O presidente Lino Moreira
Minha vida de editor, conquanto modesta, tem me propiciado o contato com algumas das figuras mais representativas de meu tempo — representativas naquilo que os nossos tempos indigentes ainda guardam de honrado e autêntico.
Minha vida de editor, conquanto modesta, tem me propiciado o contato com algumas das figuras mais representativas de meu tempo — representativas naquilo que os nossos tempos indigentes ainda guardam de honrado e autêntico. Deus há de me cobrar isso. São poucas, infelizmente, essas figuras, mas elas existem; conto com a credulidade dos dois ou três leitores que me acompanham nesta coluna.
Uma dessas figuras é a do meu queridíssimo amigo Lino Raposo Moreira, dos mais destacados membros da Academia Maranhense de Letras, economista de formação irretocável, mestre e doutor pela Universidade de Notre Dame, além de escritor, editor, pesquisador e articulista. Sua experiência profissional prima pela densidade e constância. Iniciou-se, muito moço, no antigo Banco de Desenvolvimento do Estado do Maranhão, onde ocupou diversos cargos de relevância. Integrou a equipe responsável de elaborar o Plano de Governo do Maranhão e o Plano de Ação do Banco de Desenvolvimento para o período de 1976 a 1979. Já na década de 1980, foi secretário adjunto da Secretaria de Articulação com os Estados e Municípios e da Secretaria de Planejamento da Presidência da República. Também ao Executivo estadual emprestou o melhor de seus conhecimentos, tendo sido secretário de Planejamento e do Meio Ambiente, onde fez valer a sua presença de economista e homem público, continuador do melhor e mais puro humanismo maranhense, num tempo, não muito distante, em que os homens de letras ainda constituíam a elite da administração pública.
Esse bom amigo não esconde e jamais escondeu as suas convicções embasadas na tradição do liberalismo clássico, de verniz conservador. Ultimamente, venho admirando-o mais e mais pela sua postura desassombrada de conservador anti-bolsonarista, em atitude que me faz lembrar de outro velho combatente das boas ideias, saquarema de corpo inteiro, o jornalista e escritor Aristóteles Drummond, mestre e amigo. Esses dois guerreiros, não por acaso, são frequentemente apodados de “comunistas” pelos “conservadores” de última hora, tanto quanto o eram, e o são, de “reacionários” pelos esquerdistas. As patrulhas ideológicas são implacáveis. Mas a galhardia e a bravura são ainda mais.
Passou-me recentemente, o dr. Lino Moreira, os originais de seu próximo livro, que terei o prazer de editar, em trabalho que honra a nossa cultura e em mim, particularmente, faz vibrar o velho culto machadiano — O Maranhão nas crônicas de Machado de Assis, em que coligiu e anotou minuciosamente os artigos de jornal nos quais o mestre das Páginas recolhidas e do Quincas Borba tratou de temas relativos ao Maranhão. O trabalho de seleção e organização impressiona pela amplitude e pelo detalhismo. Em seu afã de pesquisador, o dr. Lino foi bater às portas da Biblioteca Nacional, a fim de estabelecer o texto do material recolhido a partir dos velhos jornais oitocentistas em que colaborou o nosso escritor maior, e que estão sob a guarda daquela veneranda casa.
O título deste artigo evocativo alude ao tempo em que esteve o dr. Lino à frente da Academia Maranhense, em gestão marcada pelo êxito e por importantes realizações. Bastaria dizer, em favor do que digo, que lhe coube assumir o timão da Academia no biênio (2006-2008) em que se comemoraria o centenário da Casa, para cuja função contou com o apoio certeiro do saudoso escritor, editor e pesquisador Jomar Moraes. Outro não foi senão o dr. Jomar o batalhador incansável pelas coisas da Academia, o principal responsável pelo prestígio da instituição, pelo papel de relevo que lhe cabe como guardiã máxima das nossas letras e da nossa cultura. Foi o nosso Austregésilo de Athayde, pelo muito que fez pela Casa de Antônio Lobo no decorrer dos 22 anos em que a presidiu (1984-2006). Foi justamente no ano do centenário que o dr. Jomar deu a lume a sua edição crítica, largamente ampliada, do indispensável Dicionário histórico-geográfico da Província do Maranhão, de César Marques, que consumiu uma década de trabalho do saudoso editor, e para a qual fez o dr. Lino um importante índice remissivo.
Lembro-me, pelo gosto da evocação, que um dos melhores livros de ensaísmo literário deixados por Josué Montello é precisamente O presidente Machado de Assis (São Paulo: Livraria Martins, 1961; 2ª ed., Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, Coleção Documentos Brasileiros, 1986), em cujas páginas o mestre maranhense reuniu e concatenou o melhor de suas pesquisas sobre o papel que teve Machado de Assis na fundação e consolidação da Academia Brasileira. Ainda está por ser escrito o livro em que serão registradas as ações do dr. Jomar e do dr. Lino — sem falar do que vem fazendo o atual presidente, o escritor e magistrado Lourival Serejo — à frente da Academia Maranhense.
Quanto ao mais, guardo do dr. Lino as provas imperecíveis do seu caráter e da galhardia do seu espírito de Quixote, como quando, em novembro de 2018, escreveu um artigo em que espinafrou os bobalhões esquerdistas que impediram que eu concluísse a minha conferência, para a qual havia me convidado o Instituto Carcarás, acerca do fenômeno do fascismo. O episódio ridículo, que se deu no hall do CCH, na Universidade Federal do Maranhão — e em que fui subitamente impedido de continuar minha exposição por um coro de “estudantes” cantando a música Cálice, de Chico Buarque —, quase termina em pancadaria, graças aos esforços de um professor da instituição, medievalista de algum renome, que, tendo escutado atentamente minha exposição, pediu a palavra, não para fazer considerações sobre o tema, mas para me ofender e insuflar a estudantada. Um sujeito absolutamente irresponsável, tolhido pelo fanatismo do espírito ideológico. Pois bem — o dr. Lino Moreira publicou n’ O Estado do Maranhão um artigo que muito me honrou e que consiste numa peça que só envergonha os fanáticos de todos os matizes.
As boas amizades são o grande patrimônio de um homem de bem. Sobretudo pela comunhão de ideais. Esta é uma lição que jamais morrerá.
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