São João 2023

Horário de arraiais compromete tradição de grupos folclóricos e atrapalha investimento do governo e iniciativa privada

Ato decorre do antigo problema da perturbação do sossego público e parte de moradores de áreas residenciais incomodados com poluição sonora e outros aborrecimentos.

Evandro Júnior / Na Mira

Atualizada em 28/06/2023 às 11h56
Capela de São Pedro é palco de confraternização de grupos de bumba meu boi que amanhecem nas proximidades de hospital
Capela de São Pedro é palco de confraternização de grupos de bumba meu boi que amanhecem nas proximidades de hospital

São Luís - Amanhecer nos eventos durante o período junino é uma tradição que os grupos de bumba meu boi de São Luís estão sentindo falta. Conforme a Lei Municipal 7.369, derivada de projeto de autoria do vereador Astro de Ogum, o horário limite de funcionamento dos “eventos especiais”, categoria que inclui o São João, é até 4 horas da manhã, o que impede essas manifestações folclóricas de avançarem até o raiar do dia, já que a programação, tanto pública quanto privada, não é permitida acima desse patamar. Na maioria dos arraiais, a programação é encerrada às 2h, em média, dependendo do dia.

O fato decorre do antigo problema da perturbação do sossego público e parte de moradores de áreas residenciais incomodados com poluição sonora e outros aborrecimentos. Esses problemas não conseguem ser solucionados devido à falta de espaços adequados para a realização de eventos que não gerem reclamação dessa natureza por parte das comunidades.

“Amanhecer brincando bumba boi é uma tradição antiga que já não temos o direito de vivenciar, pois se não há eventos avançando, pelo fato de o horário decretado não permitir, nossa programação é encerrada às 4 horas da manhã. É um problema, principalmente, na volta para casa, pois muitos brincantes usam transporte público e encontram dificuldades na madrugada”, conta Zé Inaldo, presidente do Boi da Maioba, sotaque de matraca, um dos batalhões mais tradicionais da Ilha.

De acordo com Maria José Soares, presidente do Boi de Maracanã, também sotaque de matraca, a magia do São João no que diz respeito aos grupos de bumba meu boi passa também pela liberdade que os mesmos tinham para aproveitar a festa até os primeiros raios de sol. “Que imprimem um certo ar poético à apresentação. Como os eventos têm limite de horário, nossa agenda ficou limitada, ou seja, quando o relógio acusa 4 horas da manhã, temos de voltar para casa, pois não há mais nada na cidade”, acrescenta Maria José Soares.

Capela de São Pedro é área residencial

Os grupos de bumba boi não sabem como será nesta quinta-feira, dia 29 de junho, Dia de São Pedro, já que nessa data costumam amanhecer na capela que dá nome ao santo, no bairro Madre Deus. É que na comunidade há, por exemplo, pessoas idosas, outras com autismo, e a capela está exatamente ao lado do Hospital de Câncer, onde há enfermos. É uma parcela da população que não gosta de festas e não aceita ser incomodada, pois não quer ter seu sono interrompido.

Conforme o titular da Delegacia de Costumes e Diversões Públicas (DCDP), Joviano Furtado, eventos como esses, realizados próximo a hospitais, não podem acontecer por lei, embora essa tradição de os bois amanhecerem tenha se perpetuado ao longo dos anos. “Há leis que regulamentam esses tipos de evento em áreas residenciais e nas proximidades de hospitais e escolas. Além de respeitar a lei, o bom senso, nesses casos, seria uma boa ideia. Infelizmente, ainda não temos uma área onde os grupos possam se reunir sem que haja esse tipo de problema”, disse o delegado, afirmando que a delegacia está realizando fiscalizações neste período.

Segundo o promotor de Justiça do Controle Externo da Atividade Policial, Cláudio Guimarães, esse é um problema que gerou diversos entraves para a montagem de arraiais em diversas áreas residenciais de São Luís antes do período junino, ou seja, uma das explicações para a redução do número de espaços juninos este ano. Ele conta que o órgão recebeu inúmeros abaixo-assinados com pedidos de intervenções.

