RIO - Está no calendário chinês: 2004 é o ano do macaco. Na interpretação nada ortodoxa do mestre Gustavo Black Alien, é "o ano em que nós, os doidões, nos damos bem". Se os astros vão colaborar, sabe lá, mas o rapper-macaco de Niterói fez a sua parte em "Babylon by Gus volume 1 - O ano do macaco" (DeckDisc), seu CD de estréia solo. Depois de iniciar sua vida no Planet Hemp, passar pela parceria com Speed e pelo Reggae B, participar de discos de nomes como Paralamas do Sucesso, Marcelinho da Lua e Funk Como Le Gusta, Black Alien aparece por inteiro. "Babylon by Gus" registra o macaco na loja de louças, quebrando tudo: ragga, rap, drum'n bass, Tom Jobim, Celly Campelo, Eldorado dos Carajás, mulheres para mil talheres, marra de quem resolve no braço, justiça divina. Macaco velho, porém, dos cacos ele faz seu mosaico do mundo sem inocência, a Babilônia do Gus.
Desde o início no Planet Hemp, no início dos 90, Black Alien sempre chamou a atenção pelo seu timbre, divisões e sobretudo por suas rimas que misturam referências pop com observações da rua. A estréia em disco solo, portanto, até demorou. E se dependesse só da preguiça do rapper, demoraria até mais. Mas de um lado vinha a pressão das contas para pagar - ele não estava mais no Planet Hemp e o Reggae B não estava fazendo shows - e do outro, as cobranças dos mais jovens, querendo ouvir o "CD do Black Alien".
- A molecada vinha pedir: "quando é que você vai lançar o disco para a gente?". Aí deu o estalo. Me dei conta que era importante eu gravar para eles. E para mim também - conta na entrevista em Santa Teresa, vista para a Baía de Guanabara, John Coltrane saindo das caixas de som.
'Muitas letras são como reportagens'
Foram dez meses do início da produção até o lançamento. Com a mania de organização herdada do pai, Black Alien guardava em casa quatro pastas em casa com letras esperando para serem gravadas. Porém, Letras 1, Letras 2, Letras 3 e Letras 4 continuam intocadas - o rapper produziu tudo fresco para o disco.
- Muitas letras são como reportagens, que fazem sentido só na época - explica o rapper, que no disco fala de Bin Laden e da fúria dos índios Cinta-Larga contra os garimpeiros, além de refrescar na memória notícias antigas, como o massacre de Eldorado dos Carajás.
Em meio à contundência "papo reto" de "Caminhos do destino" (um dos pontos altos do CD) e de "Baylon by Gus" (a faixa de trabalho), a malícia de "Perícia na delícia", as ameaças proféticas de "Na segunda vinda", o romantismo de "Como eu te quero", a crônica do crime de "Primeiro de dezembro", o auto-retrato em "Mister Niterói", o papo reto de "Caminhos do destino", o rapper é capaz de achados como "Tava lá no informe/ O mar amanhã vai tá stormy" ou "Aos domingos, ouvindo Charles Mingus/ Você me diz 'Vem em mim, Gus'" ou "Eu sempre estive aqui, no verso cru que nem sashimi".
- Escrevo assim, observando... (olha em volta e mapeia a área, listando o que vê e ouve) Mulheres, Coltrane, Springer... Absorvo isso e no momento necessário eu cuspo. E não ando anotando o que eu penso. Quanto menos eu anotar, melhor para minha saúde. Minhas palavras podem me comprometer, com a polícia, com uma namorada ou com qualquer um que esteja sendo atingido pelos versos - diz.
Black Alien foge dos clichês do hip hop
O engenhosidade dos versos faz rir em muitos momentos. Black Alien, porém, fala que o humor não é uma preocupação sua. Ou pelo menos o humor fácil, do riso pelo riso.
- Meus versos não são aleatórios, todos eles têm um alvo. Quando eu não posso quebrar o nariz do sujeito, eu faço uma música. Meu humor, então, é algo tipo: "eu te quebro, passo por cima de você e tô rindo" - diz Black Alien.
A marra clichê do hip hop, porém, não tem lugar em "Babylon by Gus". O disco passa ao largo dos palavrões ("qualquer criança pode ouvir meu CD, mas não qualquer adulto", provoca o rapper); não cita as palavras MC ou DJ; e não engrossa as fileiras dos manos radicais que defendem o hip hop dos "aproveitadores do movimento" (leia-se grande mídia e rappers de fora das periferias).
- Talento não tem nada a ver com classe, educação ou pele. E o movimento hip hop é um mito, porque um quer puxar o tapete do outro. Quando conversei com (Alexandre) Basa, produtor do CD, disse "quero fazer música lega para as meninas dançarem e não quero nem saber o que os manos vão pensar" - conta. - E não acho legal também essa história de fortalecer o rap do Rio ou de Niterói, quero fortalecer o cosmos.
CD une referências de MPB, jazz, eletrônica e rap
Coerente, Black Alien procurou o paulistano Basa (Instituto) para forjar o som de seu "Babylon by Gus" - e as participações especiais de Rhossi, Bi Ribeiro, Pupilo, Rafael Crespo, Marisco e Bidu Cordeiro. O resultado é moderno, misturando Outkast, Public Enemy, Dr. Dre e outras tantes referências de fora do rap.
- Desde moleque ouço Tim Maia, Osmar Milito, Simonal, Sergio Mendes, Tom Jobim, John Coltrane, Celly Campelo, Roberto Carlos - lista, mostrando que seu microfone, armado para o show que faria para convidados e imprensa, estava montado com pedestal à moda do Rei. - Conheci Beatles num disco de Sarah Vaughan, "Sarah sings The Beatles". Charles Mingus ouvi pela primeira vez num sample de um CD do A Tribe Called Quest. Com o rádio, cheguei a Police, Peter Frampton, Charles Benson, Elton John, Carly Simon.
Nas letras, as referências são igualmente variadas.
- Vinicius de Moraes e Chico Buarque são os grandes. Também curto Raul Seixas, Lobão, Herbert Vianna, Cazuza e Renato Russo.
Servindo-se como quer das louças da MPB, do jazz, do rap e da eletrônica, o macaco está solto.
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