SÃO LUÍS – Às vésperas do Halloween, celebrado no dia 31 de outubro, a procura por fantasias para festas é crescente, mas é necessário tomar cuidado com a mensagem que sua caracterização vai transmitir. Assim como no Carnaval, algumas fantasias podem ser classificadas como racistas, homofóbicas ou uma apropriação de determinadas culturas.
Entre os exemplos do que deve ser evitado estão perucas que imitem o estilo black power, uso de blackface, trajes de índios, roupas com simbologia religiosa, caracterização de terroristas, pessoas gordas e outros. Outras fantasias que podem ser banidas são aquelas de personalidades históricas cujas ações afrontaram a integridade da vida humana, como Hitler ou Jeffrey Dahmer.
Em São Luís, já há bons exemplos no sentido de proporcionar um momento de divertimento sem constranger o outro. O produtor de eventos, Pedro Cordeiro, que promove uma festa de Halloween na capital falou ao Na Mira sobre a preocupação da produtora em realizar uma fiscalização quanto às fantasias que carreguem teor discriminatório. “O ódio não é arte, o preconceito não é liberdade de expressão, portanto, é sim fundamental regularizar o que pode ser usado e o que deve ser evitado”, afirmou o produtor.
A produtora de Pedro já anunciou em redes sociais que “está proibido o uso de fantasias de pessoas ou personagens, reais ou fictícios, que representem por suas ações ou ideologias discriminatórias de qualquer natureza, especialmente LGBTQIAPfobia, racismo, sexismo, capacitismo, e etc”, informou a nota divulgada há poucos dias.
Tivemos um retorno positivo entre os clientes que entendem a gravidade do tema.Pedro Cordeiro, produtor de eventos
Para ele o papel das produtoras em geral deve ser oferecer um lazer com segurança, conforto, acolhimento e acima de tudo inclusão. Quem desrespeitar será barrado no baile. “A fiscalização deve ser realizada na portaria, é importante anteceder o barramento de qualquer imprudência que venha a acontecer, resultando no impedimento do acesso do cliente ao evento”, declarou.
Seja Halloween ou Carnaval, o preconceito deve ser combatido
Para a presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB-MA, a advogada Caroline Caetano, essas campanhas são de extrema importância para que a gente consiga erradicar o racismo. “Quando você realiza um evento e você traz essa proibição do uso de fantasia nesse caráter, você está atuando de forma preventiva, você está de certa forma buscando educar esse público que vai comprar o produto”, explicou. Ela aponta que apesar de reunidas para recreação, as pessoas devem ter consciência. “Não há escape, não há tolerância, não há proporcionalidade de conduta quando a gente fala de racismo. Precisa ser fortemente repreendido, punido e combatido”, disse a presidente da Comissão da OAB-MA.
As regras sobre o uso de fantasias no Halloween não são diferentes do Carnaval. A vedação é a mesma. “Dependendo da forma que isso for empregado, se chegar a uma denúncia, se verificando a questão do dolo, a vontade consciente daquela pessoa, ou de que forma isso repercutiu diante daquela coletividade no qual foi inserido o uso dessa fantasia por indivíduo, essa prática pode ser criminalizada, pode se enquadrar no fato típico da lei de racismo”, explicou Caetano.
Ela também citou a cultura do cancelamento nas redes sociais, que pode revelar duas facetas. “Ao mesmo tempo que a intenção é tirar o criminoso da visibilidade, em contrapartida, dependendo da forma que isso é feito, nós incorremos no erro de acabar dando maior publicidade aos criminosos. Então nós precisamos atuar de uma maneira muito consciente, muito estratégica quando nos referimos ou quando trabalhamos nas redes sociais”, ressaltou.
O que configura o crime de racismo? Caetano explica que racismo consiste em “praticar, induzir ou incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Então a depender de como essa denúncia chega ao sistema de justiça, essa denúncia de que houve alguém em um evento público utilizando fantasias que fomentem o preconceito e a discriminação nessas formas pode ser enquadrado”, demonstra a advogada.
Não é só o verbalizar. Nós temos a linguagem não verbal, as simbologias e, dentre elas, há o uso de fantasias racistas, que fomentem o racismo, que vão possivelmente se enquadrar numa prática de racismo.Caroline Caetano, Comissão de Igualdade Racial da OAB-MA
A recomendação é que as pessoas denunciem. “Os fatos precisam chegar ao sistema de Justiça para que a gente desenvolva as investigações cabíveis, encerre esses procedimentos criminais para analisar essas condutas e classificá-las como criminosas ou não”, completou Caroline Caetano.
O Na Mira também conversou com o advogado Paulo de Almeida, membro da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-MA. Ele observa, primeiramente, do ponto de vista histórico da festa. “Bem, o Halloween é uma data estrangeira que se comemora o dia das bruxas. Nesses países, as pessoas costumam sair fantasiadas e pedir doces nas ruas. Com o avanço das ciências mentais, percebeu-se que o emocional repercute diretamente no indivíduo e que uma saúde mental equilibrada é fundamental pro desenvolvimento saudável e o bem-estar de cada ser humano”, destacou.
