos lembra que "a esterilidade cultural do período (regime militar) foi depois inteiramente lançada  à conta dos débitos da Ditadura". Como o Apóstolo São Paulo, Boécio, Zubiri, Husserl, Camilo Castelo Branco, Graciliano Ramos, Viktor Frankl e tantos outros produziram escritos eternos de valor inestimável em condições tão adversas de repressão e perseguição extrema, é coisa que nenhum membro da intelligentzia brasileira, ou direitista universitário, explica. Talvez dirão como Chicó, personagem do Ariano Suassuna: não sei, só sei que foi assim.

O professor Olavo de Carvalho só foi capaz de vencer sozinho toda a turma acadêmica por tê-la superado. Estudou a fundo, e com mais seriedade, todas as questões que inundam os debates universitários e elevou-se acima de todos em cultura e preparo intelectual; ensinando como se faz. Um dos conselhos mais dados pelo professor é para que evitemos bate-bocas sem sentido e publiquemos livros: "estudem mais que seus professores universitários", "marquem essa geração com suas obras".

Um dos maiores diferenciais do Olavo de Carvalho, diga-se de passagem, e que é a marca mesma de um filósofo, é o fato de que em suas obras sobre outros filósofos, ele não se limita a ser um mero comentador. O professor usava a filosofia alheia como ponto de partida para a sua própria investigação filosófica. Estudava, absorvia e integrava a coisa toda para, então, ir além. É isso que separa um filósofo em plena atividade de um mero professor ou comentador de filosofia. 

Como isso requer demasiado esforço e sacrifício, a direita preferiu seguir o caminho inverso e falar sobre tudo sem estudar sobre nada. Escolheu a intelectualidade de Instagram, o papel de um mero intelectual orgânico, no sentido de Gramsci, que no geral vive de jargões e repetições ad nauseam. Elegeu a academia como seu Goldstein e, aproveitando a distração dos dois minutos de ódio, foge dos estudos como o diabo da cruz.

O filósofo Xavier Zubiri foi duramente perseguido pelo regime franquista. Sem meios de agir politicamente e divulgar seu pensamento, trancou-se em casa e por três décadas abraçou a solidão e o silêncio. Nunca reclamou da repressão. Resultado: nos deixou uma obra de valor inestimável que será lembrada pelos séculos dos séculos (nos diz Ortega y Gasset que o saber é rigorosamente mudez e taciturnidade, uma nascente que somente pulsa na solidão).

O regime de Francisco Franco – para o bem ou para o mal – passou; a obra de Zubiri ficou. No Brasil a coisa é diferente. É essa a raiz e causa de nossos problemas: em vez de alguns Zubiris, temos centenas de Caetanos Velosos; poços secos que só encontram valor na produção intelectual se esta servir de instrumento para suas tendências políticas, sejam elas comunistas ou conservadoras. 

Já notaram, aliás, que o pessoal da direita não consegue ter um trabalho comum? Todo mundo quer ser professor, astrólogo, crítico literário, coach, copywriter, jornalista... Ninguém mais quer bater uma laje, ser frentista de posto de gasolina, caixa de supermercado, manicure…

Bastou ter lido dois livrinhos e nêgo já se acha indigno de um trabalho manual; intelectual demais para repor mercadoria em supermercado, ignorando o fato de que grandes escritores tiveram que trabalhar em serviços manuais extremamente comuns para pagar as contas, pois nem todos conseguiram viver da escrita e definitivamente não usavam a vida intelectual como mera forma de ganhar dinheiro. O trabalho manual em nada maculou suas obras; vide o grande apóstolo Paulo que, mesmo sendo autor de boa parte do Novo Testamento, fabricava tendas para sobreviver. Mas quem é o Apóstolo perto do inteligentinho que descobriu a Suma Teológica ontem?

Não sou o primeiro a observar que grande parte da dita produção cultural da chamada nova direita brasileira limita-se a vender uma "verdade oculta" para seus seguidores leigos. Podem observar, o marketing é sempre o mesmo: "Nós sabemos de algo que você não sabe e podemos te contar por um valor X". Nunca se estabelece uma discussão séria sobre o assunto abordando-o sob múltiplos pontos de vista. Buscando, inclusive, verdades comuns em pensamentos opostos. 

É sempre a mesma conversinha repetitiva de uma panelinha já saturada. Um puxando o saco do outro. Ninguém fala nada de que os outros já não saibam ou fingem saber. Todos têm a mesma cara, o mesmo tom, o mesmo pensamento, o mesmo nicho... não aguento mais receber propaganda de pretensos cursos de iniciação à filosofia. 

Aliás, o professor Olavo dizia que qualquer um que se põe a ensinar introdução à filosofia é um charlatão, pois não existe caminho fácil para o filosofar; o estudante, dizia o professor, deve entrar no meio do tiroteio e esforçar-se para encontrar uma ordem na confusão. Concordo plenamente. Não é difícil prever que logo os consumidores estarão tão saturados disso que o pensamento conservador brasileiro será uma chatice banal e sem vida criativa, apenas mais do mesmo, com suas centenas de influenciadores disputando a dentadas um espaço na fatura de algum cartão de crédito.

Produzir cultura não é algo fácil e na maioria das vezes é um trabalho anônimo, silencioso e não reconhecido, mas sem uma genuína classe intelectual voltada para o cultivo da vida interior não haverá avanço significativo por estas bandas. Repito e repetirei sem cessar: Olavo tem razão. 

São Luís, dia de São José Operário.

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