Filosofando em espiral, ou A confusão filosófica do Olavo de Carvalho
No dia 24 de janeiro de 2022 o mundo perdia um de seus mais prolíferos e marcantes filósofos: o professor, escritor e ensaísta Olavo de Carvalho. Dedico as linhas que se seguem a esta importante e polêmica figura.
In interiore hominis habitat veritas, ensinava Sto. Agostinho.
No último 24 de janeiro de 2024 fez dois anos desde que o mundo perdia um de seus mais prolíferos e marcantes filósofos: o professor, escritor e ensaísta Olavo de Carvalho. Dedico as linhas que se seguem a esta importante e polêmica figura.
Sou professor de filosofia graduado pela Universidade Federal do Maranhão e aluno do professor Olavo de Carvalho desde 2011. Apesar de toda a influência exercida sobre mim, o único contato pessoal que tive com o professor Olavo foi em razão de uma conferência que ele gentilmente concedeu ao I Encontro da Juventude Conservadora da UFMA, organizado por mim na Universidade Federal do Maranhão, em 2016. Foram apenas três minutinhos explicando-lhe sobre o que eu gostaria que falasse. Ainda lembro como se fosse ontem da alegria e satisfação que senti ao vê-lo transformar o que era para ser uma singela palestra em uma de suas melhores aulas (que pode ser acessada no link: https://www.youtube.com/watch?v=ImDpkUxEyZU&t=360s).
Durante minha jornada acadêmica li muitos livros de filosofia, integrei grupos de estudos, realizei diversas comunicações orais e participei de inúmeros congressos na área de humanidades e posso garantir: a obra filosófica do professor Olavo de Carvalho é a mais clara e genuína expressão filosófica.
Dizer que a gigantesca obra do professor é irrelevante para a história do pensamento filosófico brasileiro e/ou mundial é passar atestado de neófito, de calouro em matéria de filosofia. É não saber identificar, numa obra, o que é secundário e o que é essencial para seu pensamento. O próprio Olavo disse inúmeras vezes que sua obra divide-se em livros escritos porque ele quis e livros escritos porque o Brasil precisava. Esta segunda classe é, em sua maioria, composta por escritos jornalísticos inferiores em matéria filosófica, embora de grande valor científico, pois o Olavo deixou grandes contribuições na Ciência Política; e ninguém que tenha lido seu debate com o professor Alexandr Dugin , ou que tenha feito seu curso “Ciência Política: Saber, Prever e Poder”, duvida disso.
A primeira classe de obras, da qual o COF – Curso On-line de Filosofia – faz parte, e que em sua maioria continua inédita, é onde pode-se dizer que vemos o Olavo no seu melhor. O problema é que ela tem por principal característica o ser aparentemente caótica. Digo aparentemente, pois o filosofar em espiral é marca essencial do método educacional do professor. A realidade, ensinava ele, foge de uma visão demasiada estática das coisas. É preciso buscar uma visão viva e em movimento dos processos reais que não se deixam apreender por quem descarta a variação constante das perspectivas. É exatamente isso que buscava o método empregado pelo professor.
A filosofia do Olavo, a exemplo da filosofia socrática, não propõe uma doutrina filosófica, algo pronto, linear e acabado – embora também contenha uma doutrina. O fato é que Olavo não foi, nem de longe, um pensador sistemático. Sua missão, ele não cansava de repetir, é formar filósofos, ou seja, pessoas capazes de apreender as coisas na multiplicidade de perspectivas em que elas se apresentam. Em suma: pessoas capazes de perceber a verdade independente da forma pela qual ela se mostre; e, para isso, “é preciso um pouco de confusão”, dizia o Olavo. Por isso mesmo o professor sempre escreveu de forma mais ou menos anárquica, de acordo com seu interesse vital; e nisso é impossível não compará-lo ao filósofo espanhol Ortega y Gasset, de quem o Olavo leu tudo quando jovem. Isso, a meu ver, é o que na obra do Olavo, afugenta os principiantes, o que separa os homens dos meninos. Os estudiosos dos macaqueadores.
