(Divulgação)
COLUNA
Sônia Amaral
Sônia Amaral é desembargadora do Tribunal de Justiça do Maranhão.
Sônia Amaral

Harmonia

Precisamos de muito pouco para viver em harmonia consigo mesmo e com os outros.

Sônia Amaral

“Harmonia é ver o sol nascer

Com o brilho da lua ainda lá

Harmonia é a rua e é você

É a luz do escuro no olhar

Que desejo tão fácil de se ter

Que presente difícil de ganhar

Mas é sina do homem procurar harmonia"

 

Essa última estrofe da música Harmonia, da autoria de Sá e Guarabyra, é, a meu juízo, de uma beleza inconteste e de um simbolismo único.

Precisamos de muito pouco para viver em harmonia consigo mesmo e com os outros. Ver o sol nascer e apreciar o brilho da lua é algo simples de realizar; ver os outros (rua) com a necessária compreensão de que todos somos pecadores é imprescindível; conseguir enxergar luz em tudo e todos, e não apenas ver o lado obscuro das coisas e das pessoas, é indispensável. Tudo isso é fácil de se ter – é só se permitir – mesmo que nem todos ofereçam esse presente. Todos nós procuramos a harmonia, mesmo que, muitas vezes, da forma e no lugar errado. 

Lembrei-me dessa música porque entendo que hoje, mais do que ontem, a sociedade está muito beligerante, dividida, uma verdadeira guerra de torcidas, em desarmonia, enfim. E isso, para mim, beira a irracionalidade.

Por que quem pensa diferente não está apenas errado, aos olhos dos que pensam em sentido contrário, mas passa a ser um verdadeiro pecador infame? Por que quem pensa diferente, passa a ser rotulado de genocida, nazista, fascista etc? Por que alguns pretendem prender, cancelar e/ou chicotear em praça pública todos que não comungam da mesma ideologia ou da mesma forma de pensar? 

Quem disse que o que penso é a verdade e quem pensa diferente está errado? Quem deu a alguns o direito de se manifestar livremente e a outros a obrigação de tão somente concordar? Quem disse que sou obrigada a concordar com aquilo que não concordo?

Vemos diariamente linchamentos nas redes sociais, porque a pessoa disse isso ou aquilo. Vemos grupos que se acham no direito de fazer campanhas contra empresas pelo fato de não aderirem às suas pautas, sem se preocupar que isso pode causar prejuízos financeiros e, por certo, desemprego. Vemos jogadores de futebol ou autoridades, sendo caçadas nos espaços públicos, com agressões verbais, porque perderam um gol na cara do goleiro ou decidiram de forma contrária ao entendimento daquele que agride. 

Sem harmonia, perecem a civilidade, a democracia e o próprio indivíduo, que perde a paz de espírito, ao viver em uma sociedade conturbada. 

Nesse contexto, prescrevo – como alguém que deseja viver em uma sociedade harmônica, mas que tem convicção de não ter nunca a palavra final, estando pronta para escutar outras sugestões – a humildade. 

Estive recentemente em Istambul, na Turquia, e em visita à Mesquita Azul. Logo na entrada, ao constatar que no meio da porta principal havia uma corrente pendurada, perguntei à guia o porquê, ao que ela respondeu: “era uma forma de fazer com que o sultão e demais membros da nobreza, que entravam a cavalo na parte externa da mesquita, se abaixassem e lembrassem o quão pequenos eram perto de Deus”. 

Creio que é isso. Para viver em harmonia, acreditando ou não em Deus, temos de exercitar sempre a humildade. Afinal, como diz o dito popular, não é por menos que “temos só uma boca para falar e dois ouvidos para escutar”; e escutar o outro, antes de criticar e rotular, tentar compreender as razões daquele ter feito essa opção e não opção igual a sua é algo imprescindível, se desejamos verdadeiramente viver em harmonia. 

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