Para Almeida, é preciso tomar cuidado para não ultrapassar os limites particulares de cada indivíduo. E aquele se sentir violado, pode recorrer.
Polêmica com serial killer
Recentemente, um empresário foi criticado nas redes sociais por ter se fantasiado do serial killer americano Jeffrey Dahmer em uma festa de Halloween, em Manaus (AM).
Jeffrey Dahmer foi condenado no ano de 1992 por matar 17 meninos e jovens, muitos dos quais eram negros e gays, entre 1978 e 1991, além de crimes como canibalismo e necrofilia. O nome dele ganhou notoriedade por causa de uma série de televisão deste ano.
A partir da polêmica, a festa de Halloween da produtora de Pedro Cordeiro, com quem abrimos esta publicação, lançou uma nota que reprime fantasias deste tipo.
“A polêmica do Jeffrey gira em torno das famílias que sofrem até hoje com o massacre são obrigadas a ver o enaltecimento da figura assassino, um dano latente. Essa pauta tá muito ligada a subjetividade, que o que é ofensivo pra um, pode não ser pra outro.
Na dúvida, é mais sensato escolher outro tema, de criaturas fictícias, como o lobisomem ou o Jason”, apontou o advogado Paulo de Almeida.
Ele corrobora com o que apontou, anteriormente, a presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-MA, sobre determinadas situações indicarem prática criminosa e ressalta que as produtoras de eventos podem vetar o uso de fantasias com apologia ao racismo ou qualquer tipo de preconceito desde que fundamentadas e pautadas sempre na constituição.
O que pensa o público
O Na Mira encontrou alguns maranhenses cheios de criatividade, que aceitaram mostrar suas fantásticas caracterizações em edições de Halloween anteriores. Kaio Sousa, de 22 anos, que é fotógrafo e modelo, sempre busca referências de filmes e séries para escolher suas fantasias. Ele também realiza enquete com seguidores para isso. “A última vez eu fiz a versão do Chapeleiro Maluco. Fiz uma releitura do que eu já tinha feito em 2014”.
“Acho que tudo que fere a integridade do outro, tudo que foge do respeito, que foge da cordialidade não é correto. Então sim, a gente deve sim seguir a mesma linha do Carnaval, das fantasias com teor mais correto. Por mais que no Halloween tenha essa ideia de macabro, de sombrio, mas não é algo que interfere no outro. Eu acredito que tudo vai da questão do bom senso”, comentou.
O professor de Natação e de Hidroginástica, Anderson Pereira, de 30 anos, já usou fantasias de vampiro, diabinho, coelho e fez também a Cruella na versão masculina. Ele também concorda com o politicamente correto no Halloween “para não romantizar a violência”.
Outro apaixonado pela festividade e que capricha nas fantasias é o assistente administrativo, Miquéas Santos, de 22 anos. “Sempre procuro referências na internet especificamente no Pinterest, acho que é o site que salvam muitas pessoas quando estão em busca de modelos e ideias pra fantasia ou outro tema. Este ano busco uma coisa mais das trevas, um anjo diabólico, vamos aguardar”, relatou o jovem que mergulhou no filme O Estranho Mundo de Jack.
Ele também apoia a proibição de fantasias preconceituosas. “É importante entender o contexto em que você está inserido hoje e que algumas fantasias podem ser bastante ofensivas e até mesmo criminosas, e isso deve ser respeitado. Se for o caso, melhor pensar duas vezes antes mesmo de escolher uma, por exemplo tivemos o caso das pessoas que se fantasiaram de Jeffrey Dahmer, para quem conhece a história desse psicopata jamais daria credibilidade a ele, principalmente no meio LGBTQIAP+”, disse.
Já o produtor de eventos, DJ e influencer digital Emerson Alves, de 23 anos, é contra a proibição. “Acho que a pessoa tem que ir como se sente à vontade, esse negócio de proibir não acho certo”, afirmou.
Ele contou que a composição de suas fantasias é feita com base na internet e no que as celebridades estão vestindo. “Sempre procuro referência antes pela internet e pelo feed dos famosos. Já usei caveira mexicana, tigre, anjo negro e palhaço”, comentou.
Posicionamento do Estado
A Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop) reforça, por meio de nota, que as orientações sobre uso de fantasias no Halloween se assemelham as do Carnaval e que certas ofensas podem configurar crimes. Leia a nota na íntegra:
“Em qualquer brincadeira, só não podemos esquecer que desrespeito, violência e deslegitimação não tem graça.
A orientação para as fantasias do halloween são as mesmas que para as do Carnaval: reflita sobre se o que você veste pode estar ferindo alguém, se reforça algum esteriótipo ou preconceito.
Lembramos que algumas dessas ofensas podem ser enquadradas em crimes, como os de racismo e injúria racial, que também contemplam discriminação em decorrência de gênero e sexualidade”.
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