São João do Maranhão

Miolo: conheça a história do personagem responsável por dar ‘vida’ ao boi nos grupos de bumba meu boi

O miolo é quem faz o boi dançar e festejar diante do público, uma missão que exige muita dedicação, fôlego, coragem e resistência física.

Na Mira

Atualizada em 24/04/2024 às 10h24
Miolo: conheça a história do personagem responsável por dar ‘vida’ ao boi nos grupos de bumba meu boi.
Miolo: conheça a história do personagem responsável por dar ‘vida’ ao boi nos grupos de bumba meu boi. (Foto: Divulgação / Boi Valente da Ilha)

SÃO LUÍS - A frase "sem miolo o boi não dança" é conhecida nas apresentações de bumba meu boi no Maranhão pois destaca a importância do miolo, que é a pessoa responsável por carregar a armação de madeira que representa o boi. 

O boi é o protagonista do auto junino, uma manifestação folclórica que envolve práticas populares no Maranhão. A história gira em torno do desejo de Catirina, uma negra, grávida, escravizada de uma fazenda, que quis comer a língua do touro preferido do dono da fazenda. Esse desejo é realizado por seu parceiro, Chico.

O animal acaba sendo ressuscitado, resultando em uma grande festa na fazenda. Em entrevista ai g1 MA, pesquisadora Marla Silveira, da UFMA, explica a importância desse animal no auto junino.“O boi, que pode ser, ainda, denominado de ‘novilho’ ou ‘touro’, é absolutamente importante no auto junino do bumba meu boi maranhense, porque ele representa a oferenda, a promessa a São João. A dádiva envolvida na ritualística do bumba meu boi. O dom de receber e retribuir uma graça, como são as estórias em torno do bumba meu boi e as narrativas do auto, que apresentam elaborações diversas, de acordo com os diferentes sotaques de bumba meu boi”, destaca.

No contexto das apresentações de bumba meu boi no Maranhão, o miolo, também conhecido como "tripa", "alma", "fato", "espírito" ou "condutor", desempenha um papel fundamental. Esse integrante do grupo é responsável por dar vida ao personagem principal da manifestação popular, fazendo o boi "dançar" diante do público. 

O miolo atua de forma invisível, permanecendo escondido embaixo do boi durante toda a apresentação do auto junino. Ele participa do bailado com os demais personagens e brincantes, além de protagonizar o enredo do bumba meu boi. A pesquisadora Marla Silveira ressalta a importância desse papel e a invisibilidade do miolo diante da atenção do público.

“Com movimentos rápidos e lentos, mas de maneira alternada, e sob os ritmos que dão sonoridade estética aos diferentes grupos de bumba meu boi, os miolos executam passos bem elaborados e precisos, para encenar a coreografia do boi nas apresentações públicas, dançando no centro dessa grande brincadeira de roda que é o bumba meu boi do Maranhão, ou no auto”, destaca a pesquisadora.

Rafael dos Santos, de 32 anos, entende bem desse bailado. Há 23 anos, ele é miolo do animal, começou a dar alma ao boi no Boizinho de Cofo, em Codó, no interior do Maranhão desde seus 9 anos de idade. “Sempre gostei de São João, das brincadeiras juninas, e sempre me encantei com a figura do miolo. Então, pra mim, acabou sendo algo natural. É uma responsabilidade muito grande porque o miolo, o boi, é uma figura central de qualquer batalhão. Graças a Deus sempre fiz o meu trabalho com muita responsabilidade e sempre fui querido por todos onde já brinquei”, afirma Rafael.

Após passar por diversos outros grupos folclóricos, Rafael assumiu a responsabilidade de ser miolo do boi Valente da Ilha, em São Luís desde 2013. “Estou desde a fundação do batalhão e não pretendo deixar essa família. Pra mim, é uma responsabilidade e uma alegria muito grande poder vestir essa camisa, ser parte do São João mais bonito do mundo”, ressalta.

Para ser miolo de boi é preciso muita responsabilidade. Cada grupo tem em média três apresentações por noite, podendo chegar a cinco ou seis shows, com duração de 45 minutos a 1h. Rafael precisa de muita força e fôlego carregar cerca de 25 quilos da armação do boi. 

“A armação é feita de buriti, mas chega a pesar até 25 kg, dependendo do bordado. O nosso boi é bem bordado, então acaba ficando bem pesado. E pode parecer clichê, mas não deixa de ser verdade, pra dar conta, só tendo muito amor pelo São João. Não é pra qualquer um. Tem muita gente que entra porque acha bonito, quer tirar fotos com as indumentárias pra postar nas redes sociais, mas acaba desistindo depois das primeiras noites de São João, porque é uma rotina muito pesada. Então, pra dar conta de uma temporada inteira, só tendo muito amor mesmo pelo São João e pelo papel que você representa dentro da brincadeira”, explica o miolo.

Ao ser questionado sobre ser invisível, Rafael afirma que em toda apresentação deixa de ser ele mesmo e passa a ser o miolo do boi. “Na hora das apresentações eu me transformo. Quando subo no palco eu não sou o Rafael, eu sou o miolo, eu represento a figura do bumba boi, do Valente da Ilha. E é isso o que importa. Mas o reconhecimento do trabalho existe, nos aplausos dos espectadores, quando o espetáculo termina e as pessoas pedem pra tirar fotos com você, elogiam a sua performance”, comemora.

Além do público, o reconhecimento vem, também, por meio do presidente do boi Valente da Ilha, Arialdo Moraes, também conhecido como Arialdo Valente, de 59 anos. Que elogia a performance de Rafael como miolo de boi. 

“Começamos, lá em 2013, com dois miolos. Depois ficamos com apenas um, o Rafael, que está conosco desde o início e é um miolo excepcional. Até o meio dessa temporada estávamos só com ele, mas agora contratamos mais um miolo pra reforçar o nosso batalhão. A responsabilidade de cuidar do boi é do miolo. E o Rafael é um miolo muito cuidadoso, que inclusive tem grande ciúme do boi que ele utiliza, não gosta muito de deixar na responsabilidade de outros brincantes”, destaca Arialdo Valente.

Na opinião de Rafael, ele expressa sua admiração por todos os integrantes do Bumba Meu Boi, mas destaca que sua verdadeira vocação é ser miolo. “Minha vocação é ser miolo. Admiro os vaqueiros, os campeadores, os fitas, admiro o trabalho de todos, mas eu acredito que a minha vocação é ser miolo, é onde eu me encontrei no São João. Amo o meu papel, amo o meu batalhão. E, graças a Deus, acredito que tenho feito um bom trabalho nesses 23 anos”, finaliza.

 


 


 



 


 

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