“O problema é que em áreas residenciais há idosos, pessoas doentes, autistas e há moradores que querem sossego e não admitem mesmo. Por outro lado, a demanda por eventos nesta capital é muito grande e nós temos atuado a partir das manifestações contrárias das comunidades atingidas, devido à questão do trânsito, da poluição sonora, dos vendedores ambulantes nas áreas de entorno, e por aí vai. Exatamente como acontece no Arraial ‘Pertinho de Você’, na Cohama, ao lado da Batuque Brasil, onde há uma briga judicializada pelos moradores com apoio do Ministério Público. Há vários procedimentos instaurados”, disse o promotor.

Essas manifestações contrárias ocorrem o ano inteiro, de acordo com o promotor, sendo ainda mais comuns em épocas festivas, como no São João, Carnaval e Réveillon. Na área da Península da Ponta d’Areia, por exemplo, os eventos realizados no Iate Clube de São Luís foram suspensos devido a ações de moradores na Justiça. No Hotel Blue Tree, localizado em área residencial, as festas só podem ser realizadas até às 2h da manhã.

Limite atrapalha investimentos do governo e iniciativa privada

O limite de horário, geralmente até 2h da manhã nos terreiros juninos, acaba atrapalhando o brilho da festa e comprometendo os altos investimentos do Governo do Estado, da Prefeitura de São Luís, que conseguiram aumentar o número de turistas desembarcando no Maranhão e contribuindo para o aquecimento da economia, após maciça divulgação do destino em outros estados, bem como da iniciativa privada.

No Arraial do Ipem, por exemplo, por ser em área residencial, a festa não avança, o que já foi alvo de reclamação de visitantes. Na Maria Aragão, o Arraial da Cidade, apesar de ser distante de área residencial, também não avança.  

Projeto de área na Praia Grande que poderia ser solução para problema de perturbação do sossego público aprovado pelo promotor Cláudio Guimarães
Projeto de área na Praia Grande que poderia ser solução para problema de perturbação do sossego público aprovado pelo promotor Cláudio Guimarães

Área livre no Centro Histórico

Recentemente, de acordo com Cláudio Guimarães, a Promotoria de Justiça do Controle Externo da Atividade Policial mostrou-se a favor de um projeto apresentado por um promotor de eventos culturais que poderia ser a solução mais viável. 

No projeto, é sugerido o deslocamento de eventos para a área do Centro Histórico, mas do lado oposto aos casarões, no perímetro onde funciona uma feirinha nas quintas-feiras. O local, já intitulado Arena Beira-Mar, é apropriado, pois não há vizinhança, é extremamente amplo e dispõe de estacionamento, conforme o promotor.

“É uma área que resolveria muitos problemas. Além do que não há possibilidade de ser inconveniente em relação ao patrimônio, haja vista que é do lado oposto ao Centro Histórico. Ou seja, parece uma excelente ideia, ainda que nos estacionamentos de shoppings também não haja inconvenientes, pois são áreas de fácil controle”, afirma Cláudio Guimarães.

A reportagem procurou o promotor de eventos Ricardo Pororoca, citado por Cláudio Guimarães. Ele disse que a ideia surgiu justamente devido a esse impasse, o que prejudica tanto quem realiza festas em São Luís quanto quem gosta de se divertir.

“Foi quando sugerimos esse espaço maravilhoso que passa despercebido por muita gente. Ele pode ser a solução para esse problema. Uma área para a realização tanto de eventos públicos como privados, sem vizinhança para incomodar, o que pode justificar o seu horário estendido, o que seria ideal, inclusive para os grupos de bumba meu boi, que poderia ter o seu lugar ao sol”, finaliza Ricardo Pororoca.

 

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