Não é por acaso que se acusa o professor Olavo de coisas tão distintas como maçom, católico radical, islâmico, comunista, membro da extrema direita e por aí vai. Todos julgam que, por terem apreendido um pedacinho do Olavo de Carvalho – pedaço que não raro é retirado de uma tomada de posição momentânea – abarcaram todo o seu pensamento. Reduzem e limitam o filósofo para que assim ele caiba em suas cabecinhas rasas.
O que se deve entender é que não se julga o pensamento de um filósofo sem levar em conta a unidade de sua obra, bem como sua evolução e maturação. É impossível definir o pensamento do Olavo de Carvalho lendo uma ou outra posição sua sobre este ou aquele fato do dia; há de se encontrar, apesar das contradições aparentes, uma unidade na vasta obra do professor. Aliás, é assim que se estuda filosofia. É assim que se distingue os que estão dispostos a ir até as profundezas dos que contentam-se em pairar sobre a superfície, pois a própria experiência mesma do pensar exige o confronto de contrários num choque dialético que admite, ao menos como possibilidade, a existência de verdades comuns em ideias opostas. Caso contrário, não há pensamento, reflexão ou crítica, apenas doutrinação e fanatismo. Qualquer estudante de filosofia que ignorar isto impossibilitará, no ato, a reflexão filosófica. Reflexão que, como nos mostra o Caduceu, símbolo tradicional da divindade astral Mercúrio, é movimentação em espiral firmada, mas não definida, por uma linearidade lógica. E aqui ler o texto introdutório escrito pelo Olavo para a sua tradução da “Dialética Erística” de Schopenhauer é crucial.
É preciso entender que, tratando-se do estudo da filosofia, uma coisa é de suma importância: estudar a biografia do autor.
Sem conhecer, ao menos o básico, da vida do filósofo é impossível compreender sua filosofia, pois ela não surgiu Ex Nihilo. A obra escrita do filósofo deve ser analisada desde o encontro ou distanciamento que ela tem com sua vida. Saber quais as situações externas e internas que o compeliram a escrever; saber se o autor guiou suas ações pelos princípios que externou no texto escrito ou se sua filosofia não serve para explicar nem a sua própria vida, que tudo que escreveu é teatro, como no caso do Rousseau, ou mentira deslavada, como no caso do Maquiavel, é algo elementar, mas que foge por completo das análises universitárias que baseiam-se na falsa definição de que filosofia é uma disciplina que lida com textos (sic).
Certa vez postei em meu perfil do Facebook que os departamentos de filosofia são também seus túmulos – reafirmo. Mas a crítica deve estender-se para além da academia e atingir os declarados críticos do sistema universitário que contentam-se em imitar em vez de ser; ignorando os conselhos do professor que dizia enfaticamente: “Prometam ser”. Não se pode pretender “restaurar a alta cultura” sem fazer isso desde dentro. Sem, primeiro, ser um homem de cultura capaz de participar, em pé de igualdade com os grandes gênios, da Grande Conversação. E não se pode pretender sistematizar a obra de um filósofo sem, em certa medida, filosofar.
E aqui o livro do Ronald Robson, Conhecimento por Presença – em torno da filosofia do Olavo de Carvalho, Vide Editorial, 2020, nos aparece providencialmente na contramão do que se vê hoje na chamada nova direita ou movimento conservador. Enquanto muitos alunos do professor Olavo de Carvalho contentam-se em repetir frases prontas e raciocinar em cima de lugares comuns, o Ronald se põe como alguém que não apenas repete, mas dialoga com a filosofia do Olavo – e é assim mesmo que deve ser.
Olavo de Carvalho partiu desse Vale de Lágrimas, entrando para a eternidade, mas não nos deixou órfãos, pois sua obra também é eterna. Seus detratores passarão, mas a obra de Olavo de Carvalho permanecerá pelos séculos dos séculos como a mais alta e clara expressão de uma genuína filosofia. E quem duvida disso não sabe o que diz. Ignorar um dos autores mais lidos do Brasil e o autor mais compreendido da história é pedantismo, ego, vaidade provinciana. Não se pode compreender a nossa atual situação sem entender o papel do professor Olavo de Carvalho nela. A conta é simples qual é o impacto cultural de uma obra que vendeu meio milhão (!) de exemplares num país em que 10 mil exemplares vendidos atestam um best-seller? O Mínimo que você precisa saber para não ser um idiota – para choro e ranger de dentes dos intelocratas – vendeu tudo isso